segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Quando foi 68?: Cinema, Música e Política

por Mário Augusto Rolim


MÚSICA:

 O ano de 1968 é tido, por merecimento, como o ápice dos movimentos de contracultura que se espalharam por várias partes do mundo entre o final da década de 1960 e o começo da década de 1970. Um bom meio de evidenciar isso é lembrar o número de músicas pop que, se não defendiam a revolta, pelo menos demonstravam uma percepção de que alguma coisa diferente estava acontecendo naqueles anos finais da década. Mesmo bandas e artistas que eram – e continuaram depois – apolíticas escreveram pelo menos alguma música relacionada à situação sociopolítica daquele tempo. Sim, os anos de maior engajamento dos jovens em movimentos contraculturais ou de protesto coincidiram com os anos de maior tendência ao protesto na música pop, mas, mesmo nessa época, protestar explicitamente através de músicas não era comum. Na verdade, esse tipo de comportamento é comum nas artes comerciais em geral, desde a música até a literatura e o cinema. Tal tipo de músicas era mais comum em artistas relacionados ao movimento de revitalização da folk music americana e artistas como Joan Baez, Bob Dylan (entre os anos de 1963 e 1965), Pete Seeger e Peter, Paul And Mary.
Posso começar com o Cream, um supergrupo de rock que em suas letras seguia as tradições do blues com uma influência de rock psicodélico, e preferia fazer covers de clássicos do blues a abordar temas sociais em suas músicas. Mas em 68 eles escreveram e lançaram, no álbum Wheels of Fire, uma canção chamada ‘Politician’, descrita na crítica do álbum na Allmusic como “um blues lento, cínico”. A letra critica o lado hipócrita e falso dos políticos, com um eu-lírico que “apóia a esquerda apesar de estar se inclinando para a direita”, que “não está lá quando há uma briga”, se declarando “um homem político que pratica o que prega” e que chama uma pessoa desconhecida (provavelmente uma mulher) para dentro do seu “grande carro preto” para “mostrar suas políticas”.
A banda californiana The Doors seguia caminho parecido ao Cream em termos de letras e de propensão a fazer covers de clássicos do blues, mas em 68 eles largaram sua postura passiva por um momento e lançaram no álbum Waiting For The Sun a canção ‘The Unknown Soldier’. Nela, Jim Morrison – vocalista e principal compositor da banda – aborda o modo como a mídia tratava a Guerra do Vietnã escrevendo “Café da manhã onde as notícias são lidas/Televisão alimentou as crianças/Não-nascidos vivendo, mortos-vivos/Bala atinge a cabeça com o capacete”, e também escreve “Faça uma cova para o soldado desconhecido/Aninhado na tumba de seu ombro”, terminando a música com uma encenação do fim da guerra. Ao tocar essa canção, a banda também costumava simular de um pelotão de fuzilamento, através de uma combinação de sons da bateria e guitarra e Morrison caindo no palco, como que fuzilado pela guitarra.
Outra banda de rock que seguia uma vertente semelhante às duas anteriores na composição de suas músicas eram os Rolling Stones. Em 68, Mick Jagger compôs ‘Street Fighting Man’ para o álbum Beggars Banquet. A inspiração para escrevê-la após ir a uma manifestação anti-guerra em frente à embaixada americana em Londres naquele ano, na qual policiais investiram contra uma multidão de aproximadamente vinte e cinco mil jovens. Na letra, Jagger toma partido dos protestantes/”revolucionários” e retrata muito bem o ambiente daquele momento, dizendo que “Em todo o lugar eu escuto o som de pés marchando/Porque o verão chegou e a hora é certa para lutar nas ruas” e que “Acho que o momento é certo para uma revolução palaciana”, apesar de lamentar que “Mas o que um pobre garoto pode fazer/A não ser cantar em uma banda de rock ‘n roll/Porque na sonolenta cidade de Londres não há lugar para um lutador de rua”. Os Stones pretendiam lançá-la como single, com uma foto de policiais batendo em manifestantes de Los Angeles, mas a distribuidora rapidamente proibiu sua circulação. O single foi também banido em várias rádios americanas, que alegavam que ele era “subversivo” e podia “incitar violência”. Jagger respondeu dizendo que “É claro que é subversivo! É estúpido pensar que se pode começar uma revolução com um disco. Quem dera se pudesse!”.
Seguindo a linha de bandas de rock que tinham letras (e canções) influenciadas primariamente por blues e rock psicodélico, temos a Jimi Hendrix Experience. Para seu álbum de 1968, Electric Ladyland, Hendrix compôs ‘House Burning Down’ (segundo ele porque não entendia o porquê de irmãos – no sentido mais amplo do termo – queimarem as casas uns dos outros) uma referência aos protestos anti-racismo do verão de 68, em que várias casas e estabelecimentos foram incinerados. Também tem conotação sociopolítica a canção ‘1983... A Merman I Should Turn To Be’, apesar dela estar um pouco escondida por trás de metáforas e uma das letras mais poéticas de toda a carreira de Hendrix. Nela, o eu-lírico fala sobre querer renascer sob a forma de um sereio junto com seu amor, fugindo da guerra e seu “barulho mortal”. Ele também lamenta que “nossos amigos não podem estar conosco hoje”, numa referência aos assassinatos de Martin Luther King Jr. e Robert Kennedy, separados por apenas dois meses. Hendrix também faz alusão ao bombardeio – através de mísseis, bombas e napalm – ao Vietnã feito pelos Estados Unidos, com “Coisas gigantes com formato de lápis e batom/Continuam a chover e causar dor gritante”. O título é uma referência à seção 1983 – que fala de ação civil à deprivação de direitos - do Civil Rights Act de 1871, feito para proteger - legalmente - os negros de ataques racistas, o que extinguiu a Klu Klux Klan por décadas.
