Marina Barbosa
Como qualquer manifestação
cultural, a música representa práticas e elementos do grupo em que se insere.
Por isso, é comum que pessoas sintam-se próximas ao compartilhar gostos
musicais semelhantes. Mais que isso, quando criada e cultivada numa determinada
região, certa expressão musical pode servir até como um elemento representativo
de tal local. Fenômeno que pode ser exemplificado pela associação praticamente
imediata feita entre o forró e a região Nordeste.
No ensaio ‘A Reinvenção Musical do Nordeste’,
Trotta analisa o processo de construção identitária do Nordeste através da
música. O pesquisador afirma que “o pertencimento a determinada comunidade
imaginária tem relação direta com o cultivo de sentimentos de identificação
criados a partir de alguns elementos, crenças, práticas e saberes.
Musicalmente, esse sentimento comum se manifesta em fragmentos sonoros,
repertórios compartilhados e narrativas musicais que ajudam a construir uma
paisagem sonoro-musical que apela a um sentido único de pertencimento ao
bairro, à cidade, à região, à nação”.
O pesquisador chega, então, à
conclusão de que, apesar da diversidade musical da região, ninguém conseguiu
criar uma identidade mais forte que Luiz Gonzaga e sua sanfona. Ele explica que
o forró pé de serra, até hoje, representa a região Nordeste dentro e fora dela.
Contudo, mostra que, com o passar do tempo, o ritmo sofreu mudanças e o chamado
forró eletrônico tem conquistado cada vez mais adeptos. Dessa forma, essa nova
faceta da música nordestina está sendo elevada ao patamar de manifestação
cultural capaz de gerar reconhecimento entre a população jovem da região.
Trotta explica que essa mutação
da identidade musical nordestina acontece porque o forró de Gonzaga representa
uma região majoritariamente sertaneja, cujos integrantes sofrem com a seca e
cultivam mentalidades duras. Como essa não é mais a realidade da região, que
dispõe de grandes centros urbanos e estilo de vida cada vez mais moderno, a
juventude precisou desenvolver uma nova expressão musical para que pudesse se
reconhecer nela. “Na música, o surgimento de cenas culturais que decididamente
ignoravam as representações agrárias e sertanejas em suas elaborações estéticas
começa um longo processo, ainda em curso, de modificação deste imaginário”,
explica Trotta. Assim, “o público jovem, através da música, está encontrando
caminhos próprios para traçar seu mapa identitário, se afastando de
determinados modelos que não lhes parecem mais pertinentes ou adequados”.
Dessa forma, o forró eletrônico
surgiu e ganhou espaço entre os jovens nordestinos, através de shows que
caracterizam o ritmo e sua atmosfera de sensualidade e representam o estilo de
vida dessa parcela da população. Hoje, a força do forró eletrônico é inegável e
bandas como Garota Safada e Aviões do Forró desfrutam de cada vez mais repercussão.
Nessa linha de raciocínio, que analisa a mudança e o crescimento de expressões
musicais capazes de representar determinado grupo social, outro ritmo entra em
cena no Nordeste, o brega.
Depois da explosão do forró
eletrônico, o brega foi o ritmo que teve maior difusão entre a sociedade.
Surgido nas comunidades suburbanas, o brega saiu do seu círculo original e
tornou-se popular também nas classes média e alta nos últimos anos. Hoje,
músicas bregas fazem parte do repertório ou do inconsciente de grande parte da
população de cidades como Recife e Maceió. Um dos fatores responsáveis por esse
popularização foi a internet, já que na rede há espaço para todos mostrarem seu
trabalho. Assim, com vídeos simples postados no youtube, muitas bandas de
comunidades pobres tornaram-se conhecidas, o que contribuiu para o
fortalecimento da música brega.
No entanto, é importante
ressaltar que, apesar de cada vez mais aceita socialmente, a música brega
continua representando apenas as classes menos favorecidas economicamente. Conhecer
e cantarolar tais músicas não faz com que os integrantes das classes média e
alta se reconheçam nessa expressão musical, já que o estilo de vida e modo de
se vestir dos cantores de brega é muito diferente dos seus novos ouvintes.
Dessa forma, apesar de cada vez mais popular, o brega não é uma expressão
musical que cria um sentimento de reconhecimento entre a população nordestina.
Na Campus Party Recife, Fernando
Fontanella ministrou uma palestra sobre a viralização do brega e deu
declarações que aprofundam ainda mais essa questão da popularização do ritmo sem o necessário reconhecimento identitário. O publicitário disse que “muitos
vídeos de brega ficaram famosos na internet porque causaram uma reação de
surpresa ou estranhamento em parte do público”. Com isso, o publicitário quer
dizer que muitas pessoas assistem e compartilham vídeos de brega porque querem
saber do que se trata, ou até para rir de seu conteúdo. Ou seja, a
popularização da música brega entre as classes média e alta não significa
necessariamente que esse público gosta dessa manifestação cultural, porque
muitos compartilham tais músicas de forma jocosa. “A diversidade causa
discussão e compartilhamento. Por isso, muitas pessoas de fora do círculo
inicial do brega divulgam seus vídeos apenas por diversão ou curiosidade”,
comentou Fontanella.
A popularização do brega à custas
de brincadeiras desrespeitosas é tão verdade que já existem até festas em que
os ouvintes de brega da classe alta se ‘fantasiam’ no estilo brega. Ou seja,
são festas em que as pessoas usam roupas diferentes das usuais para representar
a classe produtora da música brega, como acontece no bloco de carnaval I Love
Cafusú.
Dessa forma, o brega levou a
música das comunidades suburbanas à cultura de consumo da população. Contudo,
essa difusão nem sempre aconteceu de forma digna, já que muitas vezes a música
brega torna-se conhecida devido a brincadeiras jocosas por parte do público das
classes altas. Porém, é preciso lembrar que essa relação não pode ser
generalizada, pois muitas pessoas conheceram e se aproximaram da música brega
sem necessariamente aderir ao estilo de seus músicos. Assim, essa expressão
musical ganha cada vez mais espaço fora do seu círculo original, mesmo sem
criar laços identitários fortes. Como qualquer manifestação cultural, a música
brega pode aproximar pessoas com gostos semelhantes, mas não se pode esquecer
que a realidade de vida dos integrantes das bandas de brega é bem distinta dos
seus ouvintes das classes altas.
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