Por Gabriel Shimoda
Graduando do curso de Jornalismo da UFPE
O presente texto e os textos a seguir irão tratar da obra de Carlos Eduardo Lins da Silva, intitulada Muito Além do Jardim Botânico. O nome, em interpretação livre do nosso grupo, relaciona a obra Muito Além do Jardim com o Jardim Botânico, bairro carioca onde está situado o Projac, estúdio e ilha de edição das Organizações Globo. As partes do livro que iremos tratar ficaram divididas de forma parecida com o sumário do próprio livro: parte I (introdução, que fala da indústria cultural e dos estudos de recepção, objetivos e hipóteses) parte II (metodologia, a TV em Lagoa Seca e Paicará, senso crítico oriundo de outras fontes), parte III (senso crítico proveniente de conhecimento pessoal, senso crítico através do conhecimento dos meios e conclusões). As partes IV, V e VI serão abordadas pelos debatedores, enquanto as primeiras, pelos relatores. O livro foi adaptado de uma tese de doutorado defendida na ECA-USP, pelo próprio autor, daí a divisão semelhante a uma obra científica.
Na apresentação de seu livro, Silva comenta sobre a
arraigada generalização da conexão Globo-ditadura, como se a primeira
funcionasse como uma assessora do governo ditatorial, agindo de forma que
apaziguasse a situação.
O
simplismo desse tipo de generalização não resiste a qualquer análise mais
profunda. Mas ficou tão enraizado entre os opositores do regime militar que
acabou por firmar-se como verdade estabelecida. Sem qualquer tipo de
investigação sistemática, a esquerda brasileira condenou o \Jornal Nacional ao pelourinho e sua audiência – na verdade quase
toda a população – à pecha da alienação. Quem assistia o Jornal Nacional era ”alienado”; quem fazia o Jornal Nacional era “manipulador”. (SILVA, 1985 p.13)
Em relação à indústria cultural, Silva (1985, p. 19) argumenta
que o termo referido ganhou uma conotação pejorativa ao longo dos anos. Ao usar
esse termo, lembramos do Adorno e de seu nojo pela transformação dos produtos
culturais em produtos de massa, em uma explicação mais objetiva. É comum também
associar os bens culturais fatalmente à difusão da ideologia dominante, no caso
a burguesia. No entanto, Silva (1985, p. 21) explica que existem contradições
dentro da lógica da indústria cultural que não permitem essa “teoria da bala
mágica reaplicada”. Afinal, existem interesses diversos dentro da estrutura de
poder e ela não é homogênea, assim como sua audiência não é. Deste modo, é
necessário evitar a visão trágica de que existe uma unidirecionalidade dos
interesses da estrutura dominante em relação à audiência passiva e sem opinião.
Em seguida, Silva (1985, p.22) explica que a relação
entre indústria cultural e Estado não é nada amigável, especialmente na América
Latina. Isso chega a ser um contrassenso, uma vez que a lógica da união desses
dois elementos seria praticamente infalível. Todavia, a Globo, apesar de ser
apoiada pelo Estado, também sofreu censuras especialmente a partir de 1964 e o
auge do antagonismo foi então no AI-5. O motivo para esse conflito bipolarizado
(1985, p. 23-24) se daria devido ao modo como o capitalismo foi formado na
América Latina. Aqui há uma espécie de capitalismo dependente, e o Estado teme
a hegemonia burguesa e a consequente tomada do poder por esta classe. Para
exercer poder, o Estado se aproveita da fraca estrutura de classes (da
sociedade civil) que temos aqui e as oprime com mais vigor, por isso há esse
controle dos mass media mais intenso
do que nos EUA.
No Brasil, a indústria cultural gira em torno da
televisão, uma vez que a tiragem média dos jornais vêm reduzindo bastante,
desde os anos 50. Essa redução é atribuída à falta de interesse em elevar as
tiragens, já que se consegue “ter lucros enormes, nos casos dos diários de
prestígio, sem vender muito” (MARQUES DE MELO, 1983, pp. 8-9 apud SILVA, p. 27). Corroborando sua
tese sobre a televisão, Silva (1985, p.28) recorre aos números: 59,3% do
dinheiro investido em publicidade em 1981 foi para a televisão, contra 17,4%
para os jornais, 11,6% para as revistas e 8,6% para o rádio.