Pode-se terminar mencionando justamente os Beatles, a maior banda de rock da história, que em seu Álbum Branco de 1968 uma música chamada ‘Revolution 1’ e outra chamada ‘Revolution 9’. Os Beatles até então só tinham abordado temas sociopolíticos em suas músicas (a maior parte estava bem longe disso) em ‘Taxman’, uma crítica irônica aos impostos pagos pelos britânicos naquela época. ‘Revolution 1’ é uma canção sobre as revoluções (ou tentativas de revolução) que ocorreram no mundo no primeiro semestre de 1968, principalmente. Em vez de enaltecer tais revoluções – como poderia ter acontecido, já que os Beatles eram contra a Guerra do Vietnã e estavam entre os principais expoentes da cultura hippie na música -, a letra de John Lennon questiona o planejamento e a abordagem dos revolucionários, ao mesmo tempo em que mostra o caráter dúbio do seu compositor, que não sabe se quer se juntar aos revolucionários ou não. Essa ‘crítica da crítica à sociedade’ não era fácil de ser encontrada nos trabalhos artísticos de bandas anti-stablishment da época, já que os hippies como um todo pareciam imbuídos de um estado de crescente otimismo de 1967 a 1970. John Lennon chegou a ser criticado por radicais de esquerda, que alegaram que a canção era uma traição ou uma demonstração burguesa de medo, e até perseguido por grupos que seguiam ou eram favoráveis a Mao, Trotski e Lênin. Já ‘Revolution 9’ é completamente diferente da sua “companheira”, e também completamente diferente de qualquer outra música dos Beatles ou de qualquer banda de música pop da história, se constituindo de uma colagem vanguardista de sons e efeitos sonoros dos mais variados, pontuados por vocais que na maior parte das vezes são quase incompreensíveis, chegando a cerca de oito minutos. Inicialmente, ‘Revolution 1’ e ‘Revolution 9’ seriam uma música só de aproximadamente dez minutos, com a primeira dando lugar à segunda, mas Lennon decidiu separá-las e fazer uma seção de colagens mais elaborada (e complexa) do que originalmente previsto. A inclusão dela no álbum chocou não só o público, que anos atrás podiam ver os Beatles vestidos de jovens comportados tocando músicas até inocentes como ‘She Loves You’ e ‘I Wanna Hold Your Hand’, mas também os próprios membros da banda e profissionais que trabalhavam com ela (Paul McCartney era contra a inclusão dela, que acabou sendo a canção de estúdio de maior duração dos Beatles, no álbum; George Harrison ajudou na edição e contribuiu gravando algumas partes vocais). É praticamente impossível se tirar uma mensagem da “letra” de ‘Revolution 9’, mas não estaria John Lennon fazendo também uma excêntrica espécie de revolução com sua aventura pela música concreta? Muitos críticos chegaram a afirmar que a inclusão de ‘Revolution 9’ no Álbum Branco era o fator essencial que o tornava mais que um álbum de música pop. Um álbum-conceito, alguns diriam, outros falariam de um suposto gênero musical chamado ‘art rock’. Não importa. John Lennon pode não ter tido sucesso em sua revolução pessoal, mas ninguém pode falar que ele não chocou o mundo, ou que ele não deixou uma mensagem.
Essas duas canções são um bom exemplo para diferençar os variados tipos de ações políticas de protesto ou de demonstrações de consciência política que eram/são feitas através da arte, mais precisamente a música, naquele momento da história. De um lado, as músicas de crítica social explícita, ainda que essa crítica venha em forma de metáfora ou outras figuras de linguagem. Como exemplo eu posso citar ‘Blowin’ In The Wind’ e ‘The Times They Are A-Changin’’, de Bob Dylan, ou ‘Pra Dizer Que Não Falei das Flores’, de Geraldo Vandré. Em outra vertente eu colocaria os trabalhos musicais que procuravam não fazer uma crítica sociopolítica explícita através das letras, mas que acabavam por ter um impacto mesmo assim. Claro, sempre houveram e haverão artistas que parecem ser até despretensiosos socialmente e preferem se manter longe de qualquer discurso político, mas que conseguem chocar mesmo assim. Esses sempre estiveram conscientes do seu papel no meio artístico e da sua capacidade de crítica ao meio cultural e social em que habitam, como Caetano Veloso, The Velvet Underground e Miles Davis.
Não vou longe o suficiente para dizer que todo ato artístico é em si também um ato político, mas não se podem negar certas coisas. A mera existência de uma banda como o Velvet Underground, por exemplo, com seu som muitas vezes estranho e distorcido e suas letras falando sobre consumo de drogas e perversão de diferentes tipos já é em si uma grande afronta ao sistema político. Quanto à importância desses diferentes tipos de discursos políticos, Caetano Veloso menciona em sua autobiografia ‘Verdade Tropical’ que Geraldo Vandré chegou a procurar o empresário de Caetano e Gil para pedir a eles que não entrassem no páreo (nas disputas por festivais ou mesmo por espaço nas rádios e na mídia), alegando que “o Brasil necessitava daquilo que ele, Vandré, estava fazendo (ou seja: canções “conscientizadoras das massas”) e que, como o mercado não comportava mais de um nome forte de cada vez, nós todos deveríamos, para o bem do país e do povo, jogar todas as cartas nele”. Vandré já era o cantor de protesto por excelência no país e além de auto-confiança e desejo de “conscientizar as massas”, também está por trás desse pedido uma noção de que o tipo de música que ele fazia era mais importante para o país do que a Tropicália. Também havia em Vandré uma cobrança para que Caetano, Gil e tantos outros tornassem sua crítica política mais veemente. É impossível determinar qual dessas duas vertentes efetivamente causa mais impacto, mas o fato é que a Tropicália, com sua desenvoltura, maneira performática e até escandalosa de se apresentar e mistura de diferentes gêneros musicais com a própria poesia, até, chocou tanto adeptos da bossa nova quanto do rock (a principal dicotomia musical da época). A prova de que a Tropicália também era uma ameaça à ditadura veio quando Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos após uma apresentação na TV em tempos de Natal na qual Caetano cantava ‘Noite Feliz’ apontando uma arma para a própria cabeça (Caetano quase pediu para ser preso, convenhamos). Na prisão, oficiais chegaram a dizer a Caetano que achavam a música que eles estavam fazendo bem mais ultrajante e perigosa (não nessas palavras) que músicas de protesto mais claras. Depois de algum tempo, a cabeça de Caetano foi raspada na prisão. Nesses tempos, até ter cabelo grande podia ser um ato político.



