terça-feira, 31 de julho de 2012

Muito Além do Jardim Botânico – Texto 1

Por Gabriel Shimoda
Graduando do curso de Jornalismo da UFPE






O presente texto e os textos a seguir irão tratar da obra de Carlos Eduardo Lins da Silva, intitulada Muito Além do Jardim Botânico. O nome, em interpretação livre do nosso grupo, relaciona a obra Muito Além do Jardim com o Jardim Botânico, bairro carioca onde está situado o Projac, estúdio e ilha de edição das Organizações Globo. As partes do livro que iremos tratar ficaram divididas de forma parecida com o sumário do próprio livro: parte I (introdução, que fala da indústria cultural e dos estudos de recepção, objetivos e hipóteses) parte II (metodologia, a TV em Lagoa Seca e Paicará, senso crítico oriundo de outras fontes), parte III (senso crítico proveniente de conhecimento pessoal, senso crítico através do conhecimento dos meios e conclusões). As partes IV, V e VI serão abordadas pelos debatedores, enquanto as primeiras, pelos relatores. O livro foi adaptado de uma tese de doutorado defendida na ECA-USP, pelo próprio autor, daí a divisão semelhante a uma obra científica.

Na apresentação de seu livro, Silva comenta sobre a arraigada generalização da conexão Globo-ditadura, como se a primeira funcionasse como uma assessora do governo ditatorial, agindo de forma que apaziguasse a situação.


O simplismo desse tipo de generalização não resiste a qualquer análise mais profunda. Mas ficou tão enraizado entre os opositores do regime militar que acabou por firmar-se como verdade estabelecida. Sem qualquer tipo de investigação sistemática, a esquerda brasileira condenou o \Jornal Nacional ao pelourinho e sua audiência – na verdade quase toda a população – à pecha da alienação. Quem assistia o Jornal Nacional era ”alienado”; quem fazia o Jornal Nacional era “manipulador”. (SILVA, 1985 p.13)
            
Em relação à indústria cultural, Silva (1985, p. 19) argumenta que o termo referido ganhou uma conotação pejorativa ao longo dos anos. Ao usar esse termo, lembramos do Adorno e de seu nojo pela transformação dos produtos culturais em produtos de massa, em uma explicação mais objetiva. É comum também associar os bens culturais fatalmente à difusão da ideologia dominante, no caso a burguesia. No entanto, Silva (1985, p. 21) explica que existem contradições dentro da lógica da indústria cultural que não permitem essa “teoria da bala mágica reaplicada”. Afinal, existem interesses diversos dentro da estrutura de poder e ela não é homogênea, assim como sua audiência não é. Deste modo, é necessário evitar a visão trágica de que existe uma unidirecionalidade dos interesses da estrutura dominante em relação à audiência passiva e sem opinião.

Em seguida, Silva (1985, p.22) explica que a relação entre indústria cultural e Estado não é nada amigável, especialmente na América Latina. Isso chega a ser um contrassenso, uma vez que a lógica da união desses dois elementos seria praticamente infalível. Todavia, a Globo, apesar de ser apoiada pelo Estado, também sofreu censuras especialmente a partir de 1964 e o auge do antagonismo foi então no AI-5. O motivo para esse conflito bipolarizado (1985, p. 23-24) se daria devido ao modo como o capitalismo foi formado na América Latina. Aqui há uma espécie de capitalismo dependente, e o Estado teme a hegemonia burguesa e a consequente tomada do poder por esta classe. Para exercer poder, o Estado se aproveita da fraca estrutura de classes (da sociedade civil) que temos aqui e as oprime com mais vigor, por isso há esse controle dos mass media mais intenso do que nos EUA.
           
No Brasil, a indústria cultural gira em torno da televisão, uma vez que a tiragem média dos jornais vêm reduzindo bastante, desde os anos 50. Essa redução é atribuída à falta de interesse em elevar as tiragens, já que se consegue “ter lucros enormes, nos casos dos diários de prestígio, sem vender muito” (MARQUES DE MELO, 1983, pp. 8-9 apud SILVA, p. 27). Corroborando sua tese sobre a televisão, Silva (1985, p.28) recorre aos números: 59,3% do dinheiro investido em publicidade em 1981 foi para a televisão, contra 17,4% para os jornais, 11,6% para as revistas e 8,6% para o rádio.

Passando para o telejornalismo, segundo Silva (1985, p.34), o telejornal é tido originalmente pelos empreendedores televisivos um ramo não muito rentável. É um produto televisivo que rende mais prestígio à emissora do que dinheiro. Seus telespectadores são chamados para consumir o material noticioso, digamos assim, não necessariamente pela qualidade, mas pela abrangência geográfica da rede que o transmite e pelo fluxo de audiência que o sucede ou antecede, de acordo com Edward Jay Epstein.(1974, p.71, apud Silva, 1985, p. 35) - o JN é comumente transmitido entre duas novelas de audiência notável. Ainda de acordo com Jay (ibidem), o telejornal precisa manter uma qualidade com um mínimo aceitável para que o telespectador do jornal não mude de canal. E “só os espectadores excepcionalmente bem informados são capazes de perceber quando um telejornal deixou de cobrir um assunto importante ou que sua cobertura foi pior do que a da concorrência”. Um estudo de caso bastante interessante pôde ser observado no noticiário que falava da greve dos metalúrgicos do ABC em 1980, que visou claramente a prejudicar a imagem do movimento e denegri-lo. (A percepção foi tão clara que alguns funcionários da Globo chegaram a ser hostilizados na Vila Euclides, bairro carioca). Contudo, em Lagoa Seca, bairro de Natal, no Rio Grande do Norte, houve um efeito contrário, pois favoreceu ainda mais para que o movimento se organizasse naquele local, pois funcionou como catalizador de interesses, pela simples divulgação do movimento.

