quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Quando foi 68?


Os Jogos Olímpicos da Cidade do México


Por João Vitor Pascoal


A ebulição política e cultural que o mundo vivia em 1968 não deixou de envolver os Jogos Olímpicos da Cidade do México.   No país, há dez dias do início dos jogos, ocorreu o que ficou conhecido como  o “ Massacre de Tlateloco”. Tanques, metralhadoras e atiradores de elite cercaram a Praça das Três Culturas, em Tlatelolco, e abriram fogo contra a multidão, em sua maioria composta por estudantes, que discordavam da realização da Olímpíadas durante o momento conturbado vivido pelo México.  O resultado foi mais de 300 pessoas covardemente assassinadas, alguns falam em mais de mil mortos, centenas foram espancados e foi imposto o terror contra os que ousavam protestar em meio aos Jogos Olímpicos.




Mesmo assim, os Jogos Olímpicos aconteceram, e são lembrados pela que talvez é a imagem mais famosa da história das Olimpíadas. No pódio dos 200 metros rasos, os corredores norte-americanos Tommie Smith, vencedor da prova, e John Carlos, terceiro colocado, ergueram um dos braços com o punho fechado e a mão coberta por uma luva negra, posição da saudação “Black power”, do Partido Revolucionário Negro dos EUA, os Panteras Negras.





 Os Black Panthers eram uma organização política e social dos EUA, que lutava contra a discriminação com os negros. O movimento durou cerca de 10 anos e conseguiu chamar a atenção mundial, especialmente depois do evento de 1968.  Os dois corredores, tomaram para si a tarefa de expressar a luta anti-racista para os milhões que assistiam aos jogos mundo afora.  Enquanto Smith e Carlos baixaram suas cabeças e, ao invés de cantarem o hino de seu país, ergueram solenemente seus punhos ao ar, cobertos por luvas negras, demonstraram para o mundo que estavam ali representando algo muito maior que o seu país, estavam lutando por seus direitos.





A ousadia (qualificada como "uma violenta quebra do espírito olímpico...") foi punida com a expulsão dos dois dos Jogos e deportação imediata para os EUA, seu quase banimento do mundo esportivo e por um verdadeiro massacre promovido pela imprensa. 

Para a "infelicidade" dos conservadores e racistas, o “estrago” já havia sido feito. O gesto de Smith e Carlos ganhou a simpatia de explorados e oprimidos mundo afora. E por toda parte, jovens negros ergueram orgulhosamente seus punhos, desafiando o racismo em seus próprios países, internacionalizando ainda mais o movimento "Black Power”. O movimento obteve um grande número de adeptos sua e não só arrancou conquistas imediatas, como também, deixou marcas permanentes, seguindo vivo ainda hoje na mentalidade de milhões de negros e negras que lutam contra a discriminação.

A moda e os movimentos sociais




Por Thaís Lima

Uma revolução é algo que provoca uma mudança, seja de modo progressivo, contínuo, seja de maneira repentina. Os anos 60 foram, de fato, revolucionários para a moda. Em 68 as minissaias (de Mary Quant) e as calças compridas com terninho (de Yves Saint Laurent) vestiam as mulheres que viviam a chamada revolução feminina.

