quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Quando foi 68?


Os Jogos Olímpicos da Cidade do México


Por João Vitor Pascoal


A ebulição política e cultural que o mundo vivia em 1968 não deixou de envolver os Jogos Olímpicos da Cidade do México.   No país, há dez dias do início dos jogos, ocorreu o que ficou conhecido como  o “ Massacre de Tlateloco”. Tanques, metralhadoras e atiradores de elite cercaram a Praça das Três Culturas, em Tlatelolco, e abriram fogo contra a multidão, em sua maioria composta por estudantes, que discordavam da realização da Olímpíadas durante o momento conturbado vivido pelo México.  O resultado foi mais de 300 pessoas covardemente assassinadas, alguns falam em mais de mil mortos, centenas foram espancados e foi imposto o terror contra os que ousavam protestar em meio aos Jogos Olímpicos.




Mesmo assim, os Jogos Olímpicos aconteceram, e são lembrados pela que talvez é a imagem mais famosa da história das Olimpíadas. No pódio dos 200 metros rasos, os corredores norte-americanos Tommie Smith, vencedor da prova, e John Carlos, terceiro colocado, ergueram um dos braços com o punho fechado e a mão coberta por uma luva negra, posição da saudação “Black power”, do Partido Revolucionário Negro dos EUA, os Panteras Negras.





 Os Black Panthers eram uma organização política e social dos EUA, que lutava contra a discriminação com os negros. O movimento durou cerca de 10 anos e conseguiu chamar a atenção mundial, especialmente depois do evento de 1968.  Os dois corredores, tomaram para si a tarefa de expressar a luta anti-racista para os milhões que assistiam aos jogos mundo afora.  Enquanto Smith e Carlos baixaram suas cabeças e, ao invés de cantarem o hino de seu país, ergueram solenemente seus punhos ao ar, cobertos por luvas negras, demonstraram para o mundo que estavam ali representando algo muito maior que o seu país, estavam lutando por seus direitos.





A ousadia (qualificada como "uma violenta quebra do espírito olímpico...") foi punida com a expulsão dos dois dos Jogos e deportação imediata para os EUA, seu quase banimento do mundo esportivo e por um verdadeiro massacre promovido pela imprensa. 

Para a "infelicidade" dos conservadores e racistas, o “estrago” já havia sido feito. O gesto de Smith e Carlos ganhou a simpatia de explorados e oprimidos mundo afora. E por toda parte, jovens negros ergueram orgulhosamente seus punhos, desafiando o racismo em seus próprios países, internacionalizando ainda mais o movimento "Black Power”. O movimento obteve um grande número de adeptos sua e não só arrancou conquistas imediatas, como também, deixou marcas permanentes, seguindo vivo ainda hoje na mentalidade de milhões de negros e negras que lutam contra a discriminação.

A moda e os movimentos sociais




Por Thaís Lima

Uma revolução é algo que provoca uma mudança, seja de modo progressivo, contínuo, seja de maneira repentina. Os anos 60 foram, de fato, revolucionários para a moda. Em 68 as minissaias (de Mary Quant) e as calças compridas com terninho (de Yves Saint Laurent) vestiam as mulheres que viviam a chamada revolução feminina.

A moda ganha um engajamento sócio-político depois do período pós-guerra e se permite ser livre e democrática. As mudanças, que tomaram principalmente a juventude, eram comportamentais, éticas, sociais e até sexuais. Os estudantes lutavam contra o regime ditatorial e pediam por melhorias na educação, além da busca pela liberação sexual e pela igualdade dos direitos civis.
 O abandono do que vinha sendo propagado no pós-guerra, como as influências da alta costura dos anos 50, de estilistas como Dior e Balenciaga dava lugar a uma moda unissex e democrática. Foi nesse período que surgiu o Prêt-à-porter, que é a moda das lojas de departamento que nós conhecemos hoje, como C&A, Renner e Riachuelo. O Prêt-à-porter era a moda feita para consumo em larga escala, o que, mais tarde, influenciaria na criação de outro fenômeno da moda, o Fast Fashion, que é a moda para ser consumida logo, com coleções breves e limitadas.
 O termo "moda revolucionária" não existe ainda, mas existem personagens marcantes  que revolucionaram a moda com ideias libertárias como é o exemplo da já citada Mary Quant, criadora da minissaia, do francês Christian Dior,que com seus traços e sua visão do corpo feminino causou fascínio e delírio entre as mulheres com suas produções,  e da endeusada estilista francesa Coco Chanel. Estes estilistas, mas também muitos outros (não restringindo o mundo da moda apenas à países europeus) em épocas diferentes, deixaram seus nomes marcados na história da  indumentária feminina como forma de afirmação.









A Música como Identidade


                                                                                                  Por Maria Eduarda Tavares e Maria Eduarda Melo


As artes representam o que se passa na sociedade, as descobertas, o cotidiano, os costumes, as crenças e os hábitos de um povo ou região. Os artistas deixam transparecer em suas obras todo o sentimento de uma sociedade e como a linguagem da arte é universal, esse sentimento pode ser compreendido pelos mais distintos povos e mais diferentes gerações. Exemplo de tal poder da arte são as obras que ainda vemos da época dos gregos, persas e romanos. Tem sido assim desde o começo dos tempos, as esculturas e pinturas, a literatura e a dança demonstravam e eternizavam a realidade social de uma época e uma região. Devido a esta forte característica da arte, é possível que os povos e os países sejam reconhecidos pela sua arte, seja por um tipo de dança específica ou música. Do mesmo modo ocorre a diferenciação de regiões dentro de um país que, no caso do Brasil, um país muito grande em extensão, possui uma cultura bastante diversificada. Cada região possui características únicas que podem ser diferenciadas de acordo com as danças e músicas de cada uma delas.  Felipe Trotta escreveu sobre a impossibilidade de um ritmo só representar um pedaço de uma terra que tem suas peculiaridades características. 