CINEMA:

            Entre as formas de arte (ou de pensamento e expressão) que entraram em ebulição nos anos 60, mais precisamente no final da década, mais precisamente ainda em 1968, o cinema foi certamente uma das mais afetadas pelo espírito da época e uma das que melhor souberam transmiti-lo. Mas não poderia ser diferente. Provavelmente é unânime que o cinema é a arte do século XX, e aquela que mais se firmou como uma das mais populares e amadas do mundo e a que mais povoou imaginário popular.
            Num cenário em que até estudantes que haviam cogitado coisa parecida se mobilizaram para enfrentar forças armadas do governo, e bandas que nunca haviam sequer mencionado assuntos políticos em suas músicas demonstraram atenção ou interesse ao cenário sociopolítico da época, provavelmente o cinema não teve um impacto tão grande nas questões políticas do fim da década de 60. Talvez tenha sido assim pela demora na produção e distribuição de um filme ser bem maior que de um disco, por exemplo, pela maior facilidade em censurar ou proibir a circulação de filmes, ou talvez pela própria tradição do cinema de não dar tanta importância aos problemas sociopolíticos de sua época. Mas analisar os filmes dos anos 60 assim é ver só um dos lados da moeda. Isso porque o cinema tem uma política própria, na qual as críticas (ainda que não estejam explícitas) estão mais voltadas para o mercado e o modo como o cinema é tratado do que com o cenário social. No caso, a “politique des auteurs” (política dos autores), termo usado pela primeira vez por François Truffaut em 1954.
            Essa política é um desenvolvimento de um ensaio escrito por Alexandre Astruc em 1948, chamado ‘Nascimento de uma nova vanguarda: a câmera-caneta’, no qual ele previa que o diretor/autor escreverá como um escritor escreve com sua caneta. A teoria foi retomada na Cahiers Du Cinéma por críticos (e futuramente cineastas) como André Bazin, Jean-Luc Godard, François Truffaut e Eric Rohmer. Na Cahiers havia uma defesa dessa nova forma de se analisar filmes na qual se via o diretor como autor máximo da obra, o estabelecimento do cinema como uma verdadeira e respeitável forma de arte através do desenvolvimento de uma estética própria, dando mais bem mais importância e destaque aos diretores vistos como autores, como Bresson, Renoir, Hitchcock, Welles, Kurosawa, Bergman, só para citar alguns. Ao tomar o partido de filmes mais pessoais e artísticos, essa política também rejeitava os filmes comerciais, pensados para fazer os estúdios lucrarem enquanto agradavam o grande público. A política foi adaptada para o inglês como “auteur theory” por Andrew Sarris, um dos mais importantes críticos de cinema dos Estados Unidos, em 62. Obviamente, essa política recebeu várias críticas, até mesmo de críticos respeitados como a americana Pauline Kael, mas é inegável que esse novo modo de analisar filmes influenciou profundamente tanto críticos e espectadores como diretores, e ainda é importante para a história do cinema e assunto de calorosos debates sobre a sétima arte.
            O sucesso da política dos autores foi efetivado e deu frutos com o sucesso da chamada Nouvelle Vague, vanguarda do cinema francês formada em grande parte por críticos da Cahiers Du Cinéma como Truffaut, Godard, Rohmer, Chabrol e Rivette, tendo se iniciado no fim da década de 50 e atingindo seu potencial máximo na década de 60. Os filmes da Nouvelle Vague eram de baixo orçamento e principalmente por causa disso tinham deficiências técnicas evidentes, mas eram autorais e dotados de uma aura de juventude como nenhum filme de Hollywood, e constantemente desafiavam os clichês de gêneros e os moldes seguros dos filmes comerciais, em questões que iam desde estruturas narrativas até o emprego de atores não-profissionais em papéis importantes. As influências fílmicas que formaram a estética dos diretores da Nouvelle Vague eram várias, indo desde os filmes noir americanos até neorrealistas italianos e de diretores-autores do cinema francês como Jean Renoir.
            Menciono a Nouvelle Vague primeiro porque foi ela que, sem dúvida, mais influenciou e impulsionou a criação das vanguardas do cinema que surgiriam na década de 60. Ecos da Nouvelle Vague foram ouvidos em várias partes do globo. Nos Estados Unidos, filmes como Bonnie & Clyde (1967) e Sem Destino (1969) evidenciavam o nascimento da chamada Nova Hollywood, dotada de jovens diretores como Scorsese, Coppola, de Palma, Friedkin, Peckinpah, Bogdanovich, Malick, Spielberg, Altman e Ashby, entre outros. Esses cineastas lutavam contra a ideologia repressora, antiquada, e voltada para o mercado dos grandes (e decadentes) estúdios enquanto tentavam dominar o sistema de estúdios e assim conquistar mais autonomia e melhor financiamento, produção e distribuição de seus filmes, muito mais ousados e pessoais que os da Hollywood clássica.
Na antiga Tchecoslováquia, pouco tempo antes dela se tornar um caldeirão com a Primavera de Praga, cineastas como Milos Forman, Jan Nemec, Jíri Menzel, Ján Kadár e Vera Chytilová faziam filmes que desafiavam e criticavam os valores e as condições sociopolíticas de sua sociedade, ainda que não explicitamente. Muitos deles foram atacados ou proibidos pela censura governamental, e Forman e Nemec tiveram que deixar o país.
            Enfrentando situação semelhante (vivendo sob um regime autoritário e desigual que costumava censurar filmes e outras formas de arte) estavam os cineastas do Cinema Novo no Brasil, como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Joaquim Pereira de Andrade, sendo parte fundamental do que foi chamado de Terceiro Cinema, ou seja, um cinema do Terceiro Mundo. Ângela Prysthon abordou esse cinema no artigo ‘1968: Imagens de Uma Utopia’, dizendo:

“De acordo com a idéia de transformação da sociedade pela conscientização trazida à tona pelos ideais terceiro-mundistas, os principais temas dos filmes do terceiro cinema vão ser a pobreza, a opressão social, a violência urbana das metrópoles inchadas e miseráveis, a recuperação da história dos povos colonizados e oprimidos e a constituição das nações. Os praticantes do terceiro cinema recusam adotar um modelo único de estratégias formais ou transformar-se em um “estilo”, embora isto não tenha significado que eles estivessem alheios ao cinema mundial e à idéia de um modelo, se aberto, ao menos em linhas gerais unificador.
Ou seja, além de buscar os temas nas esferas marginalizadas da sociedade, estes cineastas demonstram laços estilísticos estreitos com o neo-realismo italiano e a Nouvelle Vague francesa. Tais influências vão ser sentidas em dois níveis principais: o neo-realismo italiano serve como proposta similar de abordagem formal que pode ser aproveitada por sua simplicidade, baixo custo e linguagem direta; e a Nouvelle Vague enquanto afirmação do “cinema de autor”, o que possibilita a consolidação das linguagens individuais dos principais expoentes do movimento. A partir desses elementos, emerge um conjunto de procedimentos mais ou menos comuns à maioria dos diretores engajados na denúncia social.” (PRYSTHON, p. 16)

            Certamente os diretores do Cinema Novo eram, entre os de todas as vanguardas citadas, os mais engajados socialmente, e o que mais chegaram perto de um fazer político convencional. Também é digna de nota a chamada ‘Estética da Fome’ que permeava os filmes dessa vanguarda, talvez o maior ponto de influência do neorrealismo italiano. Os filmes do Cinema Novo, além de mostrar pessoas pobres, eram evidentemente “pobres” também, sob vários aspectos. As imagens eram duras e até sujas, sem o polimento visual e o glamour que aparece até na direção de fotografia dos filmes de Hollywood; o som geralmente não era captado diretamente, o que era mais barato, e as trilhas sonoras não tinham pompa ou requinte, geralmente sendo constituídas de músicas típicas da região mostrada, ou de compositores brasileiros como Villa-Lobos; até a montagem não parecia tão clara, organizada e imperceptível como na estética hollywoodiana. Todos esses fatores podem ser vistos como defeitos, mas o Cinema Novo parecia ostentá-los com orgulho, até, e como uma maneira própria de demonstrar autonomia.
            Uma parte considerável desses cineastas, por uma variedade de motivos, não alcançou o sucesso almejado e teve apenas uns poucos e bons anos, com pouquíssimos nomes se mantendo em bom nível e chegando a fazer filmes de qualidade por décadas, como Malick, Scorsese, Forman, Rohmer, Truffaut, Godard, Altman e Spielberg. Numa década tão turbulenta, é até normal que tenham havido algumas “baixas”. Mas o fato é que os cineastas dos anos 60, cada um à sua maneira, faziam política filmando desde as condições precárias dos trabalhadores do sertão nordestino até as viagens (tanto as “psicodélicas” quantos as por estradas) de motoqueiros hippies. E o cinema nunca mais foi o mesmo depois disso.