A moda ganha um engajamento sócio-político depois do período pós-guerra e se permite ser livre e democrática. As mudanças, que tomaram principalmente a juventude, eram comportamentais, éticas, sociais e até sexuais. Os estudantes lutavam contra o regime ditatorial e pediam por melhorias na educação, além da busca pela liberação sexual e pela igualdade dos direitos civis.
 O abandono do que vinha sendo propagado no pós-guerra, como as influências da alta costura dos anos 50, de estilistas como Dior e Balenciaga dava lugar a uma moda unissex e democrática. Foi nesse período que surgiu o Prêt-à-porter, que é a moda das lojas de departamento que nós conhecemos hoje, como C&A, Renner e Riachuelo. O Prêt-à-porter era a moda feita para consumo em larga escala, o que, mais tarde, influenciaria na criação de outro fenômeno da moda, o Fast Fashion, que é a moda para ser consumida logo, com coleções breves e limitadas.
 O termo "moda revolucionária" não existe ainda, mas existem personagens marcantes  que revolucionaram a moda com ideias libertárias como é o exemplo da já citada Mary Quant, criadora da minissaia, do francês Christian Dior,que com seus traços e sua visão do corpo feminino causou fascínio e delírio entre as mulheres com suas produções,  e da endeusada estilista francesa Coco Chanel. Estes estilistas, mas também muitos outros (não restringindo o mundo da moda apenas à países europeus) em épocas diferentes, deixaram seus nomes marcados na história da  indumentária feminina como forma de afirmação.









A Música como Identidade


                                                                                                  Por Maria Eduarda Tavares e Maria Eduarda Melo


As artes representam o que se passa na sociedade, as descobertas, o cotidiano, os costumes, as crenças e os hábitos de um povo ou região. Os artistas deixam transparecer em suas obras todo o sentimento de uma sociedade e como a linguagem da arte é universal, esse sentimento pode ser compreendido pelos mais distintos povos e mais diferentes gerações. Exemplo de tal poder da arte são as obras que ainda vemos da época dos gregos, persas e romanos. Tem sido assim desde o começo dos tempos, as esculturas e pinturas, a literatura e a dança demonstravam e eternizavam a realidade social de uma época e uma região. Devido a esta forte característica da arte, é possível que os povos e os países sejam reconhecidos pela sua arte, seja por um tipo de dança específica ou música. Do mesmo modo ocorre a diferenciação de regiões dentro de um país que, no caso do Brasil, um país muito grande em extensão, possui uma cultura bastante diversificada. Cada região possui características únicas que podem ser diferenciadas de acordo com as danças e músicas de cada uma delas.  Felipe Trotta escreveu sobre a impossibilidade de um ritmo só representar um pedaço de uma terra que tem suas peculiaridades características. 

O nordeste brasileiro teve como representante durante um tempo a música de Luiz Gonzaga, ritmo que representava a seca, a vida do vaqueiro, do cidadão nordestino que morava no interior e que não possuía uma convivência com a cidade grande. Gonzaga é considerado até os dias de hoje um símbolo da cultura nordestina pois assumia a "nordestinidade" e se deixava representar pela sua sanfona e sua maneira de vesti-se. Apesar disto, Trotta levanta um questionamento em relação a essa representação. Ele se pergunta se Gonzaga e sua sanfona são ideais para representar o nordeste, quando só o estado de Pernambuco possui outras manifestações culturais muito fortes que também o representam, tais como o frevo e o maguebeat. A música de Gonzaga era bastante divulgada no sul, trazendo uma imagem não muito verdadeira com a real situação do nordeste para o resto da população brasileira. Com o passar do tempo, a realidade do nordeste foi mudando e o processo de representação do nordeste através da musica também sofreu mudanças.
Luiz Gonzaga


Nos anos 90, a música brasileira passou a sofrer muitas influências do pop internacional e começa a ser dada uma maior importância ao aspecto do entretenimento presente nas apresentações musicais. Grandes ícones da música internacional como Madona e Michael Jackson são citados por Trotta como principais artistas a disseminar esta nova maneira de fazer música. No Brasil, surgem novos estilos musicais que aparecem para entreter o público nas diversas regiões do país. A música sertaneja sofre influência da música country americana, o samba é acrescentado de novos instrumentos fazendo surgir o pagode, e a música baiana é revolucionada com o axé music. Todos esses novos ritmos, apesar de muito diferentes entre si, possuem características bem semelhantes: músicas altamente populares, disseminadas em peso pela mídia brasileira para todo o país e com o objetivo único de entreter. No nordeste este processo também ocorreu. 