O nordeste brasileiro teve como representante durante um tempo a música de Luiz Gonzaga, ritmo que representava a seca, a vida do vaqueiro, do cidadão nordestino que morava no interior e que não possuía uma convivência com a cidade grande. Gonzaga é considerado até os dias de hoje um símbolo da cultura nordestina pois assumia a "nordestinidade" e se deixava representar pela sua sanfona e sua maneira de vesti-se. Apesar disto, Trotta levanta um questionamento em relação a essa representação. Ele se pergunta se Gonzaga e sua sanfona são ideais para representar o nordeste, quando só o estado de Pernambuco possui outras manifestações culturais muito fortes que também o representam, tais como o frevo e o maguebeat. A música de Gonzaga era bastante divulgada no sul, trazendo uma imagem não muito verdadeira com a real situação do nordeste para o resto da população brasileira. Com o passar do tempo, a realidade do nordeste foi mudando e o processo de representação do nordeste através da musica também sofreu mudanças.
Luiz Gonzaga


Nos anos 90, a música brasileira passou a sofrer muitas influências do pop internacional e começa a ser dada uma maior importância ao aspecto do entretenimento presente nas apresentações musicais. Grandes ícones da música internacional como Madona e Michael Jackson são citados por Trotta como principais artistas a disseminar esta nova maneira de fazer música. No Brasil, surgem novos estilos musicais que aparecem para entreter o público nas diversas regiões do país. A música sertaneja sofre influência da música country americana, o samba é acrescentado de novos instrumentos fazendo surgir o pagode, e a música baiana é revolucionada com o axé music. Todos esses novos ritmos, apesar de muito diferentes entre si, possuem características bem semelhantes: músicas altamente populares, disseminadas em peso pela mídia brasileira para todo o país e com o objetivo único de entreter. No nordeste este processo também ocorreu. 

No Ceará surgiram as primeiras bandas do chamado forró eletrônico que agregavam o caráter do entretenimento, já presente no Brasil, com o universo dos jovens. As músicas narram assuntos presentes na vida do público jovem e sempre são apresentadas em grandes palcos com luzes, dançarinos e com grande apresentação. Trotta aponta o gênero do forró eletrônico como uma visão alternativa da representação do Nordeste, uma reinvenção musical da própria região e afirma:
  “O Nordeste do Forro Eletrônico se afasta do chapéu de coro e da zabumba para interagir com o baixo elétrico, com os holofotes midiáticos do grande show e com o universo simbólico e imagético das dançarinas do Faustão, por exemplo”.

domingo, 7 de outubro de 2012

 


Quando foi 68? E a voz ativa do jornalismo alternativo

                                               por José Daniel Ferreira Fulgêncio

Estudante de Graduação do 3.º semestre do Curso de Jornalismo da UFPE – Universidade Federal de Pernambuco. Trabalho apresentado à disciplina Psicologia da Comunicação, sob orientação da Professora Patrícia Horta.

Quando foi 68?

         O livro é constituído por quatro artigos de autores diferentes. O primeiro: 1968: Imagens da Utopia, de Angela Pryston; o segundo, Desentranhando Futuros, de Suely Rolnik; o terceiro: Quando foi 68?, de Moacir dos Anjos e o último também intitulado Quando foi 68? De Edgard Navarro.

O livro se atém ao ano de 1968, especificamente ao mês de maio, retratando os fatos daquele ano e seus eventos múltiplos. O pensamento em 68 é importante não só por sua particularidade, mas pelas consequências na contemporaneidade, pelo grande legado cultural, pela atitude revolucionária com o uso da palavra, construindo uma nova forma de pensamento. O ano de 1968 é tratado como uma personificação do instinto revolucionário, de maneira que anos anteriores tinham esse instinto latente, e este instinto permaneceu posteriormente ao ano referido.

1968: imagens da utopia; Angela Pryston

O primeiro artigo aborda o cinema para exemplificar o quanto a política influenciava nas artes, e essas produções artísticas se voltavam aos países do “terceiro mundo”, que representavam a força libertária diante da dominação de outros países. Ao dar mais destaque para esse “terceiro mundo”, inclusive com a Europa retratando em sua arte, o mundo viu uma forma alternativa de arte, as revoluções mostraram o quanto esses países do “terceiro mundo” eram influenciados e influenciaram o mundo.

Uma forma de divulgação foi o chamado “terceiro cinema”, cujos temas eram a opressão, a pobreza e a violência nas metrópoles. Esse modo de fazer cinema criou relações estilísticas com outros movimentos como o neo-realismo italiano e a nouvelle vague francesa, aliando em sua produção a simplicidade e as ideias revolucionárias profundas. As técnicas se contrapunham às produções de Hollywood, negando o cosmopolitismo tradicional de um Centro e outros povos subservientes, assim os oprimidos são colocados no Centro, numa nova proposta política e social.

A década de 80 marcou um arrefecimento com os ideais de 1968, com os estudos teóricos a respeito de 68 e questionamentos de sua validade; aliado a isso, o segundo mundo ruiu, e os países sucumbiram às grandes potências, marcando a queda do desencanto com 1968.

Os anos 90 marcaram uma nova reflexão a respeito da década de 60, e com o complemento de novos estudos filosóficos e sociológicos, houve interesse no agora World Cinema, com filmes produzidos no Brasil, México, Argentina, Hong Kong, que embora não tivessem a mesma temática, tinham uma nova roupagem do “terceiro cinema”.

Desentranhando futuros; Suely Rolnik

         O artigo se propõe a analisar a crítica da arte de 1960 e 70, num tempo cujos artistas produziam de acordo com um “sistema de arte”, como se amarras limitassem a criação.  Por isso a problematização e reflexões da arte neste período eram com intuito de transpor as limitações, buscando uma arte com vitalidade, que ativasse a subjetividade.

         O Brasil, como os demais países da América Latina, estava sob a ditadura, e os textos artísticos tentavam se desviar das restrições impostas. A autora do artigo destaca que por se encontrarem num período turbulento, os artistas eram vítimas de uma atmosfera de opressão, mas não apenas a visível, havia também um pavor subjetivo, que pensava nas ameaças e toda a experiência de temor que podia viver se subvertesse a ordem.

         A alternativa fundamental encontrada pelos artistas foi encarar o terror, incorporando a questão política em suas produções. Nos Estados Unidos e na Europa também houve protestos, de acordo com suas particularidades, na forma de denúncia contra as guerras. Na América Latina, foi encarada em sua obra artística a opressão vivida, e a reação artística agia como uma forma de sobrevivência.

         Essa criação artística foi resultante da tensão micro e macro política. A ação macro política estava nas relações conflituosas da distribuição de lugares na sociedade, de dominantes e dominados; a ação micro política estava na tensão da estabilidade da classe dominante e a realidade de mudança do dominados, com crises de subjetividade. Os que se encontravam nessa tensão, podiam ativar sua potência de invenção artística.

