Debatedora: Marcela de Aquino
1. Graduanda do curso de Jornalismo da UFPE
Estudos
de Recepção
Os
estudos de recepção ganharam relevância a partir das últimas décadas do século
XX, a partir deles o receptor não é mais visto como um mero consumidor passivo
das mensagens veiculadas pelos media, mas sim produtor de significações e de
sentidos inserido em um contexto histórico e cultural.
O
livro Muito Além do Jardim Botânico mostra indivíduos da classe trabalhadora
que não se deixam influenciar por tudo o
que é dito em um dos telejornais de maior audiência no Brasil, indo de encontro
com a radicalidade do conceito de manipulação das indústrias culturais.
Mas
decorreu um longo tempo para a consolidação desses estudos na área de
comunicação. No início, houve a prevalência da concepção cibernética de
transmissão das mensagens em que o processo comunicacional era visto como um
esquema simplista, fragmentário, linear e unidirecional. A produção, a mensagem
e a recepção seriam etapas operacionais desse processo os quais não interagiam
entre si e onde cada pólo tinha sua função unívoca.
A
charge acima, se olhada com uma visão crítica, dá indícios dessas funções: a do
emissor seria dominar praticamente todo o processo comunicativo e a do receptor,
apenas obedecer aos ditames do emissor.
Dado
a ascensão de regimes totalitários e a crença exacerbada no poderio da mídia surge a teoria hipodérmica, a qual ressaltava
o poder de manipulação dos meios de comunicação em uma massa homogênea de
indivíduos atomizados que não resistiam aos efeitos diretos das mensagens midiáticas.
Essa teoria se baseava no modelo estímulo-resposta do behaviorismo, tradição
filosófica gestada em uma sociedade mecanicista. Com os malefícios do nazismo e
fascismo nas sociedades modernas, esse pensamento se refaz perdendo sua
radicalidade e os estudos na área chegam a um pólo completamente oposto que
idolatra o poder do receptor como selecionador dos bens simbólicos.
Essa
concepção é conhecida como teoria dos usos e gratificações e evoca o papel do
receptor na escolha da programação e do que é relevante para si de acordo com
suas necessidades sociais ignorando que os programas já são pré-definidos pela
mídia. Junto a essa teoria, na década de 70, havia a pesquisa empírica
norte-americana da Communication Research
a qual estudava os efeitos comportamentais provocados nos receptores pelas
mensagens midiáticas em flagrante evidência de raízes da tradição hipodérmica.
Somente a partir dos anos
80, é que os receptores serão considerados sujeitos ativos que constroem subjetivamente
os significados das mensagens não apenas decodificando as significações
atribuídas à mídia, descaracterizando qualquer privilégio dado aos pólos
comunicacionais, seja ao emissor ou ao receptor.
As
origens dessa Teoria Interpretativa (termo cunhado por Robert White) estão
associadas à tradição dos Estudos Culturais críticos anglo-americanos, ao
Interacionismo Simbólico eclipsado na década de 20 pela Teoria Matemática, aos
Estudos de Consenso Cultural e a um crescente interesse pela cultura popular.
Os
Estudos Culturais britânicos influíram decisivamente nos estudos de recepção e
um de seus estudiosos, Williams, questionou a comunicação como transporte de
informações e trouxe como método de análise a interpretação textual
hermenêutica. Esta se refere à compreensão dos significados produzidos tanto
pelo leitor como pelo escritor do texto, a reconstrução textual pelo leitor de
acordo com o seu contexto histórico e a resistência popular à hegemonia ideológica
das classes dominantes.
Outros estudiosos como Thompson e Hoggart estudaram as
classes trabalhadoras, não vistas a partir do exterior como uma classe
passivamente explorada, mas em seu próprio seio como construtora de sua cultura
analogamente ao que foi mostrado no livro Muito Além do Jardim Botânico.
As
contribuições do Interacionismo Simbólico são a base construtora dos estudos de
recepção percebendo a comunicação como um processo de negociação de sentidos
que envolvem vários atores sociais os quais buscam através dos significados das
ações sociais construírem suas identidades. Já os Estudos de Consenso Cultural
influenciado pela antropologia social fixa-se na constituição e manutenção de
uma cultura compartilhada a fim de compreender o papel da mídia nessa
integração de valores.
Além
das origens é relevante tratar o impulso ao desenvolvimento dos estudos de
recepção pela corrente latino-americana, que troca o conceito de dominação do
marxismo determinista pelo de hegemonia de Gramsci, utiliza-se do referencial
metodológico da pesquisa-ação e trata da comunicação em uma perspectiva
culturalista.
O
popular deixa de ser sinônimo de inculto e de passividade como acreditava a
tradição crítica da Escola de Frankfurt e passa a ser pensada em sua
diversidade e resistência à cultura hegemônica. Esta não seria estática nem
impositiva, mas um processo em contínua transformação, uma negociação em que há
o consenso de valores por uma classe social e a aceitação ou a resistência e o
conflito das outras classes, em uma disputa pelo poder.
As
principais correntes dos Estudos de Recepção da América Latina são:
·
Consumo
Cultural: O principal investigador dessa corrente é Néstor García Cancline que
ultrapassa a ideia de que o consumo é uma relação entre a manipulação do
dominador e a audiência passiva, mas sim que é algo mais complexo que envolve a
colaboração do público.
·
Frentes
Culturais: Adapta a noção de hegemonia de Gramsci e a noção de campo de
Bourdieu na cultura, pois este é o lugar onde há a confrontação das diversas
frentes culturais que buscam o reconhecimento das demais classes sociais.
·
Recepção
Ativa: O principal objetivo dessa corrente é a educação das audiências dos
meios de comunicação, para que elas possam construir uma reflexão crítica
perante a mídia.
·
Uso
Social dos Meios: Representada por um dos mais célebres estudiosos da área,
Jesus Martín-Barbero, o qual fala da comunicação em uma perspectiva cultural e
não de meios, em que há uma hibridação na cultura favorecendo diversas
mediações que moldam as visões cognitivas ou percepções dos indivíduos.
·
Modelo
das Multimediações: Trata das várias mediações (a cultura e as instituições
sociais que o indivíduo participa) que vão remodelar e ressignificar as
mensagens midiáticas.
É possível perceber que essas
correntes estão imiscuídas no livro Muito
Além do Jardim Botânico principalmente
a questão da mediação, necessária à interpretação feita pelos trabalhadores das
notícias divulgadas pelo Jornal Nacional. Essas mediações seriam as práticas
sociais em que os trabalhadores estão inseridos desde a participação em
sindicatos e movimentos sociais, o conhecimento de outros telejornais até as
próprias experiências de vida que influem na percepção que o trabalhador tem de
seu entorno reforçando ainda mais a concepção do receptor como sujeito ativo.
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