No Ceará surgiram as primeiras bandas do chamado forró eletrônico que agregavam o caráter do entretenimento, já presente no Brasil, com o universo dos jovens. As músicas narram assuntos presentes na vida do público jovem e sempre são apresentadas em grandes palcos com luzes, dançarinos e com grande apresentação. Trotta aponta o gênero do forró eletrônico como uma visão alternativa da representação do Nordeste, uma reinvenção musical da própria região e afirma:
  “O Nordeste do Forro Eletrônico se afasta do chapéu de coro e da zabumba para interagir com o baixo elétrico, com os holofotes midiáticos do grande show e com o universo simbólico e imagético das dançarinas do Faustão, por exemplo”.

domingo, 7 de outubro de 2012

 


Quando foi 68? E a voz ativa do jornalismo alternativo

                                               por José Daniel Ferreira Fulgêncio

Estudante de Graduação do 3.º semestre do Curso de Jornalismo da UFPE – Universidade Federal de Pernambuco. Trabalho apresentado à disciplina Psicologia da Comunicação, sob orientação da Professora Patrícia Horta.

Quando foi 68?

         O livro é constituído por quatro artigos de autores diferentes. O primeiro: 1968: Imagens da Utopia, de Angela Pryston; o segundo, Desentranhando Futuros, de Suely Rolnik; o terceiro: Quando foi 68?, de Moacir dos Anjos e o último também intitulado Quando foi 68? De Edgard Navarro.

O livro se atém ao ano de 1968, especificamente ao mês de maio, retratando os fatos daquele ano e seus eventos múltiplos. O pensamento em 68 é importante não só por sua particularidade, mas pelas consequências na contemporaneidade, pelo grande legado cultural, pela atitude revolucionária com o uso da palavra, construindo uma nova forma de pensamento. O ano de 1968 é tratado como uma personificação do instinto revolucionário, de maneira que anos anteriores tinham esse instinto latente, e este instinto permaneceu posteriormente ao ano referido.

1968: imagens da utopia; Angela Pryston

O primeiro artigo aborda o cinema para exemplificar o quanto a política influenciava nas artes, e essas produções artísticas se voltavam aos países do “terceiro mundo”, que representavam a força libertária diante da dominação de outros países. Ao dar mais destaque para esse “terceiro mundo”, inclusive com a Europa retratando em sua arte, o mundo viu uma forma alternativa de arte, as revoluções mostraram o quanto esses países do “terceiro mundo” eram influenciados e influenciaram o mundo.

Uma forma de divulgação foi o chamado “terceiro cinema”, cujos temas eram a opressão, a pobreza e a violência nas metrópoles. Esse modo de fazer cinema criou relações estilísticas com outros movimentos como o neo-realismo italiano e a nouvelle vague francesa, aliando em sua produção a simplicidade e as ideias revolucionárias profundas. As técnicas se contrapunham às produções de Hollywood, negando o cosmopolitismo tradicional de um Centro e outros povos subservientes, assim os oprimidos são colocados no Centro, numa nova proposta política e social.

A década de 80 marcou um arrefecimento com os ideais de 1968, com os estudos teóricos a respeito de 68 e questionamentos de sua validade; aliado a isso, o segundo mundo ruiu, e os países sucumbiram às grandes potências, marcando a queda do desencanto com 1968.

Os anos 90 marcaram uma nova reflexão a respeito da década de 60, e com o complemento de novos estudos filosóficos e sociológicos, houve interesse no agora World Cinema, com filmes produzidos no Brasil, México, Argentina, Hong Kong, que embora não tivessem a mesma temática, tinham uma nova roupagem do “terceiro cinema”.

Desentranhando futuros; Suely Rolnik

         O artigo se propõe a analisar a crítica da arte de 1960 e 70, num tempo cujos artistas produziam de acordo com um “sistema de arte”, como se amarras limitassem a criação.  Por isso a problematização e reflexões da arte neste período eram com intuito de transpor as limitações, buscando uma arte com vitalidade, que ativasse a subjetividade.