         A figura clássica do artista estava associada à micro política, e a do militante à macro política. A produção artística da América Latina de 1960/70 conciliou esses dois tipos. A história “oficial” não considera essa arte como conceitual, talvez porque não foi contada por autores dos Estados Unidos e Europa, considerando essa arte como “ideológica” ou “política”.

         A tensão dos dias presentes se refere ao que é produzido e veiculado pela mídia, atendendo às demandas do mercado; nessa nova forma de opressão, o discurso artístico intervém na política, havendo uma reciprocidade entre artistas e ativistas na vida social, a qual sofre o uso perverso das imagens e da expressão pelos grupos dominantes.

         Há na contemporaneidade uma discussão internacional em volta de uma aliança poética e política, embora esse fato tenha se dado nas produções latino-americanas da década de 60; porém, a forma como essa produção era estigmatizada, causou uma experiência traumática nos latinos. No entanto, a redescoberta dessa produção deixa inúmeros questionamentos para debate, mas é difícil desfazer a história que foi contada pelos EUA e países da Europa Ocidental, só que se essa ação for feita em benefício de arrefecer os “traumas” da criatividade latino-americana que foi subjugada, é valida e premente esta ação.

Quando foi 68?; Moacir dos Anjos

         O terceiro artigo trata o ano de 68 com uma extensão maior que de um ano cronológico, devido a sua intensidade; um ano que seus processos vinham acontecendo anteriormente e persistindo tempos depois. Este ano levantou questionamentos a respeito de padrões humanos que perduravam.

         Essas mudanças são resultado de aceleradas transformações que foram impulsionadas pelo momento histórico vivido, com reivindicações e busca por novos direitos e liberdades. Os eventos em prol da mudança ocorreram em diversos lugares do mundo, a razão para essa simultaneidade em lugares diferentes é variada: ou pelos estudantes se tornarem mais ativos social e politicamente, ou o acesso aos meios de comunicação, mas não há uma razão precisa desse sincronismo entre os países.

         O autor do artigo faz menção à mostra da Fundação Joaquim Nabuco, que expõe as produções daquele período. A exposição mostra a relação da arte com a realidade, e como a arte se sobressaiu ao período de restrição da liberdade para criar seus elementos artísticos.

         Essa criação artística, vivida na diversidade, fez surgir uma nova forma de produção, numa relação interativa entre os artistas e espectadores, com artistas propondo as questões para debate, e os espectadores ativando essas práticas sob suas particularidades.

Quando foi 68?; Edgard Navarro

         O autor fala do ano de 68 como um ano diferenciado, que perdura. Antes descreve o que o motiva a considerar aquele ano com destaque, faz uma digressão para falar de si, da sua vida, seus sentimentos, seus costumes, os tabus vividos, todo o contexto da sua geração.

         Nesse período de conflito, o autor conta sua experiência de contato com uma novidade, a proposta pacífica do movimento hippie em meio a um tempo de guerra, uma proposta de revolução mediante a paz e flores.

         Um dos fatores que o autor atribui a essa ideia coletiva de revolução é a propagação dos meios de comunicação de massa, articulando pessoas; aliada a essa novidade, o desejo de mudança e transformação que gerações anteriores ansiavam.

         Ao falar de sua vida, o autor aprofunda suas experiências, suas angústias, seus atos; chama atenção seu relato de quando entrou para o teatro, ao dizer que suas crises existenciais eram tão grandes, que encontrou soluções de seus problemas na interpretação de outras vidas; por essas afirmações é possível mensurar o nível de angústia vivido. Em seguida, há uma descrição de todas as influências sofridas pelo autor, as mais variadas leituras e filosofias, menção de sua vivência em intensidade, e em meio a toda essa turbulência de sensações de uma vida desenfreada, ele ressalta a realidade vivida de ter que trabalhar numa repartição pública para garantir seu sustento. Essas influências atestam que era uma incessante busca para o autor se encontrar nas fronteiras de suas incertezas e angústias.

         Ainda no relato de suas experiências, o autor fala de ter protagonizado um streep tease, e dá toda uma fundamentação para seu ato, indo além da explicação do óbvio; ele fala que essa atitude era mais que uma exposição, era um acinte contra o racionalismo, e mais que isso, também era uma resposta ao jeito oficial que se fazia cinema na época.

         Por fim, o autor traz ao debate a validade de sua atitude, sua forma de fazer arte, e diferencia a arte associada a um talento do que foi a arte na sua vida, a saber: uma salvação; pois foi por essa arte “salvadora” que o autor transpôs suas angústias.


Versus

Omar L. de Barros Filho, um dos editores do Versus fala de sua experiência com esse jornalismo alternativo. O Versus surgiu da mente de Marcos Faerman, para quem Omar diz ter aprendido com ele, um dos mais destacados repórteres e editores brasileiros de todos os tempos.

Segundo Omar Filho, Faerman costumava dizer que Versus nascera sob o signo da tristeza, provocada pela morte do jornalista Vladimir Herzog nos porões da ditadura, fato que horrorizou o país em outubro de 1975. O drama de Herzog na prisão coincidiu com a impressão da primeira edição do jornal, em torno de 12 mil exemplares, formato tabloide, com 52 páginas, distribuído precariamente de mão em mão, em bancas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e outras poucas cidades, e financiado, em parte, por um salário anual extra de Faerman. Versus calou fundo na sensibilidade dos leitores, e iria mais longe do que o esperado.

Aos poucos, o grupo inicial de colaboradores ampliou-se, com a adesão voluntária de jornalistas, escritores, poetas, professores, cineastas, sociólogos, ilustradores, chargistas, além dos próprios leitores, que enviavam suas colaborações do Brasil e do exterior. Omar Filho relata que na redação costumava-se dizer que o carteiro era o melhor repórter, porque trazia as matérias de que necessitavam para fechar cada edição, e que completavam a pauta dia-a-dia. Sempre carente de recursos, ainda assim resistiu durante quatro anos às pressões e limites estreitos estabelecidos pelo regime militar.

Versus foi também porto seguro para “desgarrados” latino-americanos e brasileiros, refugiados políticos, e outros discriminados pela sorte. Omar Filho usa a expressão “Cruz Vermelha” ao se referir à redação, pelo fato de ela receber não só fugitivos estrangeiros em busca de asilo, trabalho e documentos, como também dava guarida a qualquer brasileiro com talento atrás de um espaço em uma folha de jornal para registrar suas ideias, crenças ou experiências. Muitos iniciaram em Versus o ofício de escrever, reportar ou desenhar. O editor afirma que era um local de poucas regras, mas sempre aberto, onde se respirava o jornalismo em sua verdadeira essência quase artesanal.

