Por Tamires Souza
Coutinho
Graduanda de Comunicação Social/Jornalismo - UFPE
Pode-se dizer
que Muito Além do Jardim Botânico é
uma obra de extrema importância para os estudos de recepção brasileiros, talvez
uma das principais. Suas abordagens acerca do “principal jornal brasileiro” e as
reflexões proporcionadas pelo estudo de caso das cidades de Lagoa Seca e
Paicará e de como o JN afetava diretamente o cotidiano destas, transcendem o
tempo e são lembradas e utilizadas como base para as teses e estudos atuais.
Entretanto, o livro retrata a sociedade de 1985, e, ao compararmos muitas das
teorias que ali são mostradas, vemos que, agora, algumas não condizem com nossa
realidade. Afinal, assim como a sociedade mudou e se modernizou desde a
concepção de Muito Além do Jardim Botânico,
os estudos de recepção também se modernizaram junto com ela.
Isabel
Travancas, em seu livro Juventude e Televisão
– Um estudo de recepção do Jornal Nacional entre jovens universitários cariocas
(2007), consegue trazer um estudo tão contundente para a atualidade quanto Muito Além do Jardim Botânico foi em 85.
Ao realizar uma pesquisa com estudantes universitários (dos cursos de medicina,
serviço social, pedagogia e comunicação social) de quatro universidades do Rio
de Janeiro, Travancas nos proporciona uma visão do significado que o Jornal
Nacional tem para estes jovens, que compõem um público geralmente “esquecido”
quando se imagina a audiência do JN.
Por meio de um
questionário feito com 263 alunos – dos quais 16 voluntários selecionados pela
autora aceitaram participar de uma pesquisa mais minuciosa, onde os impactos do
jornal são avaliados no seu dia a dia –, Travancas conseguiu dados relevantes
que, embora não possam ser tomados como generalizados para todos os estudantes
do Rio, mostram o quanto o JN é importante para este público.
“Através dos questionários, ficou claro que mais da metade dos jovens que
participaram dessa fase da pesquisa veem televisão todos os dias e a grande
maioria prefere os programas jornalísticos e as novelas. E o mais importante: a
grande maioria assiste ao Jornal Nacional, e quase a metade com bastante
frequência. Além disto, um número expressivo declara gostar do jornal.”
(TRAVANCAS, 2007, pág. 42)
Além disto,
Travancas buscou não só perceber a visão dos estudantes, mas também dos
“mentores” do Jornal Nacional: os jornalistas. Ao passar um dia acompanhando a
redação do JN, ao lado de William Bonner, Travancas assume uma perspectiva mais
favorável ao jornal que o próprio Carlos Silva, que critica a alienação causada
pelo jornal nas cidades estudadas por ele. A autora, porém, se mantém quase que
“neutra”, trazendo tanto críticas quanto elogios. Ela destaca o papel da
notícia para a sociedade e o papel do JN em relação a isto, unindo-se com a
importância da televisão para o país, nos dias de hoje (já que, em estudos
lançados, há “mais televisões que geladeiras no Brasil”).
“A meu ver, a notícia é um
produto das complexas interações que constituem a vida social. (...) A notícia
estará sempre ancorada em um critério de classificação, em uma taxonomia que os
jornalistas compartilham, da mesma forma que seus leitores, ouvintes e
telespectadores.” (TRAVANCAS, 2007, pág. 52).
“O Jornal Nacional estabelece esse vínculo com a sua audiência, por
mais ampla que ela seja.” (TRAVANCAS, 2007, pág. 53)
Chegando
ao ápice da pesquisa, Travancas nos dá uma abordagem social do perfil destes
estudantes. São de diversas esferas sociais e culturais, alguns com mais poder
aquisitivo, outros não. A maioria (onze) é mulher, e todas cursam as áreas de
humanas – os cinco homens restantes se dividem entre medicina, comunicação
social e serviço social. Dividem-se entre faculdades particulares e públicas, e
nem todos são nascidos cariocas. Alguns têm fortes visões políticas, mas a
maioria prefere se manter neutra por acreditar que “a política não tem mais
jeito”. A universidade é, para eles, uma
mudança em suas vidas, seja ela tênue (como uma simples entrada num curso de
sua preferência) ou drástica (como uma mudança de paradigma). Ou seja, temos um
leque de diferentes modelos sociais dos jovens universitários. Diferentes, mas
convergentes: todos ligados pelo JN.
Um ponto importante
destacado por ela é o fato dos estudantes terem nascido após a instituição da
televisão no país. Ou seja, para eles, é difícil imaginar uma vida sem a
televisão. “Ela é, sem dúvida alguma, mediadora da realidade” (TRAVANCAS, 2007,
pág. 65). Portanto, a televisão é algo constante em suas vidas, e a maior parte
deles assume que assiste – ou assistia – muito à televisão. Para eles, ela é
uma fonte de diversão e relaxamento e o JN se encontra nesta definição.
É notável a
classificação do Jornal Nacional como algo indispensável na vida destes
estudantes. Muitos o criticam, outros gostam dele. Alguns não assistem
frequentemente, uns todos os dias. Outros preferem jornais impressos ou
internet, mas, “sem dúvida” todos o assistem. Mas será que o Jornal Nacional é,
de fato, “tão importante” assim para os jovens universitários brasileiros que,
mesmo sem gostar, não conseguimos “fugir” dele? Como a própria Isabel afirma:
“Eu me perguntava, no início deste trabalho, se os jovens assistiam ao
Jornal Nacional e o que eu faria se, durante a pesquisa, descobrisse que eles
não o veem. Mas, aos poucos, não só fui confirmando o quanto o JN é uma
referência também para eles, como é fonte de sentimentos os mais variados, que
vão do amor ao ódio. Jamais de indiferença.” (TRAVANCAS, 2007, pág. 88).
A
televisão, também, se consolida como parte importante da sociedade brasileira,
quase como “mais um ente da família”. É algo “onipresente”, que está em todas
as casas e em todos os lugares. Fugir dela, atualmente, é uma tarefa impossível.
Os próprios dados apresentados pela autora no início da obra, mostrando o
aumento do número de televisões durante as décadas (onde o número de TVs
ultrapassa e muito o número de geladeiras), comprova ainda mais esta teoria.
Será que a televisão não está sendo superestimada pela nossa sociedade?
Voltando a Muito Além do Jardim Botânico e suas críticas à alienação provocada pelo Jornal Nacional, o “jornal preferido dos brasileiros”, restam perguntas: Silva estava certo ao afirmar ser o JN protagonista de tal alienação? E agora, mais de duas décadas depois, será que estamos vivenciando a mesma alienação, mas agora ampliada e mais sutil, abrangendo nossa sociedade?
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