Concluindo, com seus objetivos, Silva (1985, p. 43) afirma que seu trabalho é um estudo de recepção, ou seja, está centrado nos efeitos que os meios de comunicação de massa podem provocar. Em seguida (ibidem, p.49) ele afirma que seu trabalho não tem como objetivo assumir os princípios da neutralidade científica, o que não significa que o cientista deva alterar os dados a seu bel-prazer, mas que assumir uma roupagem de imparcialidade pode ser perigoso, por comprometer a credibilidade e a sinceridade do pesquisador. “A simples escolha da metodologia (...) já é uma tomada de posição política.” (SILVA, ibidem, p. 49). A imersão do autor nas comunidades de trabalhadores se daria dessa forma justamente para que ele se afinasse com a realidade local e pudesse alterar suas percepções comuns, fugindo do estereótipo de “pesquisador de gabinete”. Em relação às hipóteses, Silva (p. 52-63) acredita que as ideologias dominantes são efetivas justamente por atender “aparentemente” às necessidades de todos e por isso, as classes dominadas não percebem esse poder sendo exercido sobre elas. A esse respeito, ele comenta sobre a mediação ideológica que:

“se dá através de eixos semânticos que orientam a interpretação dos fatos, de modo a garantir uma versão unívoca dos fatos de acordo com o código que as pessoas, no seu conjunto, aceitam como justos e corretos.” (SILVA, 1985, p. 54)
            
Comentando sobre o filme Muito Além do Jardim, afirma outra hipótese da tese: “os indivíduos podem ver a mesma coisa mas perceber significados diferentes dependendo do contexto sócio-cultural (...) do seu conjunto de expectativas diante da mensagem e dos seus referenciais semânticos.” (SILVA, ibidem, p. 57). De forma geral, ele comenta sobre mais cinco hipóteses:

- Grau de interferência externa, além da TV, como variável importante a ser estudada;

- Quanto maior o grau de conhecimento a respeito do assunto retratado (advindo de experiência pessoal), mais chance ela tem de ser melhor criticada.

- Grau de conhecimento acerca do veículo e sobre seus processos é importante, como por exemplo, uma visita à uma emissora de televisão.

- Nível da instituição da organização social a qual o indivíduo está filiado como fator importante para o conhecimento crítico acerca da TV.

- Hipótese final: os efeitos do Jornal Nacional “sobre a representação do real que os trabalhadores fazem não é, provavelmente, tão decisiva como se costuma dizer, em especial no caso dos que militam em algum tipo de movimento social ou político.” (SILVA, ibidem, p. 61)

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Mangue Beat e "nordestinidade"

por Francielle Kelner


                Apesar de Felipe Trotta destacar, em "A reinvenção musical do Nordeste" que a sanfona e o sorriso de Luiz Gonzaga são os grandes elementos identitários da cultura nordestina, outros ritmos e artistas também se esforçaram para desenvolver narrativas que caracterizam a região, como no caso do Mangue Beat. Com origem em Recife, o "manguebit" surgiu a partir da mistura de ritmos regionais, como o rock, o maracatu, o hip hop e a música eletrônica.

         Apesar de ter nascido no mangue e criticar a situação socioeconômica do Recife, o ritmo não se limita à realidade desta cidade, mas de vários outros Estados brasileiros, uma vez que a desigualdade social é um de seus principais temas. O fato é que Chico Science conseguiu expor musicalmente a realidade de um povo através do uso de narrativas plurais, fugindo dos estereótipos da “nordestinidade”, que são, principalmente, a seca e o sertanejo. Essa pluralidade e riqueza de elementos foram justificadas na intenção de formar uma cena musical que consagrasse a bandeira da diversidade, influenciando bandas de todo o Brasil, além de trabalhos no cinema, na moda e nas artes plásticas.

Grandes críticos da música, como Xico Sá, consideram o Mangue Beat um dos ritmos que mais exaltaram a cultura popular do Nordeste, trazendo de volta a Recife o posto de grande centro musical sem fazer uso de sermões puristas, que foram bastante pregados por figuras e personalidades “folclóricas” da região.

         “Chico Science e sua Nação Zumbi sacudiram a autoestima de uma pá de gente e levaram uma legião de garotos para o terreiro do maracatu. Sem carecer de discursos chatos ou mofadas teorias sobre o nacional popular” (trecho de “A Batida Veloz contra as teorias”). 

No ensaio de Felipe Trotta, quando o autor aponta o Forró Eletrônico como um ritmo que vem tentando desconstruir a narrativa hegemônica do “pé de serra” em um processo conflituoso de reprocessamento musical, é bastante criticada a prática de subjugar um pedaço tão amplo de terra a um ritmo unificador. Isso acontece quando artistas buscam expor suas impressões com a intenção de falar em nome de uma região, narrar a sua história através de referências basicamente locais, regionalizando seus ritmos.

Com o Mangue Beat, o processo foi diferente. O ritmo conseguiu unir vários sons em uma grande festa, exaltando a pluralidade de referências estéticas, além da diversidade de imagens e elementos sonoros. O manguebit é tido, enfim, como um tipo peculiar de nordestinidade, que não precisou desconstruir uma narrativa e lutar contra hegemonias para conquistar seu território; não procurou recontar uma história, nem criar novos personagens, mas levou toda essa mistura de elementos já existentes para dialogar com o contemporâneo, não reinventando, mas consagrando a música do Nordeste.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Sinais de Vida – Werner Herzog e o Cinema

