terça-feira, 31 de julho de 2012

Muito Além do Jardim Botânico – Texto 1

Por Gabriel Shimoda
Graduando do curso de Jornalismo da UFPE






O presente texto e os textos a seguir irão tratar da obra de Carlos Eduardo Lins da Silva, intitulada Muito Além do Jardim Botânico. O nome, em interpretação livre do nosso grupo, relaciona a obra Muito Além do Jardim com o Jardim Botânico, bairro carioca onde está situado o Projac, estúdio e ilha de edição das Organizações Globo. As partes do livro que iremos tratar ficaram divididas de forma parecida com o sumário do próprio livro: parte I (introdução, que fala da indústria cultural e dos estudos de recepção, objetivos e hipóteses) parte II (metodologia, a TV em Lagoa Seca e Paicará, senso crítico oriundo de outras fontes), parte III (senso crítico proveniente de conhecimento pessoal, senso crítico através do conhecimento dos meios e conclusões). As partes IV, V e VI serão abordadas pelos debatedores, enquanto as primeiras, pelos relatores. O livro foi adaptado de uma tese de doutorado defendida na ECA-USP, pelo próprio autor, daí a divisão semelhante a uma obra científica.

Na apresentação de seu livro, Silva comenta sobre a arraigada generalização da conexão Globo-ditadura, como se a primeira funcionasse como uma assessora do governo ditatorial, agindo de forma que apaziguasse a situação.


O simplismo desse tipo de generalização não resiste a qualquer análise mais profunda. Mas ficou tão enraizado entre os opositores do regime militar que acabou por firmar-se como verdade estabelecida. Sem qualquer tipo de investigação sistemática, a esquerda brasileira condenou o \Jornal Nacional ao pelourinho e sua audiência – na verdade quase toda a população – à pecha da alienação. Quem assistia o Jornal Nacional era ”alienado”; quem fazia o Jornal Nacional era “manipulador”. (SILVA, 1985 p.13)
            
Em relação à indústria cultural, Silva (1985, p. 19) argumenta que o termo referido ganhou uma conotação pejorativa ao longo dos anos. Ao usar esse termo, lembramos do Adorno e de seu nojo pela transformação dos produtos culturais em produtos de massa, em uma explicação mais objetiva. É comum também associar os bens culturais fatalmente à difusão da ideologia dominante, no caso a burguesia. No entanto, Silva (1985, p. 21) explica que existem contradições dentro da lógica da indústria cultural que não permitem essa “teoria da bala mágica reaplicada”. Afinal, existem interesses diversos dentro da estrutura de poder e ela não é homogênea, assim como sua audiência não é. Deste modo, é necessário evitar a visão trágica de que existe uma unidirecionalidade dos interesses da estrutura dominante em relação à audiência passiva e sem opinião.

Em seguida, Silva (1985, p.22) explica que a relação entre indústria cultural e Estado não é nada amigável, especialmente na América Latina. Isso chega a ser um contrassenso, uma vez que a lógica da união desses dois elementos seria praticamente infalível. Todavia, a Globo, apesar de ser apoiada pelo Estado, também sofreu censuras especialmente a partir de 1964 e o auge do antagonismo foi então no AI-5. O motivo para esse conflito bipolarizado (1985, p. 23-24) se daria devido ao modo como o capitalismo foi formado na América Latina. Aqui há uma espécie de capitalismo dependente, e o Estado teme a hegemonia burguesa e a consequente tomada do poder por esta classe. Para exercer poder, o Estado se aproveita da fraca estrutura de classes (da sociedade civil) que temos aqui e as oprime com mais vigor, por isso há esse controle dos mass media mais intenso do que nos EUA.
           
No Brasil, a indústria cultural gira em torno da televisão, uma vez que a tiragem média dos jornais vêm reduzindo bastante, desde os anos 50. Essa redução é atribuída à falta de interesse em elevar as tiragens, já que se consegue “ter lucros enormes, nos casos dos diários de prestígio, sem vender muito” (MARQUES DE MELO, 1983, pp. 8-9 apud SILVA, p. 27). Corroborando sua tese sobre a televisão, Silva (1985, p.28) recorre aos números: 59,3% do dinheiro investido em publicidade em 1981 foi para a televisão, contra 17,4% para os jornais, 11,6% para as revistas e 8,6% para o rádio.

