segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Comunicação, Ciência e Universidade: paradigmas e preconceitos


Marcela Lins
Marcela Pereira
Ursula Neumann


Vista por muitos estudiosos da área com um “campo em construção” a Comunicação é, sem dúvida, multidisciplinar. Isto pode ser encarada como convite à dispersão, como uma falta de rigor que confere fraqueza ao campo. No entanto, se pensarmos a Comunicação com os olhos de Edgar Morin, veremos que ela é rica justamente por não ter limites estabelecidos.

Essencialmente contextualizante, a Comunicação estuda as mais variadas vertentes das ciências humanas. Assim como as “ciências sistêmicas” enumeradas por Morin, esse campo lida com sistemas complexos. Recorre, portanto, a numerosas disciplinas para desenvolver suas reflexões, tendendo sempre à interface dos saberes, por não possuir um objeto de estudo em seu estado “puro”.

Tal multidisciplinaridade, no entanto, trouxe conflitos para a estabilização da Comunicação como ciência. A falta de margens entre a comunicação e as outras ciências no âmbito acadêmico gera muita polêmica. Deve a comunicação restringir-se dentro de sua própria área para ser classificada como ciência? Essa limitação, porém, não empobreceria as pesquisas e deixaria cansadas as teorias? A busca por um objeto e uma metodologia definidos dentro do campo da comunicação acaba trazendo um problema de identidade.

Entre as muitas opiniões sobre este debate, vale citar o pesquisador Muniz Sodré, que acredita que devemos tomar a comunicação como uma ciência, sim, não à maneira das exatas ou biológicas, como conhecimento exato e universal, "mas no sentido de discurso bem estruturado, de língua bem-feita, e capaz de ser assim reconhecida pela comunidade, resgatado de Kant e dos filósofos sensualistas do século 18".


Algumas considerações sobre o Jornalismo e a Universidade como espaço de produção de saber


Já dizia o jargão: “Jornalismo se aprende na rua”. Será mesmo? Em A Universidade do Século XXI, Boaventura de Sousa Santos discorre sobre as três grandes crises com que se defronta a Universidade Pública — a crise de hegemonia, de legitimidade e institucional.

A questão do ensino da comunicação na Universidade parece bastante atrelada à crise de hegemonia, que, em linhas gerais, resultou das contradições entre as tradicionais funções da universidade, que é a produção de um saber calcado nos valores da alta cultura, um pensamento crítico e a produção de conhecimentos científicos e humanísticos; e a grande demanda do capitalismo, que é a produção de uma mão de obra qualificada, estruturada em um conhecimento médio, mais instrumental, para a atuação no mercado de trabalho. Tradicionalmente, a Universidade se consagrara como instituição importante para a formação das elites e hoje, isso vai de encontro com as políticas de democratização de acesso (o que resulta, por sinal, em outra crise, a de legitimidade!). Além de que, na luta por sua autonomia, muitas vezes, a Universidade se pôs na condição de uma torre de marfim, ao se ater na busca por resolução de problemas que não necessariamente correspondam aos anseios da sociedade. Por outro lado, com o desponte do neoliberalismo como modelo global de capitalismo, vimos a crescente descapitalização da Universidade, que, no caso do Brasil, se alastrou desde a política econômica de Delfin Netto, no governo Médici, ao agrave da crise financeira da década de 1980 e se segue até os dias atuais; e a resposta do Estado é que as crises, “insuperáveis”, devem ser compensadas com a atuação do setor privado, afinal de contas, sendo a Educação um bem público, não há de ser responsabilidade exclusiva do Estado, mas de agentes do capital privado (em 1980, do montante de estudantes matriculados em instituições de ensino superior, 65% estavam em instituições privadas). A descapitalização da Universidade, acompanhada da crescente concorrência com o setor privado, culminou em saídas de mercadorização da Instituição pública. Para Boaventura, o primeiro nível desse processo consiste em gerar receitas próprias mediante parcerias com o capital privado, sobretudo industrial, mantendo, em parte, sua autonomia, mas privatizando parte dos serviços que presta. O segundo nível consiste em transformar a universidade, em seu conjunto, em uma empresa, que produz a si mesma como mercado de gestão universitária, de formação de docentes, de planos de estudo, etc., de maneira e eliminar as distinções entre a universidade pública e privada.

Junto com o processo de mercadorização, o ethos universitário predominantemente disciplinar e, muitas vezes, descontextualizado das necessidades cotidianas passou a dar mais espaço a um modelo de conhecimento contextual — o conhecimento “pluriversitário”, o qual atrela sua produção à aplicação que lhe pode ser dada. Infelizmente, dentro do espaço acadêmico, a concretização do conhecimento pluriversitário têm se dado, muitas vezes, em parcerias universidade-indústria. Em alguns países, o contexto da aplicação tem sido através de parcerias entre pesquisadores e sindicatos, ONGs, movimentos sociais, grupos sociais vulneráveis, como portadores de HIV, imigrantes, doentes crônicos, etc.

Se o conhecimento produzido pelas instituições soa afastado da práxis, há de se questionar se, de fato, a saída para um conhecimento exclusivamente voltado para a atuação do mercado de trabalho é a melhor alternativa. A universidade, mesmo que reinventada e inserida em um contexto que não mais aquele em que sua figura era importante para a produção de uma elite consumidora de alta cultura, ainda guarda, em seu cerne, seu potencial emancipador. Claro que esta ainda manifesta problemas sérios no que diz respeito à produção do conhecimento, como o fato de por em legitimidade apenas o saber científico em detrimento do que é produzido nas demais esferas. Por outro lado, devemos lembrar que há a crescente necessidade de articulação da Universidade com atores sociais diversos, sem que estes sejam, necessariamente, agentes dos setores do capital privado. Já dizia Edgar Morin,

“A Universidade deve, ao mesmo tempo, adaptar-se às necessidades
da sociedade contemporânea e realizar sua missão transecular de
conservação, transmissão e enriquecimento de um patrimônio cultural,
sem o que não passaríamos de máquinas de produção e consumo.”

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