Por Houldine Nascimento
Estudante do curso de Jornalismo da UFPE

Um dos principais nomes do cinema alemão, Werner Herzog não teve durante bom tempo grande parte de sua filmografia circulando em Portugal. Isso só se tornou possível em 2009, quando foi organizada pelo IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema Independente uma retrospectiva com a maioria dos seus trabalhos. Até agora, uma carreira de 50 anos e mais de 60 projetos rodados. Visto pelo filósofo francês Gilles Deleuze como "o mais metafísico dos autores de cinema", o diretor possui obras que marcaram presença na história desta arte por vários motivos, casos de Fitzcarraldo, Aguirre – a cólera dos deuses e O enigma de Kaspar Hauser.
Aproveitando a ocasião, aconteceu o lançamento da edição portuguesa de Sinais de Vida – Werner Herzog e o Cinema. Originalmente publicado na Itália, em 2008, o livro traz uma longa entrevista realizada pela jornalista e crítica de cinema Grazia Paganelli com o diretor. Com a premissa de discorrer sobre a trajetória de Herzog na sétima arte, a autora também deu espaço para que ele abordasse outros assuntos por vezes polêmicos.
A disposição dos capítulos se dá sempre com um capítulo introdutório elaborado por Grazia, funcionando como uma espécie de preparativo para o trecho da entrevista que o sucede. No decorrer do texto, conhecemos os pensamentos de Herzog acerca de seus filmes. Um momento interessante é quando a jornalista lhe indaga o Manifesto de Oberhausen (1962), que surgiu no mesmo ano de Hércules (“Herakles”), seu primeiro filme. Apesar de ter recebido o convite dos realizadores envolvidos para assinar o documento que dá início ao Novo Cinema Alemão (corrente preocupada com questões político-sociais), o diretor explica por que não aceitou participar do movimento:
O Manifesto não me influenciou nada. Fui convidado para assinar, mas recusei porque não gostei da atitude deles, era muito derivativa da Nouvelle Vague francesa. Além disso, não gostava dos realizadores que estavam a organizá-lo. Sentia que não se tornariam realizadores interessantes e que a história em breve os esqueceria. Olhando para eles, fiquei logo com a impressão de que eram pessoas de talento limitado, pessoas medíocres que tentavam imitar a Nouvelle Vague. De maneira que o Manifesto não teve qualquer influência em Herakles. Tive de inventar o cinema como se fosse o inventor da câmera de filmar. (p.26)
Werner Herzog e elenco de "O enigma de Kaspar Hauser"
  Outro momento discutível é o seu ponto de vista sobre atores oriundos do teatro. Grazia Paganelli chegou a perguntar por que não costuma utilizá-los. “Às vezes acontece, mas é difícil retirá-los ao mundo da representação teatral, que é completamente diferente. Quando a câmera está apenas a alguns centímetros das caras deles, a mais leve mudança é já demais e sussurrar a um nível mesmo que minimamente mais alto é completamente ridículo e incorreto. Quando vejo filmes, percebo imediatamente, mesmo à légua, se um ator vem do teatro e não acredito numa só palavra do que diz. E isto demonstra como o teatro se tornou morto, sem vida e desprovido de inspiração. Para mim, é impossível ver teatro”. (p.59)
O livro serve também para quebrar um estereótipo em torno da figura de Werner Herzog, o de “cineasta aventureiro”. Essa aura de realizador de extremos surgiu por toda a dificuldade do processo de feitura de suas obras, como em Fitzcarraldo, quando um barco enorme sobe uma colina. De acordo com ele próprio, nada mais é que um “contador de histórias”. Ainda sobre 'Fitzcarraldo', um fato curioso relatado é que o argumento do filme foi desenvolvido durante a estadia de Herzog na casa do cineasta americano Francis Ford Coppola ("O Poderoso Chefão", "A Conversação", "Apocalypse Now").
Enquanto que para o colega de profissão e amigo Wim Wenders o enquadramento se revela a parte mais importante do filme, para Herzog, o som é o elemento fundamental. “Acredito mesmo que é o elemento mais significativo na realização profissional. Não se trata apenas da música – mesmo que a música tenha muito significado nesse filme (referindo-se a 'Hércules') – mas como usar o som em combinação com a música”. (p.27)
Rainer Fassbinder, Herzog e Wim Wenders em cena do documentário para TV "Quarto 666"
Embora tivesse certa repulsa à música quando criança, chegando a não querer cantar por diversas vezes na escola, o diretor acabou criando uma paixão por esta arte, tanto que passou a encenar óperas. Ele crê numa grande proximidade entre o cinema e a música: “Sei, simplesmente, que há uma relação muito estreita entre cinema e música, algo que não existe, por outro lado, entre o cinema e a literatura ou o cinema e o teatro. Acho que me ajudou ter estado “separado” da música durante a adolescência; Porque o professor tentava forçar-me a cantar na frente dos outros alunos, me portava como uma criança ‘autista’ e recusava.” (p.175)
Não fica ausente da publicação a conturbada relação desenvolvida entre o cineasta e o seu ator preferido, Klaus Kinski, com quem dividiu um apartamento na infância. “Eu sabia naquele momento que me tornaria um diretor de cinema e iria dirigir Kinski”. (WIKIPEDIA) Werner o dirigiu em cinco longas (Aguirre, Nosferatu, Woyzeck, Fitzcarraldo e Cobra Verde). Herzog chegou, inclusive, a realizar um documentário sobre os dois, Meu melhor inimigo.
Herzog e Klaus Kinski em mais um "momento de amor e ódio" em "Meu Melhor Inimigo"
Quem teve o privilégio de assistir a pelo menos duas ou três de suas fitas sabe que a paisagem tem um significado importantíssimo nas obras do diretor, é praticamente uma personagem. Herzog revela que ideias para alguns dos seus filmes nasceram de paisagens, como os moinhos de vento presentes no longa-metragem Sinais de Vida.
O livro ainda traz imagens do diretor em seus filmes, um artigo escrito por Werner para um congresso sobre artes e a filmografia completa até 2008, com ficha técnica e resumo de suas produções. A leitura de “Sinais de Vida…” se revela bastante fluída e prazerosa, servindo para conhecer de forma aprofundada este que é um dos grandes autores do cinema alemão e os bastidores dos seus trabalhos, contados por ele. Uma obra recomendada para qualquer cinéfilo!
  
