Por Tamires Souza
Coutinho
Graduanda de Comunicação Social/Jornalismo - UFPE
Pode-se dizer
que Muito Além do Jardim Botânico é
uma obra de extrema importância para os estudos de recepção brasileiros, talvez
uma das principais. Suas abordagens acerca do “principal jornal brasileiro” e as
reflexões proporcionadas pelo estudo de caso das cidades de Lagoa Seca e
Paicará e de como o JN afetava diretamente o cotidiano destas, transcendem o
tempo e são lembradas e utilizadas como base para as teses e estudos atuais.
Entretanto, o livro retrata a sociedade de 1985, e, ao compararmos muitas das
teorias que ali são mostradas, vemos que, agora, algumas não condizem com nossa
realidade. Afinal, assim como a sociedade mudou e se modernizou desde a
concepção de Muito Além do Jardim Botânico,
os estudos de recepção também se modernizaram junto com ela.

Por meio de um
questionário feito com 263 alunos – dos quais 16 voluntários selecionados pela
autora aceitaram participar de uma pesquisa mais minuciosa, onde os impactos do
jornal são avaliados no seu dia a dia –, Travancas conseguiu dados relevantes
que, embora não possam ser tomados como generalizados para todos os estudantes
do Rio, mostram o quanto o JN é importante para este público.
“Através dos questionários, ficou claro que mais da metade dos jovens que
participaram dessa fase da pesquisa veem televisão todos os dias e a grande
maioria prefere os programas jornalísticos e as novelas. E o mais importante: a
grande maioria assiste ao Jornal Nacional, e quase a metade com bastante
frequência. Além disto, um número expressivo declara gostar do jornal.”
(TRAVANCAS, 2007, pág. 42)
Além disto,
Travancas buscou não só perceber a visão dos estudantes, mas também dos
“mentores” do Jornal Nacional: os jornalistas. Ao passar um dia acompanhando a
redação do JN, ao lado de William Bonner, Travancas assume uma perspectiva mais
favorável ao jornal que o próprio Carlos Silva, que critica a alienação causada
pelo jornal nas cidades estudadas por ele. A autora, porém, se mantém quase que
“neutra”, trazendo tanto críticas quanto elogios. Ela destaca o papel da
notícia para a sociedade e o papel do JN em relação a isto, unindo-se com a
importância da televisão para o país, nos dias de hoje (já que, em estudos
lançados, há “mais televisões que geladeiras no Brasil”).
“A meu ver, a notícia é um
produto das complexas interações que constituem a vida social. (...) A notícia
estará sempre ancorada em um critério de classificação, em uma taxonomia que os
jornalistas compartilham, da mesma forma que seus leitores, ouvintes e
telespectadores.” (TRAVANCAS, 2007, pág. 52).
“O Jornal Nacional estabelece esse vínculo com a sua audiência, por
mais ampla que ela seja.” (TRAVANCAS, 2007, pág. 53)

Um ponto importante
destacado por ela é o fato dos estudantes terem nascido após a instituição da
televisão no país. Ou seja, para eles, é difícil imaginar uma vida sem a
televisão. “Ela é, sem dúvida alguma, mediadora da realidade” (TRAVANCAS, 2007,
pág. 65). Portanto, a televisão é algo constante em suas vidas, e a maior parte
deles assume que assiste – ou assistia – muito à televisão. Para eles, ela é
uma fonte de diversão e relaxamento e o JN se encontra nesta definição.
É notável a
classificação do Jornal Nacional como algo indispensável na vida destes
estudantes. Muitos o criticam, outros gostam dele. Alguns não assistem
frequentemente, uns todos os dias. Outros preferem jornais impressos ou
internet, mas, “sem dúvida” todos o assistem. Mas será que o Jornal Nacional é,
de fato, “tão importante” assim para os jovens universitários brasileiros que,
mesmo sem gostar, não conseguimos “fugir” dele? Como a própria Isabel afirma:
“Eu me perguntava, no início deste trabalho, se os jovens assistiam ao
Jornal Nacional e o que eu faria se, durante a pesquisa, descobrisse que eles
não o veem. Mas, aos poucos, não só fui confirmando o quanto o JN é uma
referência também para eles, como é fonte de sentimentos os mais variados, que
vão do amor ao ódio. Jamais de indiferença.” (TRAVANCAS, 2007, pág. 88).

Voltando a Muito Além do Jardim Botânico e suas críticas à alienação provocada pelo Jornal Nacional, o “jornal preferido dos brasileiros”, restam perguntas: Silva estava certo ao afirmar ser o JN protagonista de tal alienação? E agora, mais de duas décadas depois, será que estamos vivenciando a mesma alienação, mas agora ampliada e mais sutil, abrangendo nossa sociedade?
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