segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Quando foi 68?: As contribuições de Sartre e Beauvoir para a cultura ocidental

por Thiago Moreira
Graduando em Comunicação Social/Jornalismo

Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir
Que o ano de 1968 é considerado um dos mais influentes para a cultura ocidental mundial, disso não há dúvida. A efervescência daquela época, aliada às constantes modificações culturais no cinema, na música, na literatura, e na filosofia, serviu de alicerce primordial para os diversos movimentos sociais realizados naquele ano. A luta pelos diretos civis dos negros, a explosão do movimento de cunho feminista, influenciado pelas ideias da francesa Simone de Beauvoir; manifestações ecológicas e as lutas para emancipação do domínio colonial em diversos países; o surgimento do movimento “hippie” e do “flower power”, como respostas à repressão e aos conflitos armados que aconteciam na época, como a guerra do Vietnã. É certo que Paris viveu todo o ápice dessa efervescência, e que a filosofia teve um papel fundamental na organização e na condução destes movimentos. Como a própria Simone de Beauvoir, que influenciou fortemente os movimentos feministas ocorridos na capital francesa. Mas também não se pode menosprezar as outras manifestações ocorridas ao redor do mundo, que também tiveram grande importância para a história contemporânea mundial, como o próprio movimento “hippie”.

Assim como o cinema, a música e a literatura, a filosofia também exerceu papel fundamental para o degringolar de diversos movimentos de cunho social espalhados pelo mundo, em especial na França, o ápice de todo este “fervor”. Tendo como principais expoentes o filósofo existencialista Jean-Paul Charles Aymard Sartre, e sua companheira Simone de Beauvoir, assumidamente feminista, a filosofia no século XX seria radicalmente transformada a partir dos seus preceitos e obras.

"Crítica da Razão Dialética", de Jean-Paul Sartre.
É notório o teor político nas obras publicadas por Sartre. Aliando seus preceitos a sua visão política do cenário em que se encontrava, Sartre pode ser definido como o melhor exemplo que chamamos de o intelectual engajado. Obras como os cultuados “O ser e o nada” e “A crítica da razão dialética”, publicados na década de 1960, mostram, por exemplo, a defesa ferrenha do francês dos valores humanos presentes na corrente marxista, apresentando uma versão alterada do existencialismo, que ele julgava ser um agente apaziguador, resolvendo as aparentes contradições entre os dois movimentos filosóficos. Podemos afirmar que o conceito de liberdade para Sartre - o filósofo defendia que o ser humano é livre responsável por tudo aquilo que está à sua volta - pode ser considerado um importante catalisador para a geração de tantos movimentos de cunho social espalhados pelo território francês, como o movimento estudantil na já citada década de 1960. Segundo o próprio Sartre, as nossas escolhas são direcionadas por tudo aquilo que nos aparenta ser o bem, especificamente falando, por um envolvimento naquilo que acreditamos ser uma causa nobre, e assim adquirindo a consciência de nós mesmos. Em outras palavras, pensar a problemática da liberdade implica em refletir sobre a própria condição humana de um ser que vive em comunidade, pois isto transpassa a própria fundamentação do coletivo, uma vez que o conceito de coletividade implica em homens compartilhando o mesmo espaço, das mesmas crenças, afazeres e, possivelmente, os mesmos objetivos de vida (DANELON, 2002).

Ainda segundo DANELON (2002), o pensamento existencialista de Sartre não somente ficou preso ao cenário europeu, vindo a exercer grande influência em terras brasileiras. O movimento Tropicalista absorveu muito da corrente existencialista, bem como os ideais de engajamento político, liberdade, dentre outros. Paralelamente, várias peças de autoria do filósofo francês foram montadas e encenadas aqui no Brasil.