Logo, o projeto de construção de Versus não estava imune às influências externas. À medida que a distribuição nacional se consolidou, a vendagem em bancas cresceu, e a tiragem se multiplicou até atingir 30 mil exemplares. A influência cultural e política de Versus passou a ser muito maior do que imaginavam os editores ou pretendiam no início; o programa, até então, resumia-se a uma expressão-síntese, a qual trabalhava arduamente: “a cultura como forma de ação”, conforme palavras de Omar Filho.

Turbulências no cenário internacional, como a retirada do apoio dos Estados Unidos às ditaduras e a entrada do movimento estudantil provocaram mudanças na linha editorial. Também as diferentes posições políticas existentes na redação passaram a se manifestar, algo natural em um jornal alternativo, no entendimento de Omar Filho, que diz que muitos editores e colaboradores militavam em organizações clandestinas, na oposição institucional, ou mesmo simpatizavam com tendências estudantis nas universidades. A erupção do movimento operário no ABC paulista, as greves dos metalúrgicos e, depois, nos sindicatos de classe média, alteraram em definitivo o rumo de Versus.

Omar Filho fala que houve transformações decorrentes da politização da redação, que, passo a passo, abandonou o discurso original – literário, poético e épico da história da América Latina – em troca de uma visão mais crua, sociológica e imediata da realidade, não só a brasileira como a do continente. A metáfora literária cedeu lugar à política, e isso se expressava não só nas reportagens, ensaios e entrevistas, mas também no próprio grafismo de Versus, nas charges, nas ilustrações, enfim, na organização editorial em seu conjunto.

O ex-editor do jornal menciona que amizades foram perdidas e alianças se romperam no processo, mas independentemente das divergências do passado, o fim do caminho para Versus foi, em última análise, o mesmo de toda a imprensa alternativa. Os “nanicos”, como eram chamados pejorativamente, desapareceram um a um no compasso da reconquista democrática, da liberdade de expressão, das crises econômicas, e do curso da monopolização da informação pelos grandes e tradicionais meios. Omar lembra ainda que eram mais de cem jornais, mas com um grande impacto na sociedade.

Ao falar dos anos que duraram o Versus, Omar Filho constata que foi editor que mais tempo vivenciou a feitura do jornal. O jornal imprimiu 33 edições normais, três extras de quadrinhos, e outras que fugiam ao calendário, mas eram relacionadas com mobilizações políticas, como as edições especiais voltadas aos aniversários do golpe do Chile e de 1º de maio, no ABC paulista. Além delas, editou outros nove livros e cadernos.

Entrevista com o cineasta Glauber Rocha no Jornal Versus

         Em entrevista ao jornal Versus, o cineasta falou de sua influência e sua relação com o cinema. Na apresentação, ele se define como “cineasta do Terceiro Mundo, odiado por muitos colonizados”, mais adiante fala de seus projetos e de sua forma de trabalhar, com projetos que vão de encontro ao capitalismo, razão pela qual não encontra financiadores para seus filmes; mas ele não se mostra disposto a mudar sua postura, dizendo que não é possível conciliar o capitalismo com a criatividade na produção cinematográfica. Nessa sua definição, pode se perceber uma relação do seu modo de produzir com o chamado “terceiro cinema”, citado pela autora Angela Pryston, uma arte libertária e contrária à dominação de outros países.

Glauber Rocha fala de sua juventude e opção pelo jornalismo, sua trajetória no jornal, e seu ingresso na Faculdade de Direito; e em seu relato, revela sua intenção de fazer política no Diretório da Faculdade. Dessa forma, vê-se que seus ideias estavam inseridos na forma de arte vigente, uma arte que sofria influência da política, e que a influenciava.

         O cineasta fala do seu contato com Valter da Silveira, e o grupo de teatro organizado por eles, que fazia encenações de poesias brasileiras que tivessem um cunho nacionalista. A arte proposta, assim como o “Terceiro Cinema”, não sucumbia à hegemonia hollywoodiana. Em suas críticas de cinema no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, Glauber era crítico com o cinema estrangeiro e mais ainda com o convencional. Quando foi ao Rio de Janeiro, conheceu outros jornalistas que escreviam a respeito de cinema. Uma das críticas de Glauber Rocha, que foi ratificada por outros cineclubistas, foi sua percepção de que o problema do cinema brasileiro estava em sua estrutura econômico-político-cultural; essa abordagem também foi discutida pela tese de Paulo Emílio Uma Situação, que propõe aprofundar a discussão do cinema levando em conta aspectos econômicos, e não apenas a superficialidade de dizer se uma produção é boa ou não. Essas questões levantadas enriquecem mais ainda o estudo do cinema brasileiro, pois os artigos publicados pelos críticos tinham um embasamento teórico e propunham novas abordagens do cinema.

Entrevista com Chico Buarque no Jornal Versus

         No início da entrevista, Chico Buarque fala do processo de criação, seus métodos e situações que favorecem ou desfavorecem a composição. Por seu caráter político em algumas canções ou livros, a conversa envereda pela ação da censura na composição de uma música; o compositor explica como se dá esse processo, se essa proibição parte dos censores ou do próprio artista, até o compositor falar de suas criações artísticas que são censuradas no Brasil e são exibidas em outros países, privando os brasileiros de uma maior informação, propiciando, no Brasil, um vazio intelectual, cuja causa foi a política de 68, que levou os artistas a procurarem outros valores, como o misticismo, afastando-se da arte propriamente. A situação de censura citada por Chico é a mesma narrada por Edgard Navarro, de opressão; cujo artista teria que criar de forma diferenciada, seja por metáforas ou com atos e palavras que provocassem algum impacto.

         Mesmo quando fala da música brasileira, o compositor expressa a postura crítica que a arte também pode ter, como falar do povo brasileiro, dos problemas que existem e não são resolvidos. A censura teve que aceitar essa menção dos problemas, pois várias formas de comunicação, como a imprensa e o teatro, estavam falando dessa problemática. Essa afirmação de Chico coaduna com as menções anteriores, cujos mais variados segmentos artísticos daquele período tinham uma preocupação com os problemas sociais e direcionavam suas críticas como uma maneira de interferir na realidade, na vida política.