         O Brasil, como os demais países da América Latina, estava sob a ditadura, e os textos artísticos tentavam se desviar das restrições impostas. A autora do artigo destaca que por se encontrarem num período turbulento, os artistas eram vítimas de uma atmosfera de opressão, mas não apenas a visível, havia também um pavor subjetivo, que pensava nas ameaças e toda a experiência de temor que podia viver se subvertesse a ordem.

         A alternativa fundamental encontrada pelos artistas foi encarar o terror, incorporando a questão política em suas produções. Nos Estados Unidos e na Europa também houve protestos, de acordo com suas particularidades, na forma de denúncia contra as guerras. Na América Latina, foi encarada em sua obra artística a opressão vivida, e a reação artística agia como uma forma de sobrevivência.

         Essa criação artística foi resultante da tensão micro e macro política. A ação macro política estava nas relações conflituosas da distribuição de lugares na sociedade, de dominantes e dominados; a ação micro política estava na tensão da estabilidade da classe dominante e a realidade de mudança do dominados, com crises de subjetividade. Os que se encontravam nessa tensão, podiam ativar sua potência de invenção artística.

         A figura clássica do artista estava associada à micro política, e a do militante à macro política. A produção artística da América Latina de 1960/70 conciliou esses dois tipos. A história “oficial” não considera essa arte como conceitual, talvez porque não foi contada por autores dos Estados Unidos e Europa, considerando essa arte como “ideológica” ou “política”.

         A tensão dos dias presentes se refere ao que é produzido e veiculado pela mídia, atendendo às demandas do mercado; nessa nova forma de opressão, o discurso artístico intervém na política, havendo uma reciprocidade entre artistas e ativistas na vida social, a qual sofre o uso perverso das imagens e da expressão pelos grupos dominantes.

         Há na contemporaneidade uma discussão internacional em volta de uma aliança poética e política, embora esse fato tenha se dado nas produções latino-americanas da década de 60; porém, a forma como essa produção era estigmatizada, causou uma experiência traumática nos latinos. No entanto, a redescoberta dessa produção deixa inúmeros questionamentos para debate, mas é difícil desfazer a história que foi contada pelos EUA e países da Europa Ocidental, só que se essa ação for feita em benefício de arrefecer os “traumas” da criatividade latino-americana que foi subjugada, é valida e premente esta ação.

Quando foi 68?; Moacir dos Anjos

         O terceiro artigo trata o ano de 68 com uma extensão maior que de um ano cronológico, devido a sua intensidade; um ano que seus processos vinham acontecendo anteriormente e persistindo tempos depois. Este ano levantou questionamentos a respeito de padrões humanos que perduravam.

         Essas mudanças são resultado de aceleradas transformações que foram impulsionadas pelo momento histórico vivido, com reivindicações e busca por novos direitos e liberdades. Os eventos em prol da mudança ocorreram em diversos lugares do mundo, a razão para essa simultaneidade em lugares diferentes é variada: ou pelos estudantes se tornarem mais ativos social e politicamente, ou o acesso aos meios de comunicação, mas não há uma razão precisa desse sincronismo entre os países.

         O autor do artigo faz menção à mostra da Fundação Joaquim Nabuco, que expõe as produções daquele período. A exposição mostra a relação da arte com a realidade, e como a arte se sobressaiu ao período de restrição da liberdade para criar seus elementos artísticos.

         Essa criação artística, vivida na diversidade, fez surgir uma nova forma de produção, numa relação interativa entre os artistas e espectadores, com artistas propondo as questões para debate, e os espectadores ativando essas práticas sob suas particularidades.

Quando foi 68?; Edgard Navarro

         O autor fala do ano de 68 como um ano diferenciado, que perdura. Antes descreve o que o motiva a considerar aquele ano com destaque, faz uma digressão para falar de si, da sua vida, seus sentimentos, seus costumes, os tabus vividos, todo o contexto da sua geração.