Passando para o telejornalismo,
segundo Silva (1985, p.34), o telejornal é tido originalmente pelos
empreendedores televisivos um ramo não muito rentável. É um produto televisivo
que rende mais prestígio à emissora do que dinheiro. Seus telespectadores são
chamados para consumir o material noticioso, digamos assim, não necessariamente
pela qualidade, mas pela abrangência geográfica da rede que o transmite e pelo
fluxo de audiência que o sucede ou antecede, de acordo com Edward Jay Epstein.(1974,
p.71, apud Silva, 1985, p. 35) - o JN
é comumente transmitido entre duas novelas de audiência notável. Ainda de
acordo com Jay (ibidem), o telejornal precisa manter uma qualidade com um
mínimo aceitável para que o telespectador do jornal não mude de canal. E “só os
espectadores excepcionalmente bem informados são capazes de perceber quando um
telejornal deixou de cobrir um assunto importante ou que sua cobertura foi pior
do que a da concorrência”. Um estudo de caso bastante interessante pôde ser
observado no noticiário que falava da greve dos metalúrgicos do ABC em 1980,
que visou claramente a prejudicar a imagem do movimento e denegri-lo. (A
percepção foi tão clara que alguns funcionários da Globo chegaram a ser
hostilizados na Vila Euclides, bairro carioca). Contudo, em Lagoa Seca, bairro
de Natal, no Rio Grande do Norte, houve um efeito contrário, pois favoreceu
ainda mais para que o movimento se organizasse naquele local, pois funcionou
como catalizador de interesses, pela simples divulgação do movimento.
Concluindo,
com seus objetivos, Silva (1985, p. 43) afirma que seu trabalho é um estudo de
recepção, ou seja, está centrado nos efeitos
que os meios de comunicação de massa podem provocar. Em seguida (ibidem, p.49)
ele afirma que seu trabalho não tem como objetivo assumir os princípios da neutralidade
científica, o que não significa que o cientista deva alterar os dados a seu
bel-prazer, mas que assumir uma roupagem de imparcialidade pode ser perigoso,
por comprometer a credibilidade e a sinceridade do pesquisador. “A simples
escolha da metodologia (...) já é uma tomada de posição política.” (SILVA,
ibidem, p. 49). A imersão do autor nas comunidades de trabalhadores se daria
dessa forma justamente para que ele se afinasse com a realidade local e pudesse
alterar suas percepções comuns, fugindo do estereótipo de “pesquisador de
gabinete”. Em relação às hipóteses, Silva (p. 52-63) acredita que as ideologias
dominantes são efetivas justamente por atender “aparentemente” às necessidades
de todos e por isso, as classes dominadas não percebem esse poder sendo
exercido sobre elas. A esse respeito, ele comenta sobre a mediação ideológica
que:
“se
dá através de eixos semânticos que orientam a interpretação dos fatos, de modo
a garantir uma versão unívoca dos fatos de acordo com o código que as pessoas, no
seu conjunto, aceitam como justos e corretos.” (SILVA, 1985, p. 54)
Comentando sobre o filme Muito Além do Jardim, afirma
outra hipótese da tese: “os indivíduos podem ver a mesma coisa mas perceber
significados diferentes dependendo do contexto sócio-cultural (...) do seu
conjunto de expectativas diante da mensagem e dos seus referenciais
semânticos.” (SILVA, ibidem, p. 57). De forma geral, ele comenta sobre mais
cinco hipóteses:
- Grau de interferência
externa, além da TV, como variável importante a ser estudada;
- Quanto maior o grau
de conhecimento a respeito do assunto retratado (advindo de experiência
pessoal), mais chance ela tem de ser melhor criticada.
- Grau de conhecimento
acerca do veículo e sobre seus processos é importante, como por exemplo, uma
visita à uma emissora de televisão.
- Nível da instituição
da organização social a qual o indivíduo está filiado como fator importante
para o conhecimento crítico acerca da TV.
- Hipótese final: os
efeitos do Jornal Nacional “sobre a
representação do real que os trabalhadores fazem não é, provavelmente, tão
decisiva como se costuma dizer, em especial no caso dos que militam em algum
tipo de movimento social ou político.” (SILVA, ibidem, p. 61)