         Ainda falando da música e o surgimento de novos artistas, o cantor Chico Buarque leva a resposta para a realidade social, ao mencionar que os cantores que conhece se formavam nas universidades, e havia uma discussão da realidade brasileira nas faculdades, uma discussão política.

         Em mais um momento da entrevista, que parece referir-se ao teor unicamente artístico, como o público maior que passa a frequentar teatros, Chico aborda a questão social como uma maneira de entender esse quadro; o compositor avalia que é a classe média que tem maior poder aquisitivo que está freqüentando o teatro, e não que haja um teatro popular que alcance as camadas menos favorecidas, estas classes ficam à mercê da programação televisiva, que nem sempre é tão instrutiva. Dessa forma, o compositor traz à tona uma reflexão a respeito da interferência econômica na vida das pessoas, e por sua situação desigual proporciona um maior número de informação para alguns e afastamento da arte para outros.

         É perceptível o quanto os autores do livro e entrevistados falam de experiências semelhantes, tanto como a forma que a arte chega a eles nas mais diversas influências, como a forma que eles tentam expressá-la em meio ao atordoamento, é um tempo de descoberta de outros pensamento e filosofias, tempo de integração de culturas pela tecnologia, e tempo que grupos lutavam para ter voz ativa; e nesta conjuntura, havia toda uma repressão e a tentativa de emergir desse “cale-se”.

 

 

domingo, 26 de agosto de 2012

Cine PE


Por Amanda Melo, Carla Moreira, Daniel Medeiros, 
Ellen Reis, Renata Santos e Stamberg Júnior.


Para este texto, entramos em contato com o cinéfilo Houldine Nascimento, que nos apresentou sua perspectiva do evento Cine PE 2012.






A importância do Cine PE

Por Houldine Nascimento

Inicialmente chamado "Festival de Cinema do Recife", a trajetória do Cine PE - Festival do Audiovisual começou em 1997. O evento é organizado pelo casal de economistas Sandra e Alfredo Bertini e pode-se dizer que é o maior acontecimento cinematográfico do Brasil no primeiro semestre.

Este ano, o Cine PE esteve em sua 16ª edição. Desde o início, obras importantes como "Baile Perfumado", "Bicho de Sete Cabeças" e "O Invasor" tiveram o festival pernambucano como ponto de partida. Mais de 800 filmes, divididos em longa e curta metragens, passaram por aqui. Em uma década e meia, 350 mil espectadores acompanharam os filmes que estrearam no Cine PE. Não à toa, se trata do festival de cinema mais popular do país.

Nesta edição, três grandes nomes do cinema nacional foram homenageados: o ator Ney Latorraca, que esteve presente em fitas notáveis, casos de "O Beijo no Asfalto", de Bruno Barreto, e "Ópera do Malandro", de Ruy Guerra; e os cineastas Cacá Diegues (um dos pais do Cinema Novo) e Fernando Meirelles, que é o nosso realizador mais bem sucedido internacionalmente.

À propósito, o Cine PE de 2012 serviu para lembrar os 10 anos do lançamento de "Cidade de Deus". Além de se tornar um clássico do cinema latino-americano, o filme de Meirelles foi um verdadeiro "estouro" no mundo. Causou grande impacto em Cannes e recebeu quatro nomeações no Oscar, abrindo as portas para Fernando dirigir produções estrangeiras ("O Jardineiro Fiel" e "O Ensaio sobre a Cegueira").

De Breno Silveira, "À Beira do Caminho" foi o grande vencedor de 2012. O longa recebeu seis prêmios, incluindo melhor filme, roteiro (Patrícia Andrade) e ator – para João Miguel. "Paraísos Artificiais", de Marcos Prado, ganhou prêmios técnicos. Na seleção de filmes, nota-se que não há preconceitos. Vê-se um "convívio harmonioso" entre obras menos comerciais, como o já citado "À Beira do Caminho", e fitas voltadas a grandes plateias, caso de "Paraísos...". Talvez seja esse o grande segredo do Cine PE: agradar (ou tentar agradar) tanto a crítica especializada quanto o público.

Não é fácil comandar um festival de cinema durante tanto tempo, ainda mais no Brasil. Surgido em 2008, o “Festival de Paulínia” é um exemplo. Logo no ano de estreia, trouxe produções fortes para exibição. A cidade paulista inclusive tinha participação no capital das obras que competiam por lá. No entanto, a prefeitura decidiu suspender a premiação deste ano.

Felizmente, o Cine PE conseguiu resistir em todos esses anos. E fica o desejo de que dure por muito tempo.




Novos Cinemas de Rua do Recife


Por Amanda Melo, Carla Moreira, Daniel Medeiros, 
Ellen Reis, Renata Santos e Stamberg Júnior.

Segundo crítico Pedro Bucci, a crise dos cinemas de rua iniciou em meados dos anos 80. Além do surgimento dos shopping’s e multiplex, a produção cinematográfica aumenta, consideravelmente, em todo o mundo, contribuindo para a crise. “Fica difícil sustentar um cinema na rua desse modo, principalmente quando um multiplex coloca algum filme de arte entre os seus blockbusters e acaba atraindo parte do público da rua”, afirma Bucci. Hoje, percebemos que os cinemas de rua do Recife estão ganhando mais força e atraindo um público maior. Dentre as principais salas de cinema na cidade estão: o Cinema São Luiz; o Cinema da Fundação Joaquim Nabuco; e o Cinema Apolo.

Cinema São Luiz


Inaugurado no dia 6 de setembro de 1952 e situado a margem do Rio Capibaribe, na cabeceira da ponte mais moderna da época, a ponte Duarte Coelho, o Cinema São Luiz se destacou dentre os cinemas de rua do Recife, prezando pela arte na sua concepção artística, com exibição em cine-teatro. 