         Nesse período de conflito, o autor conta sua experiência de contato com uma novidade, a proposta pacífica do movimento hippie em meio a um tempo de guerra, uma proposta de revolução mediante a paz e flores.

         Um dos fatores que o autor atribui a essa ideia coletiva de revolução é a propagação dos meios de comunicação de massa, articulando pessoas; aliada a essa novidade, o desejo de mudança e transformação que gerações anteriores ansiavam.

         Ao falar de sua vida, o autor aprofunda suas experiências, suas angústias, seus atos; chama atenção seu relato de quando entrou para o teatro, ao dizer que suas crises existenciais eram tão grandes, que encontrou soluções de seus problemas na interpretação de outras vidas; por essas afirmações é possível mensurar o nível de angústia vivido. Em seguida, há uma descrição de todas as influências sofridas pelo autor, as mais variadas leituras e filosofias, menção de sua vivência em intensidade, e em meio a toda essa turbulência de sensações de uma vida desenfreada, ele ressalta a realidade vivida de ter que trabalhar numa repartição pública para garantir seu sustento. Essas influências atestam que era uma incessante busca para o autor se encontrar nas fronteiras de suas incertezas e angústias.

         Ainda no relato de suas experiências, o autor fala de ter protagonizado um streep tease, e dá toda uma fundamentação para seu ato, indo além da explicação do óbvio; ele fala que essa atitude era mais que uma exposição, era um acinte contra o racionalismo, e mais que isso, também era uma resposta ao jeito oficial que se fazia cinema na época.

         Por fim, o autor traz ao debate a validade de sua atitude, sua forma de fazer arte, e diferencia a arte associada a um talento do que foi a arte na sua vida, a saber: uma salvação; pois foi por essa arte “salvadora” que o autor transpôs suas angústias.


Versus

Omar L. de Barros Filho, um dos editores do Versus fala de sua experiência com esse jornalismo alternativo. O Versus surgiu da mente de Marcos Faerman, para quem Omar diz ter aprendido com ele, um dos mais destacados repórteres e editores brasileiros de todos os tempos.

Segundo Omar Filho, Faerman costumava dizer que Versus nascera sob o signo da tristeza, provocada pela morte do jornalista Vladimir Herzog nos porões da ditadura, fato que horrorizou o país em outubro de 1975. O drama de Herzog na prisão coincidiu com a impressão da primeira edição do jornal, em torno de 12 mil exemplares, formato tabloide, com 52 páginas, distribuído precariamente de mão em mão, em bancas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e outras poucas cidades, e financiado, em parte, por um salário anual extra de Faerman. Versus calou fundo na sensibilidade dos leitores, e iria mais longe do que o esperado.

Aos poucos, o grupo inicial de colaboradores ampliou-se, com a adesão voluntária de jornalistas, escritores, poetas, professores, cineastas, sociólogos, ilustradores, chargistas, além dos próprios leitores, que enviavam suas colaborações do Brasil e do exterior. Omar Filho relata que na redação costumava-se dizer que o carteiro era o melhor repórter, porque trazia as matérias de que necessitavam para fechar cada edição, e que completavam a pauta dia-a-dia. Sempre carente de recursos, ainda assim resistiu durante quatro anos às pressões e limites estreitos estabelecidos pelo regime militar.

Versus foi também porto seguro para “desgarrados” latino-americanos e brasileiros, refugiados políticos, e outros discriminados pela sorte. Omar Filho usa a expressão “Cruz Vermelha” ao se referir à redação, pelo fato de ela receber não só fugitivos estrangeiros em busca de asilo, trabalho e documentos, como também dava guarida a qualquer brasileiro com talento atrás de um espaço em uma folha de jornal para registrar suas ideias, crenças ou experiências. Muitos iniciaram em Versus o ofício de escrever, reportar ou desenhar. O editor afirma que era um local de poucas regras, mas sempre aberto, onde se respirava o jornalismo em sua verdadeira essência quase artesanal.