Embora a literatura de Sartre tenha obtido grande destaque entre os artistas brasileiros, não se pode afirmar o mesmo de sua filosofia existencialista. A filosofia acabou por se tornar mais conhecida pelas suas frases de efeito (“o inferno são os outros”), do que a leitura e pesquisa rigorosa de suas obras. Este é um fato que corrobora, por exemplo, o fato de duas das principais obras do filósofo, “O Ser e o Nada” e “Crítica da Razão Dialética” não serem tão conhecidas e difundadas aqui no Brasil (o texto de “O Ser e o Nada”, por exemplo, só veio ser traduzido e publicado em terras brasileiras no ano de 1997, enquanto que na França, o texto original data de 1943). Tal demora pode ser apontada como um dos principais fatores na formação de pesquisadores e possíveis divulgadores do pensamento sartreano. Isto nos leva a dizer que o fascínio exercido pelo texto de Sartre se deve mais pelo que é dito e explanado pelos pesquisadores, do que uma leitura rigorosa e detalhada de suas obras.

"O Segundo Sexo", de Simone de Beauvoir.
Seguindo uma linha de pensamento análoga, a francesa Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir também adotou e moldou os preceitos de liberdade do ser humano em seus trabalhos, porém abordando uma problemática diferente: a opressão à mulher, e a supressão de seus principais direitos. Quantos de vocês, em determinado momento da sua vida não se deparou com uma fotografia representando um dos diversos movimentos de cunho feminista ao redor do mundo? Acredito que a mais célebre delas é a queima de diversos sutiãs em plena praça pública. Muitos estudiosos afirmam que a obra de Beauvoir - em especial a obra “O Segundo Sexo” (1949), que se trata de uma profunda análise sobre o papel feminino na sociedade contemporânea - teve contribuição significativa para diversos movimentos e manifestações de cunho feminista ao redor do mundo.

Assim como Jean-Paul Sartre, Beauvoir também partilhou da filosofia existencialista, aceitando o preceito de seu companheiro que “a existência precede a essência”, sendo assim, “não se nasce uma mulher, mas sim se torna uma”. Tal análise é concentrada na construção social da mulher como “o outro”, identificado pela francesa como um item fundamental para a opressão da mulher. Beauvoir argumentava que “as mulheres teriam sido consideradas, ao longo da história, como anormais e transviadas, e sustenta que até mesmo Mary Wollstonecraft (escritora britânica) considerava os homens como o ideal ao qual as mulheres deviam aspirar, para o feminismo seguir adiante, segundo ela, esta atitude deveria ser abandonada.

Muito do que Beauvoir pregou nas suas obras acabou sendo absorvido pelo movimento feminista. Por sua vez, movimentos desta natureza se relacionam com diversos outros movimentos sociais, na medida em que as questões ligadas à condição da mulher acabam por se interligar tanto com questões de opressão, como questões de classe, raça e preferência sexual. Em diversas épocas, esse tipo de abertura é inexistente, principalmente por existir uma necessidade de auto-afirmação das mulheres enquanto grupo organizado e portador de autonomia. Porém, com as gerações seguintes, novas condições são impostas aos movimentos sociais, o que tende a abrir novas possibilidades de organização e solidariedade entre os movimentos de diferentes objetivos. Sobreposições de opressões como, por exemplo, a mulher negra, a mulher lésbica e a mulher pobre incentivam não só as frentes específicas dentro do feminismo, mas também o coloca ao lado de outros movimentos que se colocam igualmente contra qualquer outro tipo de discriminação.

Um detalhe interessante observado por GALSTER (2003) mostra que o movimento feminista na França, baseado nos preceitos da obra “O Segundo Sexo” continua forte, gerando diversos debates e colóquios, sejam eles de natureza científica ou política.

BIBLIOGRAFIA


BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. São Paulo: Nova Fronteira, 2009.

DANELON, Márcio. O conceito sartreano de liberdade: implicações éticas. Revista Urutágua, Maringá, v.1, n. 4, 2002. Disponível em <http://www.urutagua.uem.br//04fil_danelon.htm>. Acesso em 03 ago. 2012;

GALSTER, Ingrid. Cinquenta anos depois de O segundo sexo, a quantas anda o feminismo na França?: uma entrevista com Michelle Perrot. Rev. Estud. Fem.,  Florianópolis,  v. 11,  n. 2, Dec.  2003. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2003000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em  06  ago.  2012.

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