O local onde se encontra hoje, foi, originalmente uma Igreja dos Ingleses, construído em 1838, numa das extremidades da Rua Formosa, atual Avenida Conde da Boa Vista. O edifício Duarte Coelho, que abriga o cinema, conta com 13 pavimentos, dos quais os 4 primeiros são ocupados pelo São Luiz e por uma série de estabelecimentos comerciais, sendo os demais andares destinados ao uso residencial. O cinema contava com poltronas de madeira, revestidas de estofado vermelho, chegando a comportar 1.340 assentos. O cinema representou na época a importante fase de inovações urbanas da cidade, sendo considerado o mais requintado cinema de rua do Recife.
Após 55 anos de funcionamento, em 2007, o cinema fechou suas portas. Nesse mesmo ano, as Faculdades Integradas Barros Melo (AESO) deram início a uma reforma cujo objetivo foi transformar o Cinema São Luiz num centro cultural. A reforma que duraria 1 ano, foi interrompida em março de 2008, quando a AESO informou a desistência do empreendimento. No mesmo ano, o prédio foi tombado pelo Governo do Estado que, por meio da Fundarpe, trouxe de volta o tradicional cinema de rua, revitalizado e sem vícios na mídia cinematográfica.

O novo São Luiz é prioritariamente um espaço de exibição da produção audiovisual nacional e pernambucana, a preços populares e sessões com horários sensíveis às demandas do grande público. A curadoria da casa prevê também abrangência na programação, que inclui filmes que marcaram a história, clássicos do cinema internacional e nacional e uma programação fixa voltada para o público infantil.


Vídeo sobre reinauguração do Cinema São Luiz




Cinema da Fundação Joaquim Nabuco

Durante os anos 80, o espaço dividia espaço entre o teatro (o prédio abrigou o curso de formação de atores, na época), a música e o cinema. A Sala José Carlos Cavalcanti Borges, no Derby, é a casa do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, ou apenas, o Cinema da Fundação, como é normalmente chamado. Mesmo sem ter uma programação diária de filmes, a sala sempre apresentou uma rica oferta durante os anos.

De 1989 a 1990, o Cinema da Fundação abrigou o Cineclube Jurando Vingar, liderado, entre outros, pelo hoje cineastra Marcelo Gomes (Cinema Aspirina e Urubus). Na JCCB também foram vistos centenas de vídeos e filmes regionais e nacionais e dezenas de mostras de cinema do mundo todo. Anizio Andrade era o diretor desse trabalho na época, tendo como superintendente, do então Instituto de Cultura, Silvana Meirelles, a mesma que hoje é responsável pela Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundaj. Foram eles que, já na segunda metade da década de 90, mesmo trabalhando com equipamentos deficitários de projeção de cinema 35mm, partiram para renovar o JCCB a partir de um projeto do Ministério da Cultura. Essa verba trouxe o que na época representava o mais moderno sistema de projeção e som para cinema do norte-nordeste via projetor americano de marca Stong e som Dolby SR, inéditos no Recife, até então.

Em 1998, Silvana Meirelles convida o crítico e cineasta Kleber Mendonça Filho para criar uma política de exibição formadora de público numa cidade cuja cultura é rica, mas pobre em espaços de cinema não comercial. O novo perfil da programação valorizaria a cinefilia num formato diário, levando para sala um tipo de cinema que, de outra maneira, não chegaria ao Recife. Deixar o Cinema da Fundação em sintonia com os cinemas de perfil semelhante ao redor do mundo, incentivando o prazer da descoberta do cinema eram outros ideais. Esse novo perfil de cinema estreou na noite de 23 de maio de 1998 (28 pagantes) com a exibição do filme Bent, de Sean Mathias.

Depois de um primeiro ano de pequenas conquistas, o novo espaço, que atraía aos poucos, não só um público, mas também parceiros diversos. A sala José Carlos Cavalcanti Borges assumia então a sua atual identidade: Cinema da Fundação. Ainda em dezembro de 1998 que aconteceu a primeira versão do que seria mais tarde a mostra Retrospectiva/ Expectativa, na época chamada apenas de Retrospectiva, apresentando apenas 14 filmes. Foi em 2011 que o cinema da fundação bateu o seu recorde de público, atraindo mais de 62 mil espectadores ao longo de uma intensa programação, que teve 10 mostras de filmes. 




Reportagem sobre o Cinema da Fundaj


Cine-Teatro Apolo


 

Inaugurado em 1842, o Cine-teatro Apolo é mais antigo teatro da cidade do Recife. Sua construção foi iniciada em 1839 pela Sociedade Harmônico Theatral.

Reaberto ao público desde novembro de 2002, o Cinema Apolo prioriza filmes de cinematografias diversas. De 2002 até agora, foram vistos mais de 100 filmes estrangeiros de 20 países e várias mostras temáticas, registrando um público superior a 30 mil pessoas. No Apolo de segunda a quarta tem 2 sessões de filmes,  por 2 reais. Lá tem um mural com as peças e apresentações, muitos folders e panfletos indicando outras atrações.

Fale com Ela, de Pedro Almodóvar, exibido em 2004, foi o recordista atraindo um público de 2.114 espectadores. Uma Verdade Inconveniente, de Davis Guggenheim, teve um público total de mais de 2 mil pessoas durante as nove semanas que ficou em cartaz, em 2007, com uma média de 50 pessoas por dia (esse filme foi o recordista de público do Apolo para um documentário).

O cinema abriga também o Panorama Recife de Documentários, que exibe produções audiovisuais divididas em curtas, médias e longas em película e vídeo. Cópias de Lolita, Corações e Mentes, Música e Fantasia fazem parte do Projeto Cinema Falado. Além disso, o Apolo apresenta a Retomada do Cinema Pernambucano – 10 anos, em que participam filmes locais. As mostras especiais Cinema Francófono, Cinema Português, Mostra de Cinema Sueco, Novo Cinema Espanhol, Na Trilha dos Samurais e Mostra de Cinema de Israel, ocuparam e sedimentaram seu espaço.






Breve história dos cinemas de bairro do Recife


Por Amanda Melo, Carla Moreira, 
Daniel Medeiros, Ellen Reis, Renata Santos e Stamberg Júnior

Quando as primeiras salas de cinema começaram a aparecer, no início do século XX, a palavra de ordem era modernizar. Para se adequar à situação que o Recife se encontrava, era necessário um cenário atraente com os novos espaços públicos dentro dos padrões civilizados, simbolizando as transformações que a metrópole passava. Com uma arquitetura expressiva, volumes puros e letreiros luminosos, as novas salas de cinema transpiravam modernidade e progresso.

O cronista Nicolau Sevcenko relatou, na época, que além da velocidade das transformações do cenário urbano e dos hábitos cotidianos se assemelharem à cinematografia, ele tinha a sensação, com o empilhamento de imagens, que as cidades se transformavam em verdadeiros álbuns de projeções. O cinema é responsável por influenciar e alterar, drasticamente, a sensibilidade e os estados de disposição dos cidadãos recifenses.

