Marcela Lins
Marcela Pereira
Ursula Neumann
Vista por muitos estudiosos da área com um
“campo em construção” a Comunicação é, sem dúvida, multidisciplinar. Isto pode
ser encarada como convite à dispersão, como uma falta de rigor que confere
fraqueza ao campo. No entanto, se pensarmos a Comunicação com os olhos de Edgar Morin, veremos que ela é rica justamente por não ter
limites estabelecidos.
Essencialmente contextualizante, a Comunicação estuda as mais variadas vertentes das ciências humanas. Assim como as “ciências sistêmicas” enumeradas por Morin, esse campo lida com sistemas complexos. Recorre, portanto, a numerosas disciplinas para desenvolver suas reflexões, tendendo sempre à interface dos saberes, por não possuir um objeto de estudo em seu estado “puro”.
Essencialmente contextualizante, a Comunicação estuda as mais variadas vertentes das ciências humanas. Assim como as “ciências sistêmicas” enumeradas por Morin, esse campo lida com sistemas complexos. Recorre, portanto, a numerosas disciplinas para desenvolver suas reflexões, tendendo sempre à interface dos saberes, por não possuir um objeto de estudo em seu estado “puro”.
Tal multidisciplinaridade, no entanto, trouxe conflitos para a estabilização da Comunicação como ciência. A falta de margens entre a comunicação e as outras ciências no âmbito acadêmico gera muita polêmica. Deve a comunicação restringir-se dentro de sua própria área para ser classificada como ciência? Essa limitação, porém, não empobreceria as pesquisas e deixaria cansadas as teorias? A busca por um objeto e uma metodologia definidos dentro do campo da comunicação acaba trazendo um problema de identidade.
Entre as muitas opiniões sobre este debate, vale citar o pesquisador Muniz Sodré, que acredita que devemos tomar a comunicação como uma ciência, sim, não à maneira das exatas ou biológicas, como conhecimento exato e universal, "mas no sentido de discurso bem estruturado, de língua bem-feita, e capaz de ser assim reconhecida pela comunidade, resgatado de Kant e dos filósofos sensualistas do século 18".
Já dizia o jargão: “Jornalismo se
aprende na rua”. Será mesmo? Em A Universidade do Século XXI, Boaventura de
Sousa Santos discorre sobre as três grandes crises com que se defronta a
Universidade Pública — a crise de hegemonia, de legitimidade e institucional.
A questão do ensino da comunicação na
Universidade parece bastante atrelada à crise de hegemonia, que, em linhas
gerais,
resultou das contradições entre as tradicionais funções da universidade, que é
a produção de um saber calcado nos valores da alta cultura, um pensamento
crítico e a produção de conhecimentos científicos e humanísticos; e a grande
demanda do capitalismo, que é a produção de uma mão de obra qualificada,
estruturada em um conhecimento médio, mais instrumental, para a atuação no
mercado de trabalho. Tradicionalmente, a Universidade se consagrara como
instituição importante para a formação das elites e hoje, isso vai de encontro
com as políticas de democratização de acesso (o que resulta, por sinal, em
outra crise, a de legitimidade!). Além de que, na luta por sua autonomia,
muitas vezes, a Universidade se pôs na condição de uma torre de marfim, ao se
ater na busca por resolução de problemas que não necessariamente correspondam
aos anseios da sociedade. Por outro lado, com o desponte do neoliberalismo como
modelo global de capitalismo, vimos a crescente descapitalização da
Universidade, que, no caso do Brasil, se alastrou desde a política econômica de
Delfin Netto, no governo Médici, ao agrave da crise financeira da década de 1980
e se segue até os dias atuais; e a resposta do Estado é que as crises,
“insuperáveis”, devem ser compensadas com a atuação do setor privado, afinal de
contas, sendo a Educação um bem público, não há de ser responsabilidade
exclusiva do Estado, mas de agentes do capital privado (em 1980, do montante de
estudantes matriculados em instituições de ensino superior, 65% estavam em
instituições privadas). A descapitalização da Universidade, acompanhada da
crescente concorrência com o setor privado, culminou em saídas de
mercadorização da Instituição pública. Para Boaventura, o primeiro nível desse
processo consiste em gerar receitas próprias mediante parcerias com o capital
privado, sobretudo industrial, mantendo, em parte, sua autonomia, mas
privatizando parte dos serviços que presta. O segundo nível consiste em
transformar a universidade, em seu conjunto, em uma empresa, que produz a si
mesma como mercado de gestão universitária, de formação de docentes, de planos
de estudo, etc., de maneira e eliminar as distinções entre a universidade
pública e privada.
Junto com o processo de mercadorização, o ethos
universitário predominantemente disciplinar e, muitas vezes, descontextualizado
das necessidades cotidianas passou a dar mais espaço a um modelo de
conhecimento contextual — o conhecimento “pluriversitário”, o qual atrela sua
produção à aplicação que lhe pode ser dada. Infelizmente, dentro do espaço
acadêmico, a concretização do conhecimento pluriversitário têm se dado, muitas
vezes, em parcerias universidade-indústria. Em alguns países, o contexto da
aplicação tem sido através de parcerias entre pesquisadores e sindicatos, ONGs,
movimentos sociais, grupos sociais vulneráveis, como portadores de HIV,
imigrantes, doentes crônicos, etc.
Se o conhecimento produzido pelas instituições soa
afastado da práxis, há de se questionar se, de fato, a saída para um
conhecimento exclusivamente voltado para a atuação do mercado de trabalho é a
melhor alternativa. A universidade, mesmo que reinventada e inserida em um
contexto que não mais aquele em que sua figura era importante para a produção
de uma elite consumidora de alta cultura, ainda guarda, em seu cerne, seu
potencial emancipador. Claro que esta ainda manifesta problemas sérios no que
diz respeito à produção do conhecimento, como o fato de por em legitimidade
apenas o saber científico em detrimento do que é produzido nas demais esferas.
Por outro lado, devemos lembrar que há a crescente necessidade de articulação
da Universidade com atores sociais diversos, sem que estes sejam,
necessariamente, agentes dos setores do capital privado. Já dizia Edgar Morin,
“A Universidade deve, ao mesmo tempo, adaptar-se às necessidades
da sociedade contemporânea e realizar sua missão transecular de
conservação, transmissão e enriquecimento de um patrimônio cultural,
sem o que não passaríamos de máquinas de produção e consumo.”
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