Filmografia citada de outros cineastas:
"Apocalypse Now" (idem, 1979), "A Conversação" (The Conversation, 1974), "O Poderoso Chefão" (The Godfather, 1972), de Francis Ford Coppola
"Quarto 666" (Chambre 666, 1982), de Wim Wenders
Link
Trailers
"Sinais de Vida" (Lebenszeichen, 1968)
"O Enigma de Kaspar Hauser" (Jeder für sich und Gott gegen alle, 1974)
"Fitzcarraldo" (idem, 1982)
"Meu melhor inimigo" (Mein liebster Feind - Klaus Kinski, 1999)

Referências bibliográficas
PAGANELLI, Grazia. Sinais de Vida: Werner Herzog e o Cinema. Lisboa: Edições 70, 2009. 304 p. ISBN 9789724415475 (capa mole)
WIKIPEDIA. Werner Herzog. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Werner_Herzog>. Acesso em: 15/07/2012 às 15:05.


Grupo da disciplina de Psicologia da Comunicação: Houldine Nascimento; Wanderley Andrade

O cinema de Werner Herzog, segundo Lúcia Nagib

Por Wanderley Andrade


“Quantas cores há num gramado para o bebê que engatinha, ainda não consciente do verde?” A frase  de um dos principais expoentes do New American Cinema, Stan Brakhage, traduz muito bem, mesmo que de forma figurada, a essência do trabalho de Herzog. O olhar virgem, a busca pelo novo, por imagens nunca vistas irão acompanhar grande parte de seus filmes. E é nesse contexto que Lúcia Nagib vai basear seu livro Werner Herzog, O Cinema como Realidade.
Lúcia Nagib nasceu em São Paulo no ano de 1956. Na época em que escreveu o citado livro, era assessora da Cinemateca Brasileira e crítica de cinema e literatura da Folha de São Paulo. Traduziu para o português um dos livros de Herzog, Caminhando no Gelo.
Em Werner Herzog, O Cinema como Realidade, Lúcia conta, a princípio, um pouco da história do cineasta alemão. Werner Herzog passou sua infância nas montanhas do interior bávaro, quase que isolado da vida urbana, tanto que veio falar ao telefone pela primeira vez aos quinze anos. Apesar disso, em entrevista dada à autora, afirmou “não ter qualquer experiência rural ou de relação direta com a terra”.
Mais adiante somos apresentados a um Herzog experimentalista. Seus trabalhos iniciais serviram de laboratório para o que viria pela frente. O cineasta alemão produziu alguns curtas e médias-metragens entre 1965 e 1970. Entre eles, Lúcia destaca o Últimas Palavras, curta-metragem rodado nas ilhas de Creta e Sinalonga, na Grécia, que mostra alguns personagens imóveis diante da câmera repetindo as mesmas frases ininterruptamente. Em seus trabalhos iniciais a repetição é um fator predominante, tanto das imagens, como também dos sons.
O primeiro longa de Herzog foi Hércules, feito entre 1962 e 1965, que mostra halterofilistas exibindo suas musculaturas durante seus treinamentos. Mas dentre os primeiros longas realizados por Herzog, destacam-se Fata Morgana e Os Anões também começaram pequenos. São filmes nos quais o cineasta explorou ao máximo sua criatividade e originalidade, fugindo assim do lugar comum das produções comerciais.

Herzog e a miragem

Começa o filme. Na primeira cena, um avião pousa lentamente. Quando, enfim, consegue tocar o solo, a cena é cortada de forma brusca. Através do mesmo enquadramento, presenciamos outro pouso, tão “rápido” quanto o anterior. A aeronave toca a pista e, mais uma vez a cena é cortada. Para desespero do espectador, surge outro avião. Enfim, ao todo, a situação se repete oito vezes. Este é Fata Morgana, um entre tantos outros filmes polêmicos de Werner Herzog.
Lançado em 1970, é um misto de documentário e ficção. Seu título significa miragem. Na verdade, algumas cenas do filme parecem grandes miragens. A princípio, Herzog queria rodar uma ficção científica, mas ao iniciar as filmagens, jogou fora o roteiro. Literalmente. O filme não tem um enredo definido, fugindo assim à estrutura narrativa. Segundo Lúcia Nagib, Fata Morgana se destina, pelo menos num primeiro momento, à fruição sensível, como a que exige a execução de uma peça musical. Diante disso, o uso da imagem aliada à música é essencial na obtenção do efeito desejado.
O filme é dividido em três partes: Criação, Paraíso e A Idade de Ouro. Ele é narrado por Lotte Eisner, uma cineasta alemã pela qual Herzog nutria na época grande admiração.

Influencia romântica e brasileira

Segundo Lúcia Nagib, Herzog é considerado o cineasta mais romântico da nova geração do cinema alemão, pois retomou obras do auge do romantismo daquele país. Seu filme mais conhecido, O Enigma de Kaspar Hauser, é um bom exemplo disso. Ele foi inspirado no livro de Anselm Von Feuerbach, feito em 1832, que relata a história do Jovem Kaspar. Apesar da postura romântica ser uma característica da juventude, Herzog procura desmistificar a idéia não abrindo, na maioria de suas histórias, espaço para personagens jovens.
A obra de Herzog também sofreu influencia do cinema brasileiro. O Cinema Novo nos anos 60, com os filmes dos cineastas Ruy Guerra e Glauber Rocha, serviram de inspiração para o alemão. A busca por uma identidade, a luta contra o conformismo e a descoberta da própria realidade, foram pontos em comum compartilhados pelos cineastas dos dois países. A admiração pelos brasileiros foi tamanha que Herzog convidou Ruy Guerra para desempenhar um papel de destaque em Aguirre (1972).