As primeiras exibições de filmes aconteceram nos mais diversos lugares: teatros, festas de largo (praça), circos, velódromo, cafés e casas de diversão. A primeira sala de exibição do Recife, chamada de Cosmorama, estava instalada na Rua da Imperatriz, depois dessa, veio o Teatroscópio, na rua Dr. Rosa e Silva, nº61, a Companhia de Arte e o Bioscope Inglês. Em 1909, foram inaugurados os cinemas Pathé, na rua Barão de Vitória, nº45 (320 lugares), em seguida veio o Cinema Carlos Gomes, depois o Cine Palace, no subúrbio da Várzea, seguido do Cinema Royal na rua Nova e em 1910, o  Cine-Teatro Helvética, na rua da Imperatriz. Os cinemas Politeana, Moderno e Santa Isabel, mais conhecido como o cinema mais luxuoso do Norte, vieram depois.

A partir dos anos 20, o mercado de distribuição cresce e as salas de cinema se multiplicam. A imprensa local incentiva os pioneiros dessa arte em Pernambuco, aparecendo nos jornais colunas que comentavam os filmes e a vida dos artistas. Um exemplo desse fato foi a revista Klaxon, que sempre fazia referência ao cinema em suas publicações, tanto quando comentava as fitas em cartaz, como quando expressavam o universo das sensações e ilusões que se distribuía nas salas de exibição. No estado, existiam vários periódicos, de grande tiragem, que se dedicavam ao cinema: o Écran, a Revista Cinematográfica e Social, e a Revista Cinema, que tinha grande circulação e era distribuída nas salas.

A capital pernambucana tem uma participação relevante na historiografia do cinema brasileiro. Souza Barros afirma que “dos ciclos regionais que marcaram a evolução do cinema brasileiro antigo, silencioso, o ciclo do Recife foi talvez o mais importante e se estendeu durante toda a década de vinte”. O marco decisivo, no Recife, aconteceu em 1923, quando foi fundada a Aurora-Filme, por Edson Chagas e Gentil Roiz.


Na década de 20, o Recife ficou conhecido como a “Hollywood do Brasil”. O cinema ganha uma importância muito maior, atraindo produções da Europa e de Hollywood viessem até aqui, mas não tirando o prestígio dos filmes locais que, ainda assim, fazem sucesso nas salas de exibição do estado.

Abaixo seguem alguns vídeos que mostram um pouco a história dos cinemas de rua:

Este primeiro é um trailler de um documentário que fala dessa história


Este vídeo é um teaser do mesmo documentário





quinta-feira, 9 de agosto de 2012

QUANDO FOI 68? Brasil, contexto | Nordeste, engajamento e musicalidade

Aline

  A oposição ao governo de Costa e Silva, segundo presidente na linhagem militar brasileira após o golpe, aumentou expressivamente em 1968. Na medida em que as ações opositoras aconteciam, intensificava-se também a repressão policial. Em março, o estudante Edson Luís de Lima Souto foi morto durante manifestações estudantis no Rio de Janeiro – fato que desaguou numa onda de protestos, censurada com violência. A Passeata dos Cem Mil, em junho, afirmava “O povo organizado derruba a ditadura”. Em julho, atentados contra teatros e atores de esquerda. Em outubro, quase mil participantes do congresso clandestino organizado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP), foram presos. Operários fizeram greves em Contagem (MG) e Osasco (SP), consideradas ilegais e, portanto, reprimidas.
       Enquanto as agitações quase depuseram Charles de Gaulle na França e Lyndon Johnson desistiu da reeleição nos Estados Unidos, no Brasil as consequências foram bem distintas. A resposta oficial veio no dia 13 de dezembro: o Ato Institucional nº 5 (AI-5), aprovado numa reunião do Conselho de Segurança Nacional (com apenas um voto contra). Decretava o fim das liberdades civis e de expressão. Um desfecho autoritário para um ano em que o Brasil, assim como o mundo, desejava autonomia.
       Com o AI-5, redações dos principais veículos de comunicação foram “invadidas” por funcionários da Divisão de Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal, que passaram a controlar o conteúdo a ser publicado. Teatros foram destruídos, artistas sequestrados e interrogados, compositores e escritores exilados.
       A sensação de relativa liberdade de expressão, logo após o golpe de 64, “permitiu” no cenário cultural atuações que oscilavam entre o experimentalismo e o engajamento, a participação e a alienação. Foram inclusive esses antagonismos que provocaram, por exemplo, confrontos entre artistas nacionalistas de esquerda e vanguardistas do Tropicalismo – isto é, além dos militares, existia um tipo de “patrulha ideológica” por parte da esquerda nacionalista. Em 1967, a “passeata contra a guitarra elétrica” legitimou-se como manifestação ideológica contra a Jovem Guarda. Enquanto isso, os “tropicais” eram contra o autoritarismo e a desigualdade social, mas comungavam com a ideia de internacionalização da cultura e com a busca de uma nova expressão estética, irrestrita ao discurso político.
       Geraldo Vandré, cantor e compositor, era um dos artistas que iam de encontro a esse pensamento, por não valorizar a arte que não se comprometia com mudanças políticas e sociais. Num debate ocorrido na Faculdade de Filosofia de Natal, posicionou-se contra o universalismo de Gil e Caetano, porque era criado “um estado de espírito que nós realmente não sentimos”. Vandré, inclusive, era um dos primeiros artistas que a ditadura procurava depois do AI-5. Ele havia participado do III Festival Internacional da Canção com “Pra não dizer que não falei das flores”, canção que se tornou hino contra o regime militar. O compositor foi acolhido pela viúva do escritor Guimarães Rosa, na fazenda da família no sertão mineiro, até o momento de seguir para o auto-exílio.
Há soldados armados / amados ou não / quase todos perdidos / de armas na mão / nos quartéis lhes ensinam / uma antiga lição / de morrer pela pátria / e viver sem razão.” Pra não dizer que não falei das flores, Geraldo Vandré.