            É impossível falar do cinema dos anos 60 sem ao menos esboçar uma análise mais geral do contexto, separando tudo por grupos distintos, mas também é impossível fazê-lo sem destacar alguns filmes em particular, ainda que brevemente:

- Antes da Revolução (1964), de Bernardo Bertolucci: ao contrário do que o título possa sugerir, essa obra de Bertolucci (então com 22 anos) demonstra como poucas a frustração da juventude em relação à sua própria incapacidade de alcançar seus sonhos – tanto relacionados ao amor impossível quanto a revoluções socialistas -, por causa das amarras da ideologia burguesa. A mesma geração que abraçaria e tentaria uma revolução alguns anos depois.
- Terra em transe (1967), de Glauber Rocha: o filme de Glauber Rocha se passa em um país latino-americano fictício chamado El Dorado, claramente inspirado no Brasil, povoado por um povo alienado e sem esperança e dominado por poderosos ricos e corruptos. Neste filme, talvez a maior crítica social de Glauber Rocha em filme, ele não poupa ninguém: o clero, o populismo, os políticos de direita, os esquerdistas revolucionários, os jornais... todos saem feridos. ‘Terra em Transe’ traz ainda uma reflexão (bastante pessoal) sobre o papel político do artista.
-Bonnie & Clyde (1967), de Arthur Penn: este filme abriu as portas para a Nova Hollywood, aproveitando a maior abertura para temas polêmicos por causa do fim do chamado Código de Produção para chocar e maravilhar espectadores e críticos. A forma quase romântica com que os foras-da-lei do título são tratados, a estilização da violência e o realismo brutal chocaram o público, ainda acostumado com os melodramas de Hollywood.
-Se... (1968), de Lindsay Anderson: Se... é provavelmente o mais emblemático filme de 1968, demonstrando o fervor revolucionário da juventude como ninguém. Este filme chocou o público com cenas de sexo explícito e anárquicos estudantes agindo como guerrilheiros e se revoltando contra sua própria escola, atacando seu diretor e outras figuras de opressão.
-2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick: impossível não falar de filmes de 1968 ou da década de 1960 e não falar de 2001, filme que essa semana revigorou sua aclamação como um dos cinco melhores da história através da respeitada votação feita pela revista Sight And Sound. Kubrick desafiou o intelecto até dos mais respeitados críticos e cineastas, causando admiração e incredulidade com uma obra-prima que quebraria várias barreiras relacionadas ao que se podia fazer em um filme até se fosse lançada neste ano. Até as declarações de Kubrick a respeito do filme na época, falando de como não falaria do significado da obra porque acreditava que ela era uma “experiência não-verbal”, são lembradas até hoje.
-Blow-Up (1966), de Michelangelo Antonioni: com este filme (talvez seu mais conhecido até hoje), Antonioni fez o retrato da alienação e inquietação de uma geração, através de situações estranhas em que a realidade é questionada e quebra de barreiras (a nudez e sexualidade aberta do filme foram bastante polêmicas na época). Também é digna de nota a cena em que a banda inglesa de rock The Yardbirds toca uma música, sendo esta uma das primeiras aproximações entre rock e “cinema de arte”.
-A Chinesa (1967), de Jean-Luc Godard: Godard continuava a desafiar convenções narrativas e limitações relacionadas a gênero em seus filmes, mas obras como essa e outras dos anos anteriores (65 e 66) serviram de preparação para uma fase explicitamente política de Godard, em contraste com os filmes mais “alienados” do início de sua carreira. A Chinesa mostra uma nova geração de jovens burgueses determinados a aprender com e discutir as teorias socialistas de Mao, Lênin e Marx, ainda que sem muito comprometimento. Essa geração atingiria seu apogeu nos eventos de Maio de 68, dos quais Godard participou forçando (junto com outros cineastas, com o Truffaut) o Festival de Cannes a ser cancelado como forma de apoio aos estudantes e revoltosos em geral.
-Dr. Fantástico ou Como Aprendi A Parar de Me Preocupar E Amar A Bomba (1964), de Stanley Kubrick: acostumado a causar polêmica com seus filmes desde Lolita em 62, Kubrick continuou essa tradição com Dr. Fantástico, seu próximo filme. Ao perceber a situação bizarra que tinha em mãos, Kubrick transformou o que era antes um filme sério baseado em um livro sério numa sátira política de humor negro. Com essa comédia hilária, o diretor evidenciou o apocalipse nuclear evidente, o caráter surreal da guerra e a loucura dos que a administram.
-A Viagem (1967), de Roger Corman: A Viagem não está citado aqui por sua qualidade (em vários momentos ele chega a parecer bizarro, ainda que sem querer), mas por evidenciar a situação dos jovens americanos da época. O roteiro (autobiográfico) escrito por Jack Nicholson mostra um homem em busca da cura para suas desilusões amorosas através de viagens psicodélicas de LSD. O filme foi feito por um hippie e protagonizado por hippies (Dennis Hopper e Peter Fonda, que mais tarde estrelariam em Sem Destino), o que por si só já é estranho, mas o fato de ter sido feito mostra que seu público-alvo (os próprios hippies) já eram presença significativa entre os jovens americanos naquele ano.
-O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla: talvez este filme seja o maior exemplo de uma vertente do Cinema Novo surgida no Brasil, chamada de Cinema Marginal. Em vez de criticar a situação sociopolítica da sociedade através de ficções que mais pareciam realidade e de um compromisso ético em relação ao público, se distanciando do engajamento político. N’O Bandido da Luz Vermelha, Sganzerla se aproveitou dos mais diversos gêneros do cinema num processo antropofágico digno de Oswald de Andrade, satirizando a tudo e a todos com humor, fantasia, violência e amoralidade.

Morin na "prática": uma conversa com Michel Zaidan e Cristina Teixeira


Por: Daniel M. de Andrade Lima, Isabela Almeida, Marcela Lins, 
Marcela Pereira, Marina Didier, Moema França e Ursula Neumann

Em um dos trechos do livro A Cabeça bem-feita, Edgar Morin escreve que "conhecer o humano não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele". Com base na ideia de fragmentação dos saberes (a divisão dos conhecimentos em disciplinas de maneira que não se relacionem, por exemplo) e em como isso influencia o modelo educacional atual, conversamos com Michel Zaidan, professor do Departamento de História da UFPE, e com Cristina Teixeira, do Departamento de Comunicação Social da UFPE para saber o eles acham sobre a interdisciplinaridade e as ligações dos saberes de áreas diferentes.

ALUNOS DE JORNALISMO: Como você enxerga a importância das outras áreas de estudo?

MICHEL ZAIDAN: Para mim, que tenho formação filosófica, o conhecimento humano só se coloca da perspectiva do objeto (do ser), não do método (sujeito ou consciência cogniscente). Neste sentido, a minha perspectiva cognoscitiva é ontológica, não metodológica. Dessa forma, a inter-relação, a interdisciplinaridade, a compressão holística, do ponto de vista da totalidade é fundamental. A separação das ciências e disciplinas é uma criação positivista. A separação estanque das ciências é responsável pela fragmentação do conhecimento humano e a perda de vista da totalidade. Isso tem implicações éticas, políticas e cognitivas. Precisamos voltar a pensar ontologicamente.


ALUNOS DE JORNALISMO: O que você acha da interdisciplinaridade?