Participação de Ruy Guerra no filme Aguirre (1972)

Entrevista com o cineasta

Mais adiante, Lúcia apresenta a entrevista que realizou com Herzog no dia 05 de maio de 1986. Nela, o cineasta revela detalhes de sua infância, fala sobre seu contato com a natureza, além da paixão pelos esportes, inclusive o futebol. Fala de sua atitude em relação à crítica de cinema e também de sua amizade com Glauber Rocha.

Enfim, este é o Herzog apresentado por Lúcia Nagib. Concluo o texto com uma de suas frases proferida  durante a entrevista, que o retrata muito bem:

Eu não sou nenhum artista, sou alguém que trabalha, isto é, arte não existe no meu caso, apenas trabalho”.

Trailers:

Referência bibliográfica     
NAGIB, Lúcia. Werner Herzog: O Cinema como Realidade / Lúcia Nagib. – São Paulo: Estação Liberdade, 1991.

Psicologia da comunicação: Houldine Nascimento; Wanderley Andrade 

domingo, 15 de julho de 2012

Dimensões culturais para a crise financeira

Por Caroline Melo, Cláudia Ferreira, Igor de Queiroz, 
Robson Gomes e Suzana Mateus.
Discentes do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco

Capa do livro A Cultura na Crise
Apresentação
O livro A cultura na crise trata-se de uma reunião de textos de vários pensadores que possuem em comum a abordagem da cultura contemporânea em meio às diversas crises proporcionadas pelo capitalismo e pela globalização da economia.
Um dos textos presentes no livro, o intitulado: Dimensões culturais para a crise financeira”, de Leonardo Brant, nos concede uma boa perspectiva de como as crises dos nossos tempos afetam os valores e princípios sociais, sobretudo a construção subjetiva dos indivíduos.
Tendo por base a crise de 2008, esse texto e também os demais que se encontram no livro explanam os efeitos negativos que o capitalismo contemporâneo, em sua atuação e abrangência, vem proporcionando ao mundo artístico e social.

Crise de 2008, um breve histórico
A principal causa da crise econômica de 2008 foi o desequilíbrio da maior economia do mundo, os Estados Unidos da América. Após a ofensiva terrorista de 11 de setembro, os EUA se envolveram em duas grandes guerras, Afeganistão e Iraque, e começaram a gastar mais do que deveriam. Ao mesmo tempo que o governo americano investia dinheiro na guerra, a economia do país já não ia muito bem – uma das razões é que os Estados Unidos estavam importando mais do que exportando.
Com a ajuda financeira da Inglaterra e da China, os bancos americanos passaram a oferecer mais crédito com baixa taxa de juros. Com isso, aumentou índice de consumo, principalmente na compra de imóveis, que começaram a se valorizar. Entretanto, com a alta dos juros, a procura por imóveis diminuiu e os preços caíram provocando a inadimplência.
Os grandes bancos americanos foram fortemente afetados por essa inadimplência, havendo a necessidade de ajuda financeira do governo. Após muitas críticas e pressão política a respeito desse “auxílio” financeiro, o governo americano decidiu não mais injetar dinheiro nas instituições de crédito do país, o que ocasionou a falência de muitas delas, entre as quais o famoso banco Lehman Brothers.
Porém, a economia mundial baseia-se em relações de interdependência. Com isso, outras economias que mantinham negócios com os EUA sofreram as consequências dessa crise iniciada no grande centro econômico mundial.

Relato: A visão de Brant acerca das crises contemporâneas
“A crise financeira é, antes de qualquer coisa, uma crise ética, de valores e princípios, de convivência e de diálogo (pag.18)”. É a partir desse aspecto que Leonard Brant desenvolve sua teoria acerca da última crise que abateu a economia mundial. Apesar de o capitalismo ter se revelado o grande gerador da pobreza e da má distribuição de renda, segundo Brant, não deixou de ser para os indivíduos, “o paradigma inabalável do desenvolvimento”.
De acordo com o autor, essa crise ética está fundamentada nesse modo de produção vigente, para o qual direcionamos todos os nossos esforços em detrimento do bem estar social, da igualdade e da solidariedade. Para a manutenção do império do capital, o homem, além de consumir de maneira abusiva os recursos da natureza, se empenha em promover os interesses de um número de indivíduos cada vez menor e acaba por se distanciar cada vez mais de sua subjetividade, tendo sua autonomia cerceada.
Nesse sentido, a arte, agora em crise para Brant, assume outro significado, pois, ao invés de traduzir as contradições da alma humana, passa a servir como um instrumento de reprodução do capitalismo a partir do momento em que é consumida na forma de entretenimento. Brant afirma: “de sua condição única e insubstituível de dar forma às utopias, passa a mera reprodutora de um sistema que incapacita para o exercício desse olhar mais agudo, sensível e criativo (pag.19)”.
Por consequência, essa tensão, apontada pelo autor, entre liberdade e participação põe o Estado em crise também, sobretudo em sua relação às políticas adotadas sobre o setor cultural. Se, por um lado, o Estado incentiva a participação dos grandes conglomerados de mídia e entretenimento internacionais em nossa cultura, negligenciando as empresas locais, por outro, eleva essa indústria local reforçando uma relação entre ela e o Estado, como uma forma de evitar o avanço em demasia da indústria cultural internacional, que descaracterizaria a cultura local. Essa relação seria positiva se não constituísse um elo de dependência, uma relação que Brant afirma ser “imbricada”, visto que as políticas culturais não têm avançado no país em relação ao financiamento às artes.
Desse modo, para o autor, o Estado não deveria ter a cultura como apenas entretenimento e lazer, um tema secundário a se discutir, como se vê ocorrer no Brasil, mas, pelo contrário, deveria inseri-la em sua lista de prioridades, em virtude dela ser o elemento capaz de proporcionar mudanças verdadeiras nas relações sociais e políticas e, por conseguinte, na economia: “propõe-se, assim, um novo passo em direção à ética nas relações socioeconômicas, com o entendimento de que a cultura é o ponto de partida para um projeto de nação, para o desenvolvimento social, para as oportunidades econômicas, mercados potentes, empresas inovadoras, brasileiros capazes, competentes e livres (pag.21)”. A cultura consistiria, nesse sentido, no elemento, baseado nos valores humanos, de estímulo à diversidade e, portanto, ativação de uma sociedade plural e participativa.

