Por Houldine Nascimento
Estudante do curso de Jornalismo da UFPE
Um dos
principais nomes do cinema alemão, Werner Herzog não teve durante bom tempo
grande parte de sua filmografia circulando em Portugal. Isso só se tornou
possível em 2009, quando foi organizada pelo IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema Independente uma
retrospectiva com a maioria dos seus trabalhos. Até agora, uma carreira de 50
anos e mais de 60 projetos rodados. Visto pelo filósofo francês Gilles Deleuze como "o mais metafísico dos autores de cinema", o diretor possui obras que marcaram presença na história
desta arte por vários motivos, casos de Fitzcarraldo,
Aguirre – a cólera dos deuses e O enigma de Kaspar Hauser.
Aproveitando
a ocasião, aconteceu o lançamento da edição portuguesa de Sinais de Vida – Werner Herzog e o Cinema. Originalmente publicado na
Itália, em 2008, o livro traz uma longa entrevista realizada pela jornalista e
crítica de cinema Grazia Paganelli com o diretor. Com a premissa de discorrer
sobre a trajetória de Herzog na sétima arte, a autora também deu espaço para
que ele abordasse outros assuntos por vezes polêmicos.
A disposição dos
capítulos se dá sempre com um capítulo introdutório elaborado por Grazia, funcionando
como uma espécie de preparativo para o trecho da entrevista que o sucede. No
decorrer do texto, conhecemos os pensamentos de Herzog acerca de seus filmes.
Um momento interessante é quando a jornalista lhe indaga o Manifesto de Oberhausen (1962), que surgiu no mesmo ano de Hércules (“Herakles”), seu primeiro
filme. Apesar de ter recebido o convite dos realizadores envolvidos para assinar
o documento que dá início ao Novo Cinema
Alemão (corrente preocupada com questões político-sociais), o diretor
explica por que não aceitou participar do movimento:
“O Manifesto não me influenciou nada. Fui
convidado para assinar, mas recusei porque não gostei da atitude deles, era
muito derivativa da Nouvelle Vague francesa. Além disso, não gostava dos
realizadores que estavam a organizá-lo. Sentia que não se tornariam
realizadores interessantes e que a história em breve os esqueceria. Olhando para
eles, fiquei logo com a impressão de que eram pessoas de talento limitado,
pessoas medíocres que tentavam imitar a Nouvelle Vague. De maneira que o
Manifesto não teve qualquer influência em Herakles. Tive de inventar o cinema
como se fosse o inventor da câmera de filmar”. (p.26)
Werner Herzog e elenco de "O enigma de Kaspar Hauser" |
Outro
momento discutível é o seu ponto de vista sobre atores oriundos do teatro.
Grazia Paganelli chegou a perguntar por que não costuma utilizá-los. “Às
vezes acontece, mas é difícil retirá-los ao mundo da representação teatral, que
é completamente diferente. Quando a câmera está apenas a alguns centímetros das
caras deles, a mais leve mudança é já demais e sussurrar a um nível mesmo que
minimamente mais alto é completamente ridículo e incorreto. Quando vejo filmes,
percebo imediatamente, mesmo à légua, se um ator vem do teatro e não acredito
numa só palavra do que diz. E isto demonstra como o teatro se tornou morto, sem
vida e desprovido de inspiração. Para mim, é impossível ver teatro”. (p.59)
O livro serve
também para quebrar um estereótipo em torno da figura de Werner Herzog, o de
“cineasta aventureiro”. Essa aura de realizador de extremos surgiu por toda a
dificuldade do processo de feitura de suas obras, como em Fitzcarraldo, quando um barco enorme sobe uma colina. De acordo com
ele próprio, nada mais é que um “contador de histórias”. Ainda sobre 'Fitzcarraldo', um fato curioso relatado é que o argumento do filme foi desenvolvido durante a estadia de Herzog na casa do cineasta americano Francis Ford Coppola ("O Poderoso Chefão", "A Conversação", "Apocalypse Now").
Enquanto que para
o colega de profissão e amigo Wim Wenders o enquadramento se revela a parte
mais importante do filme, para Herzog, o som é o elemento fundamental. “Acredito mesmo que é o elemento mais
significativo na realização profissional. Não se trata apenas da música – mesmo
que a música tenha muito significado nesse filme (referindo-se a 'Hércules') –
mas como usar o som em combinação com a música”. (p.27)
Rainer Fassbinder, Herzog e Wim Wenders em cena do documentário para TV "Quarto 666" |
Embora tivesse
certa repulsa à música quando criança, chegando a não querer cantar por
diversas vezes na escola, o diretor acabou criando uma paixão por esta arte,
tanto que passou a encenar óperas. Ele crê numa grande proximidade entre o
cinema e a música: “Sei, simplesmente,
que há uma relação muito estreita entre cinema e música, algo que não existe,
por outro lado, entre o cinema e a literatura ou o cinema e o teatro. Acho que
me ajudou ter estado “separado” da música durante a adolescência; Porque o
professor tentava forçar-me a cantar na frente dos outros alunos, me portava
como uma criança ‘autista’ e recusava.” (p.175)
Não fica ausente
da publicação a conturbada relação desenvolvida entre o cineasta e o seu ator
preferido, Klaus Kinski, com quem dividiu um apartamento na infância. “Eu sabia naquele momento que me tornaria um
diretor de cinema e iria dirigir Kinski”. (WIKIPEDIA) Werner o dirigiu em
cinco longas (Aguirre, Nosferatu, Woyzeck, Fitzcarraldo e Cobra Verde). Herzog chegou, inclusive,
a realizar um documentário sobre os dois, Meu melhor inimigo.
Herzog e Klaus Kinski em mais um "momento de amor e ódio" em "Meu Melhor Inimigo" |
Quem teve o
privilégio de assistir a pelo menos duas ou três de suas fitas sabe que a
paisagem tem um significado importantíssimo nas obras do diretor, é
praticamente uma personagem. Herzog revela que ideias para alguns dos seus filmes
nasceram de paisagens, como os moinhos de vento presentes no longa-metragem Sinais de Vida.
O livro ainda traz
imagens do diretor em seus filmes, um artigo escrito por Werner para um congresso
sobre artes e a filmografia completa até 2008, com ficha técnica e resumo de
suas produções. A leitura de “Sinais de Vida…” se revela bastante fluída e
prazerosa, servindo para conhecer de forma aprofundada este que é um dos
grandes autores do cinema alemão e os bastidores dos seus trabalhos, contados
por ele. Uma obra recomendada para qualquer cinéfilo!
Filmografia citada de outros cineastas:
"Apocalypse Now" (idem, 1979), "A Conversação" (The Conversation, 1974), "O Poderoso Chefão" (The Godfather, 1972), de Francis Ford Coppola
"Quarto 666" (Chambre 666, 1982), de Wim Wenders
Link
Resenha sobre "O enigma de Kaspar Hauser" (Blog do Dine)
Trailers
"Sinais de Vida" (Lebenszeichen, 1968)
"O Enigma de Kaspar Hauser" (Jeder für sich und Gott gegen alle, 1974)
"Fitzcarraldo" (idem, 1982)
"Meu melhor inimigo" (Mein liebster Feind - Klaus Kinski, 1999)
Referências
bibliográficas
PAGANELLI, Grazia. Sinais de Vida: Werner Herzog e o
Cinema. Lisboa: Edições 70, 2009. 304 p. ISBN 9789724415475 (capa mole)
WIKIPEDIA. Werner Herzog.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Werner_Herzog>.
Acesso em: 15/07/2012 às 15:05.
Grupo da disciplina de Psicologia da Comunicação: Houldine Nascimento; Wanderley Andrade
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