sexta-feira, 27 de julho de 2012

Mangue Beat e "nordestinidade"

por Francielle Kelner


                Apesar de Felipe Trotta destacar, em "A reinvenção musical do Nordeste" que a sanfona e o sorriso de Luiz Gonzaga são os grandes elementos identitários da cultura nordestina, outros ritmos e artistas também se esforçaram para desenvolver narrativas que caracterizam a região, como no caso do Mangue Beat. Com origem em Recife, o "manguebit" surgiu a partir da mistura de ritmos regionais, como o rock, o maracatu, o hip hop e a música eletrônica.

         Apesar de ter nascido no mangue e criticar a situação socioeconômica do Recife, o ritmo não se limita à realidade desta cidade, mas de vários outros Estados brasileiros, uma vez que a desigualdade social é um de seus principais temas. O fato é que Chico Science conseguiu expor musicalmente a realidade de um povo através do uso de narrativas plurais, fugindo dos estereótipos da “nordestinidade”, que são, principalmente, a seca e o sertanejo. Essa pluralidade e riqueza de elementos foram justificadas na intenção de formar uma cena musical que consagrasse a bandeira da diversidade, influenciando bandas de todo o Brasil, além de trabalhos no cinema, na moda e nas artes plásticas.

Grandes críticos da música, como Xico Sá, consideram o Mangue Beat um dos ritmos que mais exaltaram a cultura popular do Nordeste, trazendo de volta a Recife o posto de grande centro musical sem fazer uso de sermões puristas, que foram bastante pregados por figuras e personalidades “folclóricas” da região.

         “Chico Science e sua Nação Zumbi sacudiram a autoestima de uma pá de gente e levaram uma legião de garotos para o terreiro do maracatu. Sem carecer de discursos chatos ou mofadas teorias sobre o nacional popular” (trecho de “A Batida Veloz contra as teorias”). 

No ensaio de Felipe Trotta, quando o autor aponta o Forró Eletrônico como um ritmo que vem tentando desconstruir a narrativa hegemônica do “pé de serra” em um processo conflituoso de reprocessamento musical, é bastante criticada a prática de subjugar um pedaço tão amplo de terra a um ritmo unificador. Isso acontece quando artistas buscam expor suas impressões com a intenção de falar em nome de uma região, narrar a sua história através de referências basicamente locais, regionalizando seus ritmos.

Com o Mangue Beat, o processo foi diferente. O ritmo conseguiu unir vários sons em uma grande festa, exaltando a pluralidade de referências estéticas, além da diversidade de imagens e elementos sonoros. O manguebit é tido, enfim, como um tipo peculiar de nordestinidade, que não precisou desconstruir uma narrativa e lutar contra hegemonias para conquistar seu território; não procurou recontar uma história, nem criar novos personagens, mas levou toda essa mistura de elementos já existentes para dialogar com o contemporâneo, não reinventando, mas consagrando a música do Nordeste.

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