Dimensões culturais para a crise financeira (Parte II)

Por Caroline Melo, Cláudia Ferreira, Igor de Queiroz, 
Robson Gomes e Suzana Mateus.
Discentes do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco

Debate: Crises, capitalismo, cultura e subjetividade
Brant conta que a “crise financeira é uma crise ética, de valores e princípios”, onde os lucros são valorizados demais. A arte, que supostamente serviria para interpretar o ser humano em sua individualidade, acaba por adquirir um fundo consumista e, assim, reafirma o poder que as finanças têm de mover a sociedade.
O cenário descrito por ele se torna mais obscuro quando é observado que há produção de riquezas pelo Estado, mas ela não é bem distribuída. Piora quando percebemos que o valor da cultura foi reconhecido, a indústria cultural foi impulsionada e as riquezas que mencionei são, em parte, resultado da exploração econômica da cultura.
E no meio da crise estamos nós, como produtores (ou reprodutores) da cultura. No Brasil, a cena é composta por uma negligência de suas indústrias nacionais e a concessão de privilégios aos grandes conglomerados internacionais de mídia. Os agentes de cultura popular passam a depender fortemente do Estado que, até certo ponto, os protege da internacionalização, guardando como relíquia suas produções simples e características do povo. A cultura é ponto de partida para um projeto de nação, para o desenvolvimento social, as oportunidades da economia. Ela pode ativar mecanismo de participação social, pôr o homem em primeiro lugar e a capitalização a seu serviço. Um sujeito que está confortável consigo consegue cooperar com todos os outros num conjunto, mas deve antes reconhecer a própria identidade no meio deles, e a diferença entre seu grupo social e os dos outros.
Quando a economia coincide com a cultura, a especulação financeira torna-se cultural e a cultura é norteada por intenções de produção de mercadorias. E a mídia pode ter uma participação bastante expressiva na composição desse quadro, uma vez que tem um papel no mercado (para alguns, é como se fosse sua principal função: movimentar dinheiro). Atualmente a formação da subjetividade do sujeito passa pela comunicação de massa, para perto dela e pede-lhe conselhos.
Autores frankfurtianos apontam a tendência da construção de uma cultura homogeneizada pelos meios de comunicação de massa, fazendo o particular e a diferença se perderem no esquecimento. Aparecem o conformismo, a resignação política, a passividade. Há outros estudiosos que não pensam da mesma maneira e afirmam que o conhecimento de culturas diferentes não favorece a padronização, mas uma maior consciência da cultura própria e a aceitação – ou mesmo a valorização – das singularidades da nação à qual o homem pertence.

Segue abaixo o documentário dirigido por Leonardo Brant diretamente ligado a temática abordada acima:



Referências Bibliográficas
BRANT, Leonardo. Dimensões culturais para a crise financeira. In: A crise na cultura/ Affonso Reis... ET AL. – Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 114p. il. – (Coleção estudos da Cultura. Série encontros, v.III)
CAMPOS, Cristiana Caldas Guimarães de; SOUZA, Solange Jobim e. Mídia, cultura do consumo e constituição da subjetividade na infância. In: Psicologia ciência e profissão, 2003, 23 (1) 12-21.
MANCEBO, Deise. Globalização, cultura e subjetividade: discussão a partir dos meios de comunicação de massa. In:  Psicologia: Teoria e pesquisa, Set-Dez, 2002, vol.18, n.3. PP. 289-295.
SANCHES, Isabelle de Paiva; MAHFOUD, Miguel. Interação e construção: o sujeito e o conhecimento no construtivismo de Piaget. In: Ciências & cognição, 2007; vol 12: 165 – 177. <http://www.cienciasecognicao.org>.

sábado, 14 de julho de 2012

Ciência precisa de tempo


Por Gabriel Varela Lopes
Estudante de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Universidade Federal de Pernambuco


"Nós somos cientistas. Nós não blogamos. Nós não tuitamos. Nós necessitamos do nosso tempo."



Assim começa o manifesto da Slow Science iniciado na Alemanha que prega liberdade no tempo de publicação de trabalhos científicos. O número de publicações e artigos em revistas científicas é referencial para definição de quantidade de recursos para áreas de Biológicas e Exatas, por exemplo, e ainda é considerado ponto importante na avaliação de pesquisadores nas áreas de Ciências Sociais e Humanas. "Antes a qualidade, do que a quantidade" é praticamente um lema para os cientistas que aderiram (não existe adesão formal) ao movimento Slow Science. Segundo eles, o tipo de avaliação que baseia-se no número de publicações estimula apenas pesquisas em curto prazo e propicia conclusões precipitadas. A saúde do profissional também é levada em conta e a Slow Science supostamente preveniria os pesquisadores de problemas como stress, por conta da pressão exercida em produção de publicação desenfreada.

Abaixo, a continuação do manifesto do movimento Slow Science:

"Não nos levem a mal – dizemos sim para a ciência acelerada do início do século 21. Dizemos sim ao constante fluxo de publicações em revista e medição de seu impacto; dizemos sim para blogs de ciência e atendimento das necessidades de mídia; dizemos sim à crescente especialização e diversificação em todas as disciplinas. Nós também dizemos sim para investigar a retroalimentação dos cuidados de saúde e a prosperidade futura. Todos nós estamos também neste jogo. 