Logo, o projeto de construção de Versus não estava imune às influências externas. À medida que a distribuição nacional se consolidou, a vendagem em bancas cresceu, e a tiragem se multiplicou até atingir 30 mil exemplares. A influência cultural e política de Versus passou a ser muito maior do que imaginavam os editores ou pretendiam no início; o programa, até então, resumia-se a uma expressão-síntese, a qual trabalhava arduamente: “a cultura como forma de ação”, conforme palavras de Omar Filho.

Turbulências no cenário internacional, como a retirada do apoio dos Estados Unidos às ditaduras e a entrada do movimento estudantil provocaram mudanças na linha editorial. Também as diferentes posições políticas existentes na redação passaram a se manifestar, algo natural em um jornal alternativo, no entendimento de Omar Filho, que diz que muitos editores e colaboradores militavam em organizações clandestinas, na oposição institucional, ou mesmo simpatizavam com tendências estudantis nas universidades. A erupção do movimento operário no ABC paulista, as greves dos metalúrgicos e, depois, nos sindicatos de classe média, alteraram em definitivo o rumo de Versus.

Omar Filho fala que houve transformações decorrentes da politização da redação, que, passo a passo, abandonou o discurso original – literário, poético e épico da história da América Latina – em troca de uma visão mais crua, sociológica e imediata da realidade, não só a brasileira como a do continente. A metáfora literária cedeu lugar à política, e isso se expressava não só nas reportagens, ensaios e entrevistas, mas também no próprio grafismo de Versus, nas charges, nas ilustrações, enfim, na organização editorial em seu conjunto.

O ex-editor do jornal menciona que amizades foram perdidas e alianças se romperam no processo, mas independentemente das divergências do passado, o fim do caminho para Versus foi, em última análise, o mesmo de toda a imprensa alternativa. Os “nanicos”, como eram chamados pejorativamente, desapareceram um a um no compasso da reconquista democrática, da liberdade de expressão, das crises econômicas, e do curso da monopolização da informação pelos grandes e tradicionais meios. Omar lembra ainda que eram mais de cem jornais, mas com um grande impacto na sociedade.

Ao falar dos anos que duraram o Versus, Omar Filho constata que foi editor que mais tempo vivenciou a feitura do jornal. O jornal imprimiu 33 edições normais, três extras de quadrinhos, e outras que fugiam ao calendário, mas eram relacionadas com mobilizações políticas, como as edições especiais voltadas aos aniversários do golpe do Chile e de 1º de maio, no ABC paulista. Além delas, editou outros nove livros e cadernos.

Entrevista com o cineasta Glauber Rocha no Jornal Versus

         Em entrevista ao jornal Versus, o cineasta falou de sua influência e sua relação com o cinema. Na apresentação, ele se define como “cineasta do Terceiro Mundo, odiado por muitos colonizados”, mais adiante fala de seus projetos e de sua forma de trabalhar, com projetos que vão de encontro ao capitalismo, razão pela qual não encontra financiadores para seus filmes; mas ele não se mostra disposto a mudar sua postura, dizendo que não é possível conciliar o capitalismo com a criatividade na produção cinematográfica. Nessa sua definição, pode se perceber uma relação do seu modo de produzir com o chamado “terceiro cinema”, citado pela autora Angela Pryston, uma arte libertária e contrária à dominação de outros países.

Glauber Rocha fala de sua juventude e opção pelo jornalismo, sua trajetória no jornal, e seu ingresso na Faculdade de Direito; e em seu relato, revela sua intenção de fazer política no Diretório da Faculdade. Dessa forma, vê-se que seus ideias estavam inseridos na forma de arte vigente, uma arte que sofria influência da política, e que a influenciava.

