segunda-feira, 9 de julho de 2012

Cultura pós-moderna e desenhos Japoneses: um reflexo do mundo contemporâneo

Gabriella Gattai[1]

No artigo A história em quadrinhos e a cultura pós-moderna, contido no Livro a Cara da Mídia, Carvalho faz uma análise sobre o que vem a ser cultura pós-moderna. Primeiramente procura definir o que seria a modernidade. Para ele por ser um termo amplo ela engloba todas as consequências políticas, sociais e culturais (p.81). Ele comenta que a modernidade começa a partir das mudanças de pensamento, feitas de forma gradual, a partir do Renascimento. A partir disso, novas configurações sociais, econômicas, surgem na sociedade moderna. Com elas vieram a quebra de paradigmas como o religioso, surgimento do auge da ciência e do pensamento humano. Mas nas Artes, para ele, é que se encontra a grande mudança de paradigmas. Temas, formas e cores sofrem alterações e criam-se novas maneiras de se pensar Arte.
Mas para se falar de pós-modernidade é preciso perceber o que há de novo em comparação com a modernidade. Por isso Carvalho aborda que a modernidade ainda não foi completamente superada:

“... a pós-modernidade assume enquanto um projeto a seguir da modernidade. Para se entender que a sociedade ultrapassou a modernidade e se encontra em um estágio posterior, mas não necessariamente “qualitativamente superior”, seria necessário que houvesse uma mudança estrutural na sociedade, nas relações sociais, que justificassem este projeto que diz efetivamente romper com os paradigmas anteriores...”(p.84)  


Houve algumas mudanças nas relações sociais a partir do avanço tecnológico. Para isso ele parafraseia Giddens que esses avanços modificaram a forma como o individuo interage com o seu meio e os demais de uma forma diferente em comparação com a modernidade. Os sujeitos se comunicam com maior velocidade, o espaço perde o seu poder no sentido de separar as pessoas, pois novas tecnologias conectam os sujeitos no mundo real (p.84).
 Mas o que a pós-modernidade tem a ver com as histórias em quadrinhos? É o que Carvalho chama a atenção, pois nos quadrinhos vemos o reflexo de uma cultura e suas mudanças. Com os quadrinhos podemos entender o que se passava naquela sociedade na qual surgiram aquelas histórias. Como exemplo, a primeira história em quadrinhos oficialmente reconhecida é a Yellow Kid criação de Richard Outcault entre 1894 a 1895. Yellow Kid era uma criança calva, desdentada, sorridente e usava uma camisola amarela que muitas vezes nessa camisa possuía algumas palavras nela impressa, que tinha como objetivo satirizar os outdoors de propaganda. O personagem vivia nas ruas ao redor de outras crianças, falavam gíria própria dos guetos.
Aos poucos as histórias em quadrinhos foram se tornando mais populares, surgiram personagens conhecidos ainda hoje como os Super-Heróis. Flash Gordon foi um personagem que surgiu na década de 30, são histórias de aventura onde o personagem principal viva histórias fantásticas. Na mesma época a bolsa de valores de Nova York sofre uma grande quebra e espalha o desespero e medo pelo mundo. De acordo com Carvalho os quadrinhos fantásticos dessa época “assume-se uma busca da fuga da realidade difícil por parte dos leitores da época”(p.89). Final da década de 30 surge os Super-heróis como exemplo o Superman e tantos outros personagens que conhecemos até hoje. No período da 2º guerra esses super-heróis vestem a camisa do seu país em favor da honra de vencer a guerra. Período de pós-guerra encontra-se histórias onde temas como racismo, drogas começam a aparecer em suas tramas.
O formato editorial dos quadrinhos hoje sofreu uma grande mudança. Aquele formato tradicional onde quadros do mesmo tamanho com um grande balão direcionando o texto deixou de ser o único usado. Carvalho comenta que autores como Will Eisner reformularam a forma de construção dos quadrinhos, também comenta sobre Joe Sacco que faz o chamado “jornalismo em quadrinhos” onde as histórias refletem “uma realidade real, sem metáforas, e faz com que o leitor não mais tenha oportunidade de ler a revista sem querer levar seu conteúdo mais a sério” (p.90).
Abro um parêntese sobre uma nova onda de quadrinhos que está influenciando muito jovens e adultos, os mangá. Apesar de o autor não comentar em nenhum ponto sobre este assunto acredito que as expressões nipônicas influenciam muito a sociedade hoje. De acordo com Farias o mangá apresenta características pós-modernas devido ao hibridismo característico de suas histórias, valores entre o bem e a mal (p.12) que difere dos quadrinhos da modernidade.  Ela cita Rhade e Phase sobre a característica pós-moderna nos mangás:

“O herói pós-moderno é pleno de incertezas, não é mais o ser invencível, mas é marcado por desconstruções visuais e textuais, demonstrando a sua fraqueza, suas incertezas ou sensibilidade frente às lutas cotidianas. O herói pós-moderno é muitas vezes o anti-herói, tentando conciliar seu mundo imaginário mítico, com a luta pela sobrevivência”. (p.108)


A influência dos mangás é tanta que personagens infantis de quadrinhos genuinamente brasileiros como a Turma da Mônica pode ser encontrado em bancas de jornal em formato de mangás, intitulados Turma da Mônica Jovem. São os mesmos personagens conhecidos, só que adolescente. Essas revistinhas conseguiram o seu sucesso de público e já está sua 5º temporada. Seu sucesso gerou a vinda de outros personagens infantis em formato de mangá como Luluzinha Teen e sua turma, a antiga Luluzinha, e até Didi & Lili - Geração Mangá, que é o personagem Renato Aragão e sua filha Lívia Aragão.

    
Capas dos primeiros mangas dos respectivos personagens

O mangá tem como característica o desenho em preto e branco, a quebra do layout dos quadrinhos, quer dizer não precisa os quadros de imagem ter o mesmo tamanho, às vezes um desenho toma uma página completa. Outras nem tem um traço que divida um quadrinho do outro. Cada história é feita em séries, e cada série tem começo meio e fim.


Quadrinho Naruto, exemplo de página completa.

 Diferente dos comics americanos (Superman, Batman, Homem Aranha e outros) onde os heróis continuam vivos até hoje, não envelhecem, nos mangás os heróis podem morrer em algumas historinhas, crescem e se tornam adultos. Isso ajudou ao mundo ocidental aceitar a entrada dos animes japoneses. Gusman (2005) é citado por Farias o mangá entrou facilmente no mercado ocidental devido a crise sofrida pelos clássicos heróis norte-americanos que não eram renovados. (p.21) Além disso, existe outra diferença dos quadrinhos orientais dos ocidentais, para cada público existe um mangá adequado. Por exemplo, os mais populares: o shõnen, o shõjo e o hentai. De acordo com Batistella:


“o shõnen tem como temas principais as competições esportivas, lutas, os adventos tecnológicos e poderes mágicos. O shõjo visa a um público feminino e caracteriza-se por abordar a busca pelo amor. Composto por uma narrativa erótica e/ou pornográfica, o hentai reflete alguns fetiches do povo japonês e sua naturalidade em relação ao sexo e à sensualidade.”(p.4)


É percebido que há todo cuidado na criação de um magá. Nagado citado por Leite “Por lidarem com temas universais como amizade, lealdade, coragem e amor, os heróis dos mangás e séries de TV encontram fácil identificação com povos de qualquer etnia” (p.75). No Japão há pesquisas dos criadores de mangás para saber o que os meninos e meninas estão usando com suas roupas, cabelos preocupando-se com a aproximação do público e seus futuros personagens criados. Já para o público ocidental os mangás são traduzidos diretamente dos seus originais, e suas traduções sofrem adaptações dos termos para que haja compreensão do público diverso de suas histórias.
A facilidade de divulgar os trabalhos advém com a internet. Hoje existem vários sites especializados em divulgar animes como o grupo “OMDA – O Melhor Dos Animes” que se diz pioneiro no país.
 Carvalho comenta que com advento da pós-modernidade tornou-se possível a divulgação de trabalhos e a liberdade de criação tanto no nível tecnológico quanto na forma de pensar. (p.89) Uma ajuda na popularização não do anime se dá pela facilidade de encontrar histórias sendo divulgadas na internet. Carlos comenta que:


A internet é também um sinônimo de download para os otakus[2], pois é ali onde hoje circula informalmente uma variedade enorme de produtos de sua predileção. Mais que isso, a rede permite acompanhar quase que simultaneamente o que o público japonês está lendo de mangá, assistindo na TV e no cinema, ouvido no rádio etc.(p.7) 


Os quadrinhos mostram uma forma de análise da sociedade a cada época a qual pertence colocando o sujeito na “busca com que compreenda a si mesmo e que se perceba enquanto sujeito no mundo” (Carvalho, p. 92). Desde seu surgimento, sofreu diversas alterações em suas formas e temas. Com a pós-modernidade e o crescente desenvolvimento dos meios de comunicação auxiliado também à internet é possível conhecer as várias formas de se pensar quadrinhos no mundo. Hoje os quadrinhos não refletem apenas o herói destemido invencível. Seu personagem pode ser um anti-herói, morrer, envelhecer, e essas mudanças só foram possíveis surgir com as mudanças sociais surgidas ao longo do tempo.


Bibliografia
FARIA, M. L. Comunicação Pós-Moderna Nas Imagens dos Mangás. 2007. 156f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) - Faculdade de Meios de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Rio Grande do Sul. 2007.
BATISTELLA, D. Mangá: O Jogo Entre Palavras e Imagens. 26p.
LEITE, I. M. B.. O Poder do Desenho Animado Japonês: Uma Análise da Relação entre os Animês e a Cultura Brasileira. 22f. Trabalho de Conclusão de Curso (Pedagogia) Faculdade Cenecista Vila da Velha. Vila Velha, Espírito Santo. 2011.
CARLOS, G. S. A cultura pop japonesa no contexto da cibercultura. 12p. III Simpósio Nacional ABCiber. São Paulo. 2009.
CARVALHO, A.P. As Histórias em quadrinhos e a cultura pós-moderna. In________ A Cara da Mídia. Recife: Massangana. p.81-94.
Endereços eletrônicos:
<http://www.tvsinopse.kinghost.net/art/y/yellow-kid.htm> Acessado dia: 12 de jun. 2012.


[1] Discente do Curso de Comunicação Social/ Publicidade e Propaganda da Universidade Federal de Pernambuco
[2] Definição de quem é fã de animes, mangás ou qualquer forma de mídia japonesa.

Um comentário:

  1. Uma das coisas que mais diferencia os mangás dos HQs ocidentais é o uso de expressões exageradas. Acho interessante como essa característica também é percebida em nossa sociedade "pós-moderna" (não acredito que ela tenha deixado de ser moderna). Todo mundo sempre está "MUITO" feliz no seu update do Face.

    "Nossa sociedade é regida mais do que pela ânsia de 'espetáculo'; existe a ânsia de prazer a qualquer preço, não made in id [Isso] mas made in Superego. O superego pós-moderno 'tudo vale' e 'tudo deve porque pode'. Todos se sentem na obrigação de se divertir, de 'curtir a vida adoidado' e de 'trabalhar muito para ter dinheiro ou prestígio social', não importando os limites de si próprio e dos outros. As pessoas se sentem no dever de se vender como se fosse um prazer, de fazer ceia de natal em casa à meia noite, de comemorar o gol que todo mundo está comemorando, de curtir o carnaval nos 3 ou 4 dias, de seguir uma religião, de usar celular sem motivo concreto, de gastar o dinheiro que não têm, de trepar toda noite porque todos dão a impressão de fazê-lo, de fazer cursos e mais cursos, ascender na empresa, escrever mil e um artigos por ano na universidade, enfim, todos parecem viver na 'obrigação' de se cumprir uma ordem invisível, e de ser visivelmente feliz e vencedor. O senhor invisível que no manda é o superego pós-moderno; 'ele manda você sentir prazer naquilo que você é obrigado a fazer'. E, ai daquele que não consegue, ou que se nega seguir a moral de rebanho, pagará de três modos: será estigmatizado pelos seus pares ('Ele quebrou o código, é um traidor do super-ego pós-moderno!'), ou pagará com um terrível sentimento de culpa ou, ainda, sofrerá os sintomas de uma doença psicossomática." (DE LIMA, Raymundo)

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