domingo, 5 de agosto de 2012

Muito Além do Jardim Botânico - Texto 4


                                                                                                       Debatedora: Marcela de Aquino                              
1.                                                                                                                                                                                                                    Graduanda do curso de Jornalismo da UFPE 
                  Estudos de Recepção                                                                
Os estudos de recepção ganharam relevância a partir das últimas décadas do século XX, a partir deles o receptor não é mais visto como um mero consumidor passivo das mensagens veiculadas pelos media, mas sim produtor de significações e de sentidos inserido em um contexto histórico e cultural.  
O livro Muito Além do Jardim Botânico mostra indivíduos da classe trabalhadora que  não se deixam influenciar por tudo o que é dito em um dos telejornais de maior audiência no Brasil, indo de encontro com a radicalidade do conceito de manipulação das indústrias culturais.
Mas decorreu um longo tempo para a consolidação desses estudos na área de comunicação. No início, houve a prevalência da concepção cibernética de transmissão das mensagens em que o processo comunicacional era visto como um esquema simplista, fragmentário, linear e unidirecional. A produção, a mensagem e a recepção seriam etapas operacionais desse processo os quais não interagiam entre si e onde cada pólo tinha sua função unívoca. 
A charge acima, se olhada com uma visão crítica, dá indícios dessas funções: a do emissor seria dominar praticamente todo o processo comunicativo e a do receptor, apenas obedecer aos ditames do emissor.
Dado a ascensão de regimes totalitários e a crença exacerbada no poderio da mídia  surge a teoria hipodérmica, a qual ressaltava o poder de manipulação dos meios de comunicação em uma massa homogênea de indivíduos atomizados que não resistiam aos efeitos diretos das mensagens midiáticas. Essa teoria se baseava no modelo estímulo-resposta do behaviorismo, tradição filosófica gestada em uma sociedade mecanicista. Com os malefícios do nazismo e fascismo nas sociedades modernas, esse pensamento se refaz perdendo sua radicalidade e os estudos na área chegam a um pólo completamente oposto que idolatra o poder do receptor como selecionador dos bens simbólicos.
Essa concepção é conhecida como teoria dos usos e gratificações e evoca o papel do receptor na escolha da programação e do que é relevante para si de acordo com suas necessidades sociais ignorando que os programas já são pré-definidos pela mídia. Junto a essa teoria, na década de 70, havia a pesquisa empírica norte-americana da Communication Research a qual estudava os efeitos comportamentais provocados nos receptores pelas mensagens midiáticas em flagrante evidência de raízes da tradição hipodérmica.
Somente a partir dos anos 80, é que os receptores serão considerados sujeitos ativos que constroem subjