por Francielle Kelner
Apesar de Felipe Trotta
destacar, em "A reinvenção musical do Nordeste" que a sanfona e o sorriso de Luiz Gonzaga são os grandes elementos
identitários da cultura nordestina, outros ritmos e artistas também se
esforçaram para desenvolver narrativas que caracterizam a região, como no caso
do Mangue Beat. Com origem em Recife, o "manguebit" surgiu a partir
da mistura de ritmos regionais, como o rock, o maracatu, o hip hop e a música
eletrônica.
Apesar de ter nascido no mangue e
criticar a situação socioeconômica do Recife, o ritmo não se limita à realidade
desta cidade, mas de vários outros Estados brasileiros, uma vez que a
desigualdade social é um de seus principais temas. O fato é que Chico Science
conseguiu expor musicalmente a realidade de um povo através do uso de
narrativas plurais, fugindo dos estereótipos da “nordestinidade”, que são,
principalmente, a seca e o sertanejo. Essa pluralidade e riqueza de elementos foram justificadas na intenção de formar uma cena musical que consagrasse a bandeira
da diversidade, influenciando bandas de todo o Brasil, além de trabalhos no
cinema, na moda e nas artes plásticas.
Grandes
críticos da música, como Xico Sá, consideram o Mangue Beat um dos ritmos que
mais exaltaram a cultura popular do Nordeste, trazendo de volta a Recife o
posto de grande centro musical sem fazer uso de sermões puristas, que foram
bastante pregados por figuras e personalidades “folclóricas” da região.
“Chico Science e sua Nação Zumbi
sacudiram a autoestima de uma pá de gente e levaram uma legião de garotos para
o terreiro do maracatu. Sem carecer de discursos chatos ou mofadas teorias
sobre o nacional popular” (trecho de “A Batida Veloz contra as teorias”).
No
ensaio de Felipe Trotta, quando o autor aponta o Forró Eletrônico como um ritmo
que vem tentando desconstruir a narrativa hegemônica do “pé de serra” em um
processo conflituoso de reprocessamento musical, é bastante criticada a prática
de subjugar um pedaço tão amplo de terra a um ritmo unificador. Isso acontece
quando artistas buscam expor suas impressões com a intenção de falar em nome de
uma região, narrar a sua história através de referências basicamente locais,
regionalizando seus ritmos.
Com
o Mangue Beat, o processo foi diferente. O ritmo conseguiu unir vários sons em uma grande festa, exaltando a pluralidade de referências estéticas, além da
diversidade de imagens e elementos sonoros. O manguebit é tido, enfim, como um tipo peculiar
de nordestinidade, que não precisou desconstruir uma narrativa e lutar contra
hegemonias para conquistar seu território; não procurou recontar uma história,
nem criar novos personagens, mas levou toda essa mistura de elementos já
existentes para dialogar com o contemporâneo, não reinventando, mas consagrando
a música do Nordeste.
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