         O cineasta fala do seu contato com Valter da Silveira, e o grupo de teatro organizado por eles, que fazia encenações de poesias brasileiras que tivessem um cunho nacionalista. A arte proposta, assim como o “Terceiro Cinema”, não sucumbia à hegemonia hollywoodiana. Em suas críticas de cinema no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, Glauber era crítico com o cinema estrangeiro e mais ainda com o convencional. Quando foi ao Rio de Janeiro, conheceu outros jornalistas que escreviam a respeito de cinema. Uma das críticas de Glauber Rocha, que foi ratificada por outros cineclubistas, foi sua percepção de que o problema do cinema brasileiro estava em sua estrutura econômico-político-cultural; essa abordagem também foi discutida pela tese de Paulo Emílio Uma Situação, que propõe aprofundar a discussão do cinema levando em conta aspectos econômicos, e não apenas a superficialidade de dizer se uma produção é boa ou não. Essas questões levantadas enriquecem mais ainda o estudo do cinema brasileiro, pois os artigos publicados pelos críticos tinham um embasamento teórico e propunham novas abordagens do cinema.

Entrevista com Chico Buarque no Jornal Versus

         No início da entrevista, Chico Buarque fala do processo de criação, seus métodos e situações que favorecem ou desfavorecem a composição. Por seu caráter político em algumas canções ou livros, a conversa envereda pela ação da censura na composição de uma música; o compositor explica como se dá esse processo, se essa proibição parte dos censores ou do próprio artista, até o compositor falar de suas criações artísticas que são censuradas no Brasil e são exibidas em outros países, privando os brasileiros de uma maior informação, propiciando, no Brasil, um vazio intelectual, cuja causa foi a política de 68, que levou os artistas a procurarem outros valores, como o misticismo, afastando-se da arte propriamente. A situação de censura citada por Chico é a mesma narrada por Edgard Navarro, de opressão; cujo artista teria que criar de forma diferenciada, seja por metáforas ou com atos e palavras que provocassem algum impacto.

         Mesmo quando fala da música brasileira, o compositor expressa a postura crítica que a arte também pode ter, como falar do povo brasileiro, dos problemas que existem e não são resolvidos. A censura teve que aceitar essa menção dos problemas, pois várias formas de comunicação, como a imprensa e o teatro, estavam falando dessa problemática. Essa afirmação de Chico coaduna com as menções anteriores, cujos mais variados segmentos artísticos daquele período tinham uma preocupação com os problemas sociais e direcionavam suas críticas como uma maneira de interferir na realidade, na vida política.

         Ainda falando da música e o surgimento de novos artistas, o cantor Chico Buarque leva a resposta para a realidade social, ao mencionar que os cantores que conhece se formavam nas universidades, e havia uma discussão da realidade brasileira nas faculdades, uma discussão política.

         Em mais um momento da entrevista, que parece referir-se ao teor unicamente artístico, como o público maior que passa a frequentar teatros, Chico aborda a questão social como uma maneira de entender esse quadro; o compositor avalia que é a classe média que tem maior poder aquisitivo que está freqüentando o teatro, e não que haja um teatro popular que alcance as camadas menos favorecidas, estas classes ficam à mercê da programação televisiva, que nem sempre é tão instrutiva. Dessa forma, o compositor traz à tona uma reflexão a respeito da interferência econômica na vida das pessoas, e por sua situação desigual proporciona um maior número de informação para alguns e afastamento da arte para outros.

         É perceptível o quanto os autores do livro e entrevistados falam de experiências semelhantes, tanto como a forma que a arte chega a eles nas mais diversas influências, como a forma que eles tentam expressá-la em meio ao atordoamento, é um tempo de descoberta de outros pensamento e filosofias, tempo de integração de culturas pela tecnologia, e tempo que grupos lutavam para ter voz ativa; e nesta conjuntura, havia toda uma repressão e a tentativa de emergir desse “cale-se”.