No entanto, sustentamos que isto não pode ser tudo. Ciência precisa de tempo para pensar. Ciência precisa de tempo para ler, e tempo para falhar. A ciência nem sempre sabe o que pode estar certo apenas agora. Ciência se desenvolve de maneira vacilante, com movimentos bruscos e saltos imprevisíveis para a frente. Ao mesmo tempo, no entanto, arrasta-se por aproximação em escala muito lenta, para a qual deve haver tolerância de maneira que seu resultado seja justo.

Ciência lenta foi praticamente a única ciência concebível por centenas de anos; hoje, argumentamos, essa lentidão merece renascer e ter necessidade de proteção. A sociedade deve dar aos cientistas o tempo necessário, mas, mais importante, os cientistas devem adequar seu tempo.

Precisamos de tempo para pensar. Precisamos de tempo para digerir. Precisamos de tempo para entender bem uns aos outros, especialmente, para a promoção do diálogo perdido entre humanidades e ciências naturais. Nós não podemos dizer, continuamente, o que nossa ciência significa, o que será bom para ela, porque nós simplesmente ainda não sabemos. Ciência precisa de tempo."

Aqui você encontra o site oficial do movimento: http://slow-science.org/





segunda-feira, 9 de julho de 2012

Cultura pós-moderna e desenhos Japoneses: um reflexo do mundo contemporâneo

Gabriella Gattai[1]

No artigo A história em quadrinhos e a cultura pós-moderna, contido no Livro a Cara da Mídia, Carvalho faz uma análise sobre o que vem a ser cultura pós-moderna. Primeiramente procura definir o que seria a modernidade. Para ele por ser um termo amplo ela engloba todas as consequências políticas, sociais e culturais (p.81). Ele comenta que a modernidade começa a partir das mudanças de pensamento, feitas de forma gradual, a partir do Renascimento. A partir disso, novas configurações sociais, econômicas, surgem na sociedade moderna. Com elas vieram a quebra de paradigmas como o religioso, surgimento do auge da ciência e do pensamento humano. Mas nas Artes, para ele, é que se encontra a grande mudança de paradigmas. Temas, formas e cores sofrem alterações e criam-se novas maneiras de se pensar Arte.
Mas para se falar de pós-modernidade é preciso perceber o que há de novo em comparação com a modernidade. Por isso Carvalho aborda que a modernidade ainda não foi completamente superada:

“... a pós-modernidade assume enquanto um projeto a seguir da modernidade. Para se entender que a sociedade ultrapassou a modernidade e se encontra em um estágio posterior, mas não necessariamente “qualitativamente superior”, seria necessário que houvesse uma mudança estrutural na sociedade, nas relações sociais, que justificassem este projeto que diz efetivamente romper com os paradigmas anteriores...”(p.84)  


Houve algumas mudanças nas relações sociais a partir do avanço tecnológico. Para isso ele parafraseia Giddens que esses avanços modificaram a forma como o individuo interage com o seu meio e os demais de uma forma diferente em comparação com a modernidade. Os sujeitos se comunicam com maior velocidade, o espaço perde o seu poder no sentido de separar as pessoas, pois novas tecnologias conectam os sujeitos no mundo real (p.84).
 Mas o que a pós-modernidade tem a ver com as histórias em quadrinhos? É o que Carvalho chama a atenção, pois nos quadrinhos vemos o reflexo de uma cultura e suas mudanças. Com os quadrinhos podemos entender o que se passava naquela sociedade na qual surgiram aquelas histórias. Como exemplo, a primeira história em quadrinhos oficialmente reconhecida é a Yellow Kid criação de Richard Outcault entre 1894 a 1895. Yellow Kid era uma criança calva, desdentada, sorridente e usava uma camisola amarela que muitas vezes nessa camisa possuía algumas palavras nela impressa, que tinha como objetivo satirizar os outdoors de propaganda. O personagem vivia nas ruas ao redor de outras crianças, falavam gíria própria dos guetos.
Aos poucos as histórias em quadrinhos foram se tornando mais populares, surgiram personagens conhecidos ainda hoje como os Super-Heróis. Flash Gordon foi um personagem que surgiu na década de 30, são histórias de aventura onde o personagem principal viva histórias fantásticas. Na mesma época a bolsa de valores de Nova York sofre uma grande quebra e espalha o desespero e medo pelo mundo. De acordo com Carvalho os quadrinhos fantásticos dessa época “assume-se uma busca da fuga da realidade difícil por parte dos leitores da época”(p.89). Final da década de 30 surge os Super-heróis como exemplo o Superman e tantos outros personagens que conhecemos até hoje. No período da 2º guerra esses super-heróis vestem a camisa do seu país em favor da honra de vencer a guerra. Período de pós-guerra encontra-se histórias onde temas como racismo, drogas começam a aparecer em suas tramas.
O formato editorial dos quadrinhos hoje sofreu uma grande mudança. Aquele formato tradicional onde quadros do mesmo tamanho com um grande balão direcionando o texto deixou de ser o único usado. Carvalho comenta que autores como Will Eisner reformularam a forma de construção dos quadrinhos, também comenta sobre Joe Sacco que faz o chamado “jornalismo em quadrinhos” onde as histórias refletem “uma realidade real, sem metáforas, e faz com que o leitor não mais tenha oportunidade de ler a revista sem querer levar seu conteúdo mais a sério” (p.90).
Abro um parêntese sobre uma nova onda de quadrinhos que está influenciando muito jovens e adultos, os mangá. Apesar de o autor não comentar em nenhum ponto sobre este assunto acredito que as expressões nipônicas influenciam muito a sociedade hoje. De acordo com Farias o mangá apresenta características pós-modernas devido ao hibridismo característico de suas histórias, valores entre o bem e a mal (p.12) que difere dos quadrinhos da modernidade.  Ela cita Rhade e Phase sobre a característica pós-moderna nos mangás:

“O herói pós-moderno é pleno de incertezas, não é mais o ser invencível, mas é marcado por desconstruções visuais e textuais, demonstrando a sua fraqueza, suas incertezas ou sensibilidade frente às lutas cotidianas. O herói pós-moderno é muitas vezes o anti-herói, tentando conciliar seu mundo imaginário mítico, com a luta pela sobrevivência”. (p.108)


A influência dos mangás é tanta que personagens infantis de quadrinhos genuinamente brasileiros como a Turma da Mônica pode ser encontrado em bancas de jornal em formato de mangás, intitulados Turma da Mônica Jovem. São os mesmos personagens conhecidos, só que adolescente. Essas revistinhas conseguiram o seu sucesso de público e já está sua 5º temporada. Seu sucesso gerou a vinda de outros personagens infantis em formato de mangá como Luluzinha Teen e sua turma, a antiga Luluzinha, e até Didi & Lili - Geração Mangá, que é o personagem Renato Aragão e sua filha Lívia Aragão.

    
Capas dos primeiros mangas dos respectivos personagens

O mangá tem como característica o desenho em preto e branco, a quebra do layout dos quadrinhos, quer dizer não precisa os quadros de imagem ter o mesmo tamanho, às vezes um desenho toma uma página completa. Outras nem tem um traço que divida um quadrinho do outro. Cada história é feita em séries, e cada série tem começo meio e fim.


Quadrinho Naruto, exemplo de página completa.

 Diferente dos comics americanos (Superman, Batman, Homem Aranha e outros) onde os heróis continuam vivos até hoje, não envelhecem, nos mangás os heróis podem morrer em algumas historinhas, crescem e se tornam adultos. Isso ajudou ao mundo ocidental aceitar a entrada dos animes japoneses. Gusman (2005) é citado por Farias o mangá entrou facilmente no mercado ocidental devido a crise sofrida pelos clássicos heróis norte-americanos que não eram renovados. (p.21) Além disso, existe outra diferença dos quadrinhos orientais dos ocidentais, para cada público existe um mangá adequado. Por exemplo, os mais populares: o shõnen, o shõjo e o hentai. De acordo com Batistella:


“o shõnen tem como temas principais as competições esportivas, lutas, os adventos tecnológicos e poderes mágicos. O shõjo visa a um público feminino e caracteriza-se por abordar a busca pelo amor. Composto por uma narrativa erótica e/ou pornográfica, o hentai reflete alguns fetiches do povo japonês e sua naturalidade em relação ao sexo e à sensualidade.”(p.4)


É percebido que há todo cuidado na criação de um magá. Nagado citado por Leite “Por lidarem com temas universais como amizade, lealdade, coragem e amor, os heróis dos mangás e séries de TV encontram fácil identificação com povos de qualquer etnia” (p.75). No Japão há pesquisas dos criadores de mangás para saber o que os meninos e meninas estão usando com suas roupas, cabelos preocupando-se com a aproximação do público e seus futuros personagens criados. Já para o público ocidental os mangás são traduzidos diretamente dos seus originais, e suas traduções sofrem adaptações dos termos para que haja compreensão do público diverso de suas histórias.
A facilidade de divulgar os trabalhos advém com a internet. Hoje existem vários sites especializados em divulgar animes como o grupo “OMDA – O Melhor Dos Animes” que se diz pioneiro no país.
 Carvalho comenta que com advento da pós-modernidade tornou-se possível a divulgação de trabalhos e a liberdade de criação tanto no nível tecnológico quanto na forma de pensar. (p.89) Uma ajuda na popularização não do anime se dá pela facilidade de encontrar histórias sendo divulgadas na internet. Carlos comenta que:


A internet é também um sinônimo de download para os otakus[2], pois é ali onde hoje circula informalmente uma variedade enorme de produtos de sua predileção. Mais que isso, a rede permite acompanhar quase que simultaneamente o que o público japonês está lendo de mangá, assistindo na TV e no cinema, ouvido no rádio etc.(p.7) 


Os quadrinhos mostram uma forma de análise da sociedade a cada época a qual pertence colocando o sujeito na “busca com que compreenda a si mesmo e que se perceba enquanto sujeito no mundo” (Carvalho, p. 92). Desde seu surgimento, sofreu diversas alterações em suas formas e temas. Com a pós-modernidade e o crescente desenvolvimento dos meios de comunicação auxiliado também à internet é possível conhecer as várias formas de se pensar quadrinhos no mundo. Hoje os quadrinhos não refletem apenas o herói destemido invencível. Seu personagem pode ser um anti-herói, morrer, envelhecer, e essas mudanças só foram possíveis surgir com as mudanças sociais surgidas ao longo do tempo.


Bibliografia
FARIA, M. L. Comunicação Pós-Moderna Nas Imagens dos Mangás. 2007. 156f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) - Faculdade de Meios de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Rio Grande do Sul. 2007.
BATISTELLA, D. Mangá: O Jogo Entre Palavras e Imagens. 26p.
LEITE, I. M. B.. O Poder do Desenho Animado Japonês: Uma Análise da Relação entre os Animês e a Cultura Brasileira. 22f. Trabalho de Conclusão de Curso (Pedagogia) Faculdade Cenecista Vila da Velha. Vila Velha, Espírito Santo. 2011.
CARLOS, G. S. A cultura pop japonesa no contexto da cibercultura. 12p. III Simpósio Nacional ABCiber. São Paulo. 2009.
CARVALHO, A.P. As Histórias em quadrinhos e a cultura pós-moderna. In________ A Cara da Mídia. Recife: Massangana. p.81-94.
Endereços eletrônicos:
<http://www.tvsinopse.kinghost.net/art/y/yellow-kid.htm> Acessado dia: 12 de jun. 2012.


[1] Discente do Curso de Comunicação Social/ Publicidade e Propaganda da Universidade Federal de Pernambuco
[2] Definição de quem é fã de animes, mangás ou qualquer forma de mídia japonesa.