MICHEL ZAIDAN: Como mero recurso metodológico é insuficiente. Precisamos avançar para uma compreensão holística da realidade. Onde as coisas se inter-relacionam necessariamente. Na verdade, é um novo paradigma, chamado paradigma ecológico profundo, bem exposto no livro O ponto de mutação, de Kappra.

ALUNOS DE JORNALISMO:O que você acha da metodologia de ensino dentro das escolas?

MICHEL ZAIDAN: Muito positivista. Fragmentário. Estanque. Não leva à compreensão integrada da vida, da sociedade e da história. Forma apenas o chamado "cidadão disciplinar" de Foucault. Pagador de impostos e temente dos castigos da lei positiva. Todo o discurso da inter/multidisciplinaridade é só um discurso, sem prática, sem consequências epistemológicas. Faria bem a escola ler Edgar Morin e sua teoria da complexidade.


Entrevista com Cristina Teixeira:












A Cabeça Bem-feita


   

Uma conversa entre Daniel M. de Andrade Lima, Isabela Almeida, Marcela Lins, 
Marcela Pereira, Marina Didier, Moema França e Ursula Neumann.

Numa tentativa de seguir a reestruturação do pensar proposto por Morin em “A cabeça bem-feita”, discutimos os assuntos mais significantes (pelo menos em nossas visões pessoais) debatidos pelo autor no livro, de forma descontraída e sem roteiro. Deixando a conversa fluir naturalmente, utilizamos como meio de comunicação o mecanismo de fórum do site de relacionamentos FACEBOOK, abrindo mão da linguagem academicista e entrando num dispositivo de hipertexto. Dentre discordâncias, convergências, brainstorms e devaneios, seguem os nossos comentários sobre o livro, com todas suas características individuais e, ao mesmo tempo, companheirismo entre amigos:

— Morin diz que seu livro é como um Emílio contemporâneo, “manual” para alunos e professores. Pode até ser encarado pelo leitor como uma espécie de manifesto. Fala sobre a necessidade de uma reforma do pensamento e, portanto, do ensino. O autor o escreveu tendo em mente um ensino educativo, que não quer transmitir só o mero saber, mas um modo de pensar aberto e livre que nos ajude a viver.”
— Essa parte aqui e aquela citação de Pascal que ele repete mil vezes, pra mim resume muito a idéia geral do livro: “Efetivamente, a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência para tratar nossos problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos”.
— Acho que dá pra adicionar que ele valoriza o encorajamento da criatividade, encarando-a como uma faculdade importante nos jovens. De forma que o ensino educativo deve estimular o espírito livre e, assim, um didatismo que estimule a importância do auto-didatismo.
— E que ele defende que a qualidade de contextualizar e integrar ideias que a mente humana possui deve ser desenvolvida e não atrofiada.
            — "Em vez de corrigir esses desenvolvimentos, nosso sistema de ensino obedece a eles".



— "A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino".
— “Reformar o pensamento não é uma mudança programática, mas sim paradigmática e altamente necessária para a democracia cognitiva. É um desafio sociológico, cívico e cultural.”
            — Estamos fragmentando ideias de um todo, que é o livro.
—Vou jogar um super brainstorm:
“1-O termo formação, com suas conotações de moldagem e conformação, tem o defeito de ignorar que a missão do didatismo é encorajar o autodidatismo. Os desenvolvimentos disciplinares das ciências não só trouxeram as vantagens da divisão do trabalho, mas também os inconvenientes da superespecialização, do confinamento e despedaçamento do saber. Crítica à escola primária, uma vez que esta isola os objetos, separa as disciplinas e dissocia os problemas. O conhecimento progride não por abstração ou sofisticação, mas pela capacidade de contextualizar e englobar. O conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionando com as informações e inserido no contexto destas. As informações constituem parcelas dispersas do saber.
2- Crítica à ruptura das ciências naturais e humanas, agravada no século XX. Ao passo que as ciências humanas se orientam sob uma ótica mais questionadora, que estimula as reflexões sobre o saber e às próprias questões humanas, é o saber científico "exato" que conquista descobertas e teorias, mas sem que haja um questionamento em torno desse "fazer ciência" e do destino da humanidade.
3- Crítica de Morin ao pensamento de Habermas, quando este atribui às ciências naturais a função de corroborar com uma razão automizada... Talvez aqui que entre a questão da necessidade da união destas duas esferas de saber. O enfraquecimento de uma percepção global leva ao enfraquecimento do senso de responsabilidade, afinal, cada um tende a ser responsável apenas pela sua tarefa especializada, bem como ao enfraquecimento da solidariedade (ninguém mais preserva seu elo orgânico com a cidade e seus concidadãos).
4- Importância da cognição para a própria democracia, porcamente compensada pela vulgarização do aparelho midiático. Um ensino primário que não instiga a curiosidade com a mera instrução. Uma vez um amigo disse "a escola matou minha paixão pelo saber, agora que estou começando a retomar esse sentimento" achei lindo e triste. Revolução nas ciências naturais com as novas teorias – incerteza na física e na biologia – subverter a ordem do mundo, perfeição para dar espaço a um modo de entender a ordem e a desordem. Todo nosso ensino tende para o programa, ao passo que a vida exige estratégia (achei isso massa). Precisamos estar munidos da ideia das incertezas e de racionalidade autocrítica para nos atentarmos aos erros Literatura, Poesia e Cinema devem ser considerados não apenas objetos de análises gramaticais ou semióticas, mas também escolas de vida, em seus múltiplos sentidos. É a escola da descoberta de si (achei isso muito lindo também).”
— Eu tava falando com Cela e achei engraçado ele dividir os desafios em sociológico, cívico e cultural, afinal, pra mim, seria mais metalingüístico e coerente se ele falasse apenas de desafios, unindo os três, e não segregando. Ficou parecendo que ele caiu no didatismo que critica.
— Numa crítica à hiperespecialização, Morin diz que quanto mais desenvolvida a inteligência geral, maior é a capacidade de tratar problemas especiais. Os problemas, mesmo que particulares, só podem ser pensados corretamente se posicionados em seus contextos. Além disso, seus contextos precisam também ser posicionados no contexto planetário.
— Um lance que eu achei muito bom de Morin é que eu senti uma crítica a essa instrumentalização do saber, sabe? Ele deixa de lado essa concepção muito banal do conhecimento que é em situações como "vou estudar pra fazer prova/trabalho" pra jogar na cara da gente que conhecimento não é isso. Achei tão lindo.