       No dia 27 de dezembro foi a vez de Caetano Veloso e Gilberto Gil serem presos. O estopim para a ação foi a última edição do programa Divino, maravilhoso que foi ao ar antes do Natal. Nela, Caetano cantou “Noite feliz” com uma arma apontada para a cabeça. O programa, marcado pela irreverência – apresentando por Gal Costa, Gil e Caetano –, foi exibido durante apenas dois meses pela extinta TV Tupi. Era dirigido por Fernando Faro e Antonio Abujamra, apresentou nomes de cantores debutantes como Jards Macalé e Jorge Ben. As fitas do programa foram destruídas pelos diretores, restando apenas registros fotográficos e na memória de quem fez e assistiu. Divino, maravilhoso era a resposta tropicalista aos programas da TV Excelsior O Fino da Bossa (com Elis Regina e Jair Rodrigues) e Jovem Guarda (com Roberto Carlos, Eramos Carlos e Wanderléia).
Em pé: Jorge Ben, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee e Gal Costa. Abaixados: Sérgio Dias e Arnaldo Baptista. No dia da estreia do programa Divino, maravilhoso (28/10/68).
O programa era marcado por atuações irreverentes que não agradavam nem um pouco aos militares.

       De volta à prisão de Gil e Caetano, durante dois meses fizeram um tour por vários quartéis, até que, após o Carnaval de 1969, passaram a viver sob o regime de “confinamento” em Salvador – tendo de se apresentar diariamente ao chefe da Polícia Militar. Em seguida, foram “convidados” a deixar o país e iniciaram o auto-exílio em Londres.
       Movimentos e consequências à parte, no cenário da época, a participação nordestina e, em especial, a pernambucana foi muito enriquecedora, ainda que seu estudo seja menos tradicional diante das demais ações culturais que permearam o Brasil de 1968 em diante.


       Quando Gil veio lançar seu primeiro LP, Louvação (1967), em Recife, acabou passando uma temporada de um mês no teatro Hermilo Borba Filho, apresentando-se junto a Geraldo Azevedo e, os que viriam a ser integrantes do Quinteto Violado, Marcelo Melo e Luciano Pimentel. Conviveu com pessoas como Jomard Muniz de Britto, Aristides Guimarães (cantor e compositor à frente da banda Laboratórios de Sons Estranhos, LSE) e outros artistas e intelectuais locais que o mostraram as músicas da região: pastoril profano, maracatu, ciranda, banda de pífano. A junção de todo esse aparato regional à produção individual de Gil, pode ser já notada no segundo LP, Gilberto Gil, do ano seguinte.
Capa do LP homônimo de Gilberto Gil, 1968.

       Acontece que essa convivência não foi por acaso. Eram pessoas daqui que movimentavam a ideia tropicalista no Nordeste. Afinal, em Recife, João Pessoa e Natal, embora poucos admitam – nem mesmo Caetano registrou em seu livro Verdade tropical –, existiu um movimento tropicalista quase que simultâneo ao mais propagado. Em julho de 68, foi lançado o Inventário do Feudalismo Cultural Nordestino, terceiro manifesto tropicalista nordestino, “mais contundente e de maior amplitude” (TELES, 2000). Assinaram o documento: de Pernambuco, Jomard Muniz de Britto, Aristide Guimarães e Celso Marconi; da Paraíba, Marcus Vinicius (pernambucano radicado lá), Carlos Aranha e Raul Córdula; do Rio Grande do Norte, Dailor Varela, Alexis Gurgel, Falves da Silva, Anchieta Fernandes e Moacyr Cirne; e, representando a Bahia, Caetano Veloso e Gilberto Gil.
       Ocorreu no mesmo ano a II Feira de Música Popular do Nordeste, fundamental, inclusive, para a música pernambucana, palco de vários debates que discutiam os rumos da cultura. Conseguiu aglutinar os artistas que trabalhavam separadamente e, sobretudo, passou-se a compor mais. Inclusive pela ausência de registros, mais parece uma geração muito mais engajada do que produtora – só aparência. De todo modo, foi essa tradição de feiras e encontros que na geração seguinte, do início dos anos 70, conseguiu ainda mais fortificar as produções locais. A exemplo da I Feira Experimental de Música do Nordeste, realizada no dia 11 de novembro de 1972, no teatro de Nova Jerusalém, na qual os produtores, sem nenhuma intenção de faturar em cima do projeto, realizaram uma feira livre com entrada franca a fim de unir tudo e qualquer coisa que chegasse para subir aos palcos.
       Dessa vez, sem manifestos, a geração do desbunde pernambucano deixou um vasto legado que convivia em sintonia com a psicodelia pós-Woodstock e a geração beatnik - chegando a ser nomeada beat-psicodelia recifense. Dos tropicalistas, herdaram a necessidade de estarem antenados com o exterior, valorizando os ritmos locais. Música nordestina com linguagem rock'n'roll.
Hey Man, faixa do LP homônimo dos ex-Tamarineira Village, Ave Sangria (1972).

Produções da época. No sentido anti-horário: Satwa (1973) e Marconi Notaro no Sub Reino dos Metazoários  (1973), Paêbirú - Caminho da Montanha do Sol (1975) e Flaviola e o Bando do Sol (1976).

       Eram shows no Beco do Barato, no pátio de São Pedro, no Geraldão, Olinda, Fazenda Nova, no teatro Santa Isabel. O chamado udigrudi recifense, que tinha como guru Lula Côrtes e nomes como Marconi Notaro, Zé Ramalho, Tamarineira Village (depois Ave Sangria), O Phetus, Robertinho do Recife, Flaviola. O perfil dos artistas, as atuações, o som,  o alto nível de experimentalismo e psicodelia mistificaram os personagens que faziam parte dessa cena.  O desagrado por serem tachados como contracultura, refletido na falta de patrocínio, obrigava a emigração dos músicos para a gravação de um LP. Até porque tínhamos aqui a gravadora Rozemblit (que na época já não era tão bem sucedida), mas que, ligada ao tradicional, nunca percebeu que Pernambuco sempre teve vocação para vanguarda e que rock dava dinheiro. Só mais adiante, já no final desse processo musical, foi que Lula Côrtes e Zé Ramalho gravaram o LP Paêbirú - Caminho da Montanha do Sol (1976) utilizando o estúdio da Rozemblit, bancados pela produtora Abrakadabra.
       Esse cenário duvidoso, incentivado pela falta de investimentos, resultou na dispersão dos artistas. Foi uma fase de extrema riqueza experimental que acabou por desembocar num Recife "sem criatividade", por mais de uma década, quando se vê o nascimento do Manguebeat.

Trilha de Sumé, do LP Paêbirú (1975) de Lula Côrtes e Zé Ramalho.

TELES, José. Do frevo ao manguebeat. São Paulo: Ed. 34, 2000.