Passando para o telejornalismo, segundo Silva (1985, p.34), o telejornal é tido originalmente pelos empreendedores televisivos um ramo não muito rentável. É um produto televisivo que rende mais prestígio à emissora do que dinheiro. Seus telespectadores são chamados para consumir o material noticioso, digamos assim, não necessariamente pela qualidade, mas pela abrangência geográfica da rede que o transmite e pelo fluxo de audiência que o sucede ou antecede, de acordo com Edward Jay Epstein.(1974, p.71, apud Silva, 1985, p. 35) - o JN é comumente transmitido entre duas novelas de audiência notável. Ainda de acordo com Jay (ibidem), o telejornal precisa manter uma qualidade com um mínimo aceitável para que o telespectador do jornal não mude de canal. E “só os espectadores excepcionalmente bem informados são capazes de perceber quando um telejornal deixou de cobrir um assunto importante ou que sua cobertura foi pior do que a da concorrência”. Um estudo de caso bastante interessante pôde ser observado no noticiário que falava da greve dos metalúrgicos do ABC em 1980, que visou claramente a prejudicar a imagem do movimento e denegri-lo. (A percepção foi tão clara que alguns funcionários da Globo chegaram a ser hostilizados na Vila Euclides, bairro carioca). Contudo, em Lagoa Seca, bairro de Natal, no Rio Grande do Norte, houve um efeito contrário, pois favoreceu ainda mais para que o movimento se organizasse naquele local, pois funcionou como catalizador de interesses, pela simples divulgação do movimento.

Concluindo, com seus objetivos, Silva (1985, p. 43) afirma que seu trabalho é um estudo de recepção, ou seja, está centrado nos efeitos que os meios de comunicação de massa podem provocar. Em seguida (ibidem, p.49) ele afirma que seu trabalho não tem como objetivo assumir os princípios da neutralidade científica, o que não significa que o cientista deva alterar os dados a seu bel-prazer, mas que assumir uma roupagem de imparcialidade pode ser perigoso, por comprometer a credibilidade e a sinceridade do pesquisador. “A simples escolha da metodologia (...) já é uma tomada de posição política.” (SILVA, ibidem, p. 49). A imersão do autor nas comunidades de trabalhadores se daria dessa forma justamente para que ele se afinasse com a realidade local e pudesse alterar suas percepções comuns, fugindo do estereótipo de “pesquisador de gabinete”. Em relação às hipóteses, Silva (p. 52-63) acredita que as ideologias dominantes são efetivas justamente por atender “aparentemente” às necessidades de todos e por isso, as classes dominadas não percebem esse poder sendo exercido sobre elas. A esse respeito, ele comenta sobre a mediação ideológica que:

“se dá através de eixos semânticos que orientam a interpretação dos fatos, de modo a garantir uma versão unívoca dos fatos de acordo com o código que as pessoas, no seu conjunto, aceitam como justos e corretos.” (SILVA, 1985, p. 54)
            
Comentando sobre o filme Muito Além do Jardim, afirma outra hipótese da tese: “os indivíduos podem ver a mesma coisa mas perceber significados diferentes dependendo do contexto sócio-cultural (...) do seu conjunto de expectativas diante da mensagem e dos seus referenciais semânticos.” (SILVA, ibidem, p. 57). De forma geral, ele comenta sobre mais cinco hipóteses:

- Grau de interferência externa, além da TV, como variável importante a ser estudada;

- Quanto maior o grau de conhecimento a respeito do assunto retratado (advindo de experiência pessoal), mais chance ela tem de ser melhor criticada.

- Grau de conhecimento acerca do veículo e sobre seus processos é importante, como por exemplo, uma visita à uma emissora de televisão.

- Nível da instituição da organização social a qual o indivíduo está filiado como fator importante para o conhecimento crítico acerca da TV.

- Hipótese final: os efeitos do Jornal Nacional “sobre a representação do real que os trabalhadores fazem não é, provavelmente, tão decisiva como se costuma dizer, em especial no caso dos que militam em algum tipo de movimento social ou político.” (SILVA, ibidem, p. 61)

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