— Eu gosto quando ele cita T.S.Eliot pra perguntar: "onde está todo o conhecimento que perdemos na informação?".
— “E onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?”.
— Quando eu leio esse livro eu me lembro do meu vestibular e de alguns professores que tentavam aplicar algumas coisas de Morin na minha vida daí eu fico me reconhecendo em muitas frases e em muitas páginas.
— Fiquei muito assim quando li o trecho que falava dos desafios e que dizia que "o mundo técnico vê na cultura das humanidades apenas um ornamento ou luxo estético" e é engraçado como na prática o científico vê isso dessa forma mesmo... Como uma coisa extra, mas como cultura "inútil"...
— Isso é bem verdade!
— E ao mesmo tempo o "mundo das humanidades vê na ciência apenas um amontoado de saberes abstratos e ameaçadores".
— Tem uma discussão que não lembro se ele aprofunda depois, mas é quando ele diz assim: "Quanto mais técnica torna-se a política, mais regride a competência democrática".
— É, pois é, eu fico vendo isso daí bem na prática quando as áreas do conhecimento se xingam (risos) tipo na faculdade, quem tem conhecimentos gerais geralmente é o pessoal de humanas.
— Mas depois ele explica como a literatura e a filosofia são muito mais importantes do que se imagina.
— E quem deveria suprir essa função, se não for a escola, são os meios de comunicação, mas os meios de comunicação não dão conta disso, aí fica tudo fragmentado.
— Acho massa isso dele enaltecer a filosofia.
— Um óbvio genial: as artes devem se legítimas enquanto formas de entender o mundo e de se entender.
— Importância da literatura e do cinema.
— Gente, eu me lembrei do livro que a professora Nina (Velasco) mandou a gente ler, "O Tempo Passado" que a gente vive através dessas obras, porque nós temos um potencial e é através da arte que a gente se enxerga e enxerga as possibilidades
— Ele fala que a filosofia é, hoje, retraída, quase fechada em si mesma e que deve voltar à "missão" de antes. Diz que os professores de filosofia devem estender esse poder de reflexão dela pros conhecimentos científicos, pra literatura, pra poesia, etc.
— O objetivo da educação não é o de transmitir conhecimentos sempre mais numerosos ao aluno (e parece que é, né?!) mas o "de criar nele um estado interior profundo, uma espécie de polaridade de espírito que o oriente em um sentido definido, não apenas durante a infância, mas por toda vida".
— Eu mudei de opinião sobre Morin se contradizer quando divide os três desafios, e não acho que ele tá usando um didatismo que ele mesmo critica. Porque ele precisa usar algum didatismo pra explicar as ideias dele, mas em nenhum momento ele tá diluindo o universal e o global pra facilitar o entendimento. Ele facilita o entendimento com o jeito que ele explica o livro, mas ele não isola os conhecimentos, ele consegue ligar bem as ideias O que ele faz no livro é organizar como uma "cabeça bem-feita", pra dar sentido, ao invés de acumular o saber de qualquer jeito.
— Eu acho válido porque ele tem que se expressar e no mundo que a gente vive a forma de passar o saber é essa. Mas pra mim ele dividir os desafios foi uma compartimentalização desnecessária.
— Eu sei, eu só achei ato falho. Mostra que por mais que ele tente criar essa ideia de cabeça bem-feita, ele não se desliga completamente, nem tão parcialmente, de como as coisas são hoje.
— Outra coisa que eu anotei: a curiosidade é extinta pela instrução. Eu acho tão lindo o pensamento das crianças, elas conseguem fazer o que é natural muito mais do que a gente.
— Essa coisa de dividir os 3 desafios, concordo com Moema. Ele dividiu, mas não parou nunca de integrá-los e ainda no final ele fala do "desafio dos desafios", meio que sintetizando os 3.
— A frase que sintetiza mais o desafio cívico, por exemplo, é "a necessidade de uma democracia cognitiva" e isso ele fala também nos outros 2.
— E acho ainda que ele não reclama das coisas do jeito que estão hoje nesse sentido de que é pra parar com o didatismo. O didatismo precisa existir pra ensinar as coisas, ele só é ruim quando fragmenta coisas e desconecta ideias e pensamentos e quando não incita o auto-didatismo.
— Ó, sobre a ecologia, a ciência da Terra e a Cosmologia: essas ciências organizam um saber anteriormente disperso e compartimentado. Ressuscitam o mundo, a Terra, a natureza e, de uma nova maneira, despertam questões fundamentais: o que é o mundo, o que é a nossa Terra, de onde viemos? Elas nos permitem inserir e situar a condição humana no cosmo, na Terra, na vida.
— Então o estudo da condição humana não depende só das ciências humanas. A pesquisa sobre o cosmo e a natureza responde um pouco isso também... (cap. 3). Depois ele começa a falar sobre as partes e o todo (que eu achei o tema mais legal do livro inteiro): estamos em um planeta minúsculo, satélite de um Sol de subúrbio, astro pigmeu. Assim como a vida terrestre é extremamente marginal no cosmo, somos marginais na vida. O homem surgiu marginalmente no mundo animal e o seu desenvolvimento marginalizou-o ainda mais.
— Trazemos dentro de nós o mundo físico, o mundo químico, o mundo vivo e, ao mesmo tempo, deles estamos separados por nosso pensamento, nossa consciência, nossa cultura. Assim, Cosmologia, ciências da Terra, Biologia e Ecologia permitem situar a dupla condição humana: natural e meta-natural.
— Ah, isso é massa demais.
— Muito massa isso: nós somos uma ramificação da ramificação de uma evolução dos vertebrados, dos mamíferos, dos primatas, portadores em nós das herdeiras, filhas, irmãs das primeiras células vivas. Pelo nascimento, participamos da aventura biológica; pela morte, participamos da tragédia cósmica. O ser mais corriqueiro, o destino mais banal participa dessa tragédia e dessa aventura.
— É LINDO!!!!!.
— Quando eu li essa parte mandei fazer uma camiseta e tatuei nas minhas costas já
— Sério,esse livro é fodástico demais... Me fez ficar pensando por um tempão.

Quando foi 68?: As contribuições de Sartre e Beauvoir para a cultura ocidental

por Thiago Moreira
Graduando em Comunicação Social/Jornalismo

Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir
Que o ano de 1968 é considerado um dos mais influentes para a cultura ocidental mundial, disso não há dúvida. A efervescência daquela época, aliada às constantes modificações culturais no cinema, na música, na literatura, e na filosofia, serviu de alicerce primordial para os diversos movimentos sociais realizados naquele ano. A luta pelos diretos civis dos negros, a explosão do movimento de cunho feminista, influenciado pelas ideias da francesa Simone de Beauvoir; manifestações ecológicas e as lutas para emancipação do domínio colonial em diversos países; o surgimento do movimento “hippie” e do “flower power”, como respostas à repressão e aos conflitos armados que aconteciam na época, como a guerra do Vietnã. É certo que Paris viveu todo o ápice dessa efervescência, e que a filosofia teve um papel fundamental na organização e na condução destes movimentos. Como a própria Simone de Beauvoir, que influenciou fortemente os movimentos feministas ocorridos na capital francesa. Mas também não se pode menosprezar as outras manifestações ocorridas ao redor do mundo, que também tiveram grande importância para a história contemporânea mundial, como o próprio movimento “hippie”.

Assim como o cinema, a música e a literatura, a filosofia também exerceu papel fundamental para o degringolar de diversos movimentos de cunho social espalhados pelo mundo, em especial na França, o ápice de todo este “fervor”. Tendo como principais expoentes o filósofo existencialista Jean-Paul Charles Aymard Sartre, e sua companheira Simone de Beauvoir, assumidamente feminista, a filosofia no século XX seria radicalmente transformada a partir dos seus preceitos e obras.

"Crítica da Razão Dialética", de Jean-Paul Sartre.
É notório o teor político nas obras publicadas por Sartre. Aliando seus preceitos a sua visão política do cenário em que se encontrava, Sartre pode ser definido como o melhor exemplo que chamamos de o intelectual engajado. Obras como os cultuados “O ser e o nada” e “A crítica da razão dialética”, publicados na década de 1960, mostram, por exemplo, a defesa ferrenha do francês dos valores humanos presentes na corrente marxista, apresentando uma versão alterada do existencialismo, que ele julgava ser um agente apaziguador, resolvendo as aparentes contradições entre os dois movimentos filosóficos. Podemos afirmar que o conceito de liberdade para Sartre - o filósofo defendia que o ser humano é livre responsável por tudo aquilo que está à sua volta - pode ser considerado um importante catalisador para a geração de tantos movimentos de cunho social espalhados pelo território francês, como o movimento estudantil na já citada década de 1960. Segundo o próprio Sartre, as nossas escolhas são direcionadas por tudo aquilo que nos aparenta ser o bem, especificamente falando, por um envolvimento naquilo que acreditamos ser uma causa nobre, e assim adquirindo a consciência de nós mesmos. Em outras palavras, pensar a problemática da liberdade implica em refletir sobre a própria condição humana de um ser que vive em comunidade, pois isto transpassa a própria fundamentação do coletivo, uma vez que o conceito de coletividade implica em homens compartilhando o mesmo espaço, das mesmas crenças, afazeres e, possivelmente, os mesmos objetivos de vida (DANELON, 2002).

Ainda segundo DANELON (2002), o pensamento existencialista de Sartre não somente ficou preso ao cenário europeu, vindo a exercer grande influência em terras brasileiras. O movimento Tropicalista absorveu muito da corrente existencialista, bem como os ideais de engajamento político, liberdade, dentre outros. Paralelamente, várias peças de autoria do filósofo francês foram montadas e encenadas aqui no Brasil.

Embora a literatura de Sartre tenha obtido grande destaque entre os artistas brasileiros, não se pode afirmar o mesmo de sua filosofia existencialista. A filosofia acabou por se tornar mais conhecida pelas suas frases de efeito (“o inferno são os outros”), do que a leitura e pesquisa rigorosa de suas obras. Este é um fato que corrobora, por exemplo, o fato de duas das principais obras do filósofo, “O Ser e o Nada” e “Crítica da Razão Dialética” não serem tão conhecidas e difundadas aqui no Brasil (o texto de “O Ser e o Nada”, por exemplo, só veio ser traduzido e publicado em terras brasileiras no ano de 1997, enquanto que na França, o texto original data de 1943). Tal demora pode ser apontada como um dos principais fatores na formação de pesquisadores e possíveis divulgadores do pensamento sartreano. Isto nos leva a dizer que o fascínio exercido pelo texto de Sartre se deve mais pelo que é dito e explanado pelos pesquisadores, do que uma leitura rigorosa e detalhada de suas obras.

"O Segundo Sexo", de Simone de Beauvoir.
Seguindo uma linha de pensamento análoga, a francesa Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir também adotou e moldou os preceitos de liberdade do ser humano em seus trabalhos, porém abordando uma problemática diferente: a opressão à mulher, e a supressão de seus principais direitos. Quantos de vocês, em determinado momento da sua vida não se deparou com uma fotografia representando um dos diversos movimentos de cunho feminista ao redor do mundo? Acredito que a mais célebre delas é a queima de diversos sutiãs em plena praça pública. Muitos estudiosos afirmam que a obra de Beauvoir - em especial a obra “O Segundo Sexo” (1949), que se trata de uma profunda análise sobre o papel feminino na sociedade contemporânea - teve contribuição significativa para diversos movimentos e manifestações de cunho feminista ao redor do mundo.

Assim como Jean-Paul Sartre, Beauvoir também partilhou da filosofia existencialista, aceitando o preceito de seu companheiro que “a existência precede a essência”, sendo assim, “não se nasce uma mulher, mas sim se torna uma”. Tal análise é concentrada na construção social da mulher como “o outro”, identificado pela francesa como um item fundamental para a opressão da mulher. Beauvoir argumentava que “as mulheres teriam sido consideradas, ao longo da história, como anormais e transviadas, e sustenta que até mesmo Mary Wollstonecraft (escritora britânica) considerava os homens como o ideal ao qual as mulheres deviam aspirar, para o feminismo seguir adiante, segundo ela, esta atitude deveria ser abandonada.

Muito do que Beauvoir pregou nas suas obras acabou sendo absorvido pelo movimento feminista. Por sua vez, movimentos desta natureza se relacionam com diversos outros movimentos sociais, na medida em que as questões ligadas à condição da mulher acabam por se interligar tanto com questões de opressão, como questões de classe, raça e preferência sexual. Em diversas épocas, esse tipo de abertura é inexistente, principalmente por existir uma necessidade de auto-afirmação das mulheres enquanto grupo organizado e portador de autonomia. Porém, com as gerações seguintes, novas condições são impostas aos movimentos sociais, o que tende a abrir novas possibilidades de organização e solidariedade entre os movimentos de diferentes objetivos. Sobreposições de opressões como, por exemplo, a mulher negra, a mulher lésbica e a mulher pobre incentivam não só as frentes específicas dentro do feminismo, mas também o coloca ao lado de outros movimentos que se colocam igualmente contra qualquer outro tipo de discriminação.

Um detalhe interessante observado por GALSTER (2003) mostra que o movimento feminista na França, baseado nos preceitos da obra “O Segundo Sexo” continua forte, gerando diversos debates e colóquios, sejam eles de natureza científica ou política.

BIBLIOGRAFIA


BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. São Paulo: Nova Fronteira, 2009.

DANELON, Márcio. O conceito sartreano de liberdade: implicações éticas. Revista Urutágua, Maringá, v.1, n. 4, 2002. Disponível em <http://www.urutagua.uem.br//04fil_danelon.htm>. Acesso em 03 ago. 2012;

GALSTER, Ingrid. Cinquenta anos depois de O segundo sexo, a quantas anda o feminismo na França?: uma entrevista com Michelle Perrot. Rev. Estud. Fem.,  Florianópolis,  v. 11,  n. 2, Dec.  2003. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2003000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em  06  ago.  2012.

A disseminação da música brega nas classes altas


Marina Barbosa

Como qualquer manifestação cultural, a música representa práticas e elementos do grupo em que se insere. Por isso, é comum que pessoas sintam-se próximas ao compartilhar gostos musicais semelhantes. Mais que isso, quando criada e cultivada numa determinada região, certa expressão musical pode servir até como um elemento representativo de tal local. Fenômeno que pode ser exemplificado pela associação praticamente imediata feita entre o forró e a região Nordeste.

No ensaio ‘A Reinvenção Musical do Nordeste’, Trotta analisa o processo de construção identitária do Nordeste através da música. O pesquisador afirma que “o pertencimento a determinada comunidade imaginária tem relação direta com o cultivo de sentimentos de identificação criados a partir de alguns elementos, crenças, práticas e saberes. Musicalmente, esse sentimento comum se manifesta em fragmentos sonoros, repertórios compartilhados e narrativas musicais que ajudam a construir uma paisagem sonoro-musical que apela a um sentido único de pertencimento ao bairro, à cidade, à região, à nação”.

O pesquisador chega, então, à conclusão de que, apesar da diversidade musical da região, ninguém conseguiu criar uma identidade mais forte que Luiz Gonzaga e sua sanfona. Ele explica que o forró pé de serra, até hoje, representa a região Nordeste dentro e fora dela. Contudo, mostra que, com o passar do tempo, o ritmo sofreu mudanças e o chamado forró eletrônico tem conquistado cada vez mais adeptos. Dessa forma, essa nova faceta da música nordestina está sendo elevada ao patamar de manifestação cultural capaz de gerar reconhecimento entre a população jovem da região.

Trotta explica que essa mutação da identidade musical nordestina acontece porque o forró de Gonzaga representa uma região majoritariamente sertaneja, cujos integrantes sofrem com a seca e cultivam mentalidades duras. Como essa não é mais a realidade da região, que dispõe de grandes centros urbanos e estilo de vida cada vez mais moderno, a juventude precisou desenvolver uma nova expressão musical para que pudesse se reconhecer nela. “Na música, o surgimento de cenas culturais que decididamente ignoravam as representações agrárias e sertanejas em suas elaborações estéticas começa um longo processo, ainda em curso, de modificação deste imaginário”, explica Trotta. Assim, “o público jovem, através da música, está encontrando caminhos próprios para traçar seu mapa identitário, se afastando de determinados modelos que não lhes parecem mais pertinentes ou adequados”.

Dessa forma, o forró eletrônico surgiu e ganhou espaço entre os jovens nordestinos, através de shows que caracterizam o ritmo e sua atmosfera de sensualidade e representam o estilo de vida dessa parcela da população. Hoje, a força do forró eletrônico é inegável e bandas como Garota Safada e Aviões do Forró desfrutam de cada vez mais repercussão. Nessa linha de raciocínio, que analisa a mudança e o crescimento de expressões musicais capazes de representar determinado grupo social, outro ritmo entra em cena no Nordeste, o brega.

Depois da explosão do forró eletrônico, o brega foi o ritmo que teve maior difusão entre a sociedade. Surgido nas comunidades suburbanas, o brega saiu do seu círculo original e tornou-se popular também nas classes média e alta nos últimos anos. Hoje, músicas bregas fazem parte do repertório ou do inconsciente de grande parte da população de cidades como Recife e Maceió. Um dos fatores responsáveis por esse popularização foi a internet, já que na rede há espaço para todos mostrarem seu trabalho. Assim, com vídeos simples postados no youtube, muitas bandas de comunidades pobres tornaram-se conhecidas, o que contribuiu para o fortalecimento da música brega.

No entanto, é importante ressaltar que, apesar de cada vez mais aceita socialmente, a música brega continua representando apenas as classes menos favorecidas economicamente. Conhecer e cantarolar tais músicas não faz com que os integrantes das classes média e alta se reconheçam nessa expressão musical, já que o estilo de vida e modo de se vestir dos cantores de brega é muito diferente dos seus novos ouvintes. Dessa forma, apesar de cada vez mais popular, o brega não é uma expressão musical que cria um sentimento de reconhecimento entre a população nordestina.

Na Campus Party Recife, Fernando Fontanella ministrou uma palestra sobre a viralização do brega e deu declarações que aprofundam ainda mais essa questão da popularização do ritmo sem o necessário reconhecimento identitário. O publicitário disse que “muitos vídeos de brega ficaram famosos na internet porque causaram uma reação de surpresa ou estranhamento em parte do público”. Com isso, o publicitário quer dizer que muitas pessoas assistem e compartilham vídeos de brega porque querem saber do que se trata, ou até para rir de seu conteúdo. Ou seja, a popularização da música brega entre as classes média e alta não significa necessariamente que esse público gosta dessa manifestação cultural, porque muitos compartilham tais músicas de forma jocosa. “A diversidade causa discussão e compartilhamento. Por isso, muitas pessoas de fora do círculo inicial do brega divulgam seus vídeos apenas por diversão ou curiosidade”, comentou Fontanella.

A popularização do brega à custas de brincadeiras desrespeitosas é tão verdade que já existem até festas em que os ouvintes de brega da classe alta se ‘fantasiam’ no estilo brega. Ou seja, são festas em que as pessoas usam roupas diferentes das usuais para representar a classe produtora da música brega, como acontece no bloco de carnaval I Love Cafusú.

Dessa forma, o brega levou a música das comunidades suburbanas à cultura de consumo da população. Contudo, essa difusão nem sempre aconteceu de forma digna, já que muitas vezes a música brega torna-se conhecida devido a brincadeiras jocosas por parte do público das classes altas. Porém, é preciso lembrar que essa relação não pode ser generalizada, pois muitas pessoas conheceram e se aproximaram da música brega sem necessariamente aderir ao estilo de seus músicos. Assim, essa expressão musical ganha cada vez mais espaço fora do seu círculo original, mesmo sem criar laços identitários fortes. Como qualquer manifestação cultural, a música brega pode aproximar pessoas com gostos semelhantes, mas não se pode esquecer que a realidade de vida dos integrantes das bandas de brega é bem distinta dos seus ouvintes das classes altas.

A figura do nordestino no Movimento Armorial


                                                                       Por Gabriella Autran e Pethrus Tiburcio
                                                                      Graduandos em Comunicação Social/ Jornalismo - UFPE

Arte popular pautada na arte erudita, essa foi a principal intenção de Ariano Suassuna ao propor e instaurar o chamado Movimento Armorial. Artes plásticas, literatura e música meticulosamente unidas a fim de que se desse o real valor às belezas e aos encantos nordestinos. Os cordéis foram amplamente utilizados como fontes de “espírito brasileiro”. “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”, a frase imortalizada por Euclides da Cunha se faz presente nos ideários do Armorial, ao passo que o sertanejo é representado desta forma.

O Armorial constituiu um importante avanço no que diz respeito à representação do nordestino na arte. O sertanejo, antes apenas o sofredor passivo da seca, representado nos romances de 30, é visto como agente, o sertanejo é, antes de tudo, um fazedor de arte, seja através da literatura de cordel, seja através da sua música de viola, rabeca e pífano. Mais do que as raízes da cultura popular, o homem popular é ressaltado e visto nas suas mais variadas nuances.

Os mitos e tradições nordestinas são representados no Armorial sob um novo prisma. Tudo tem importância, desde o teatro de bonecos, “mamulengos”, até as encenações feitas ao ar livre com roupagens principescas feitas de farrapos. O universo nordestino é repaginado e ganha uma roupagem erudita.

No teatro, Ariano conseguiu perpetuar fortemente a imagem do nordestino e dos seus valores, muitas vezes provincianos, mas retratados de forma verdadeira. Personagens que retratam bem o ideário nordestino foram criados por Ariano, a exemplo de Chicó, João Grilo e Euricão, que, ao passo que visam à representação do homem nordestino, acabam atingindo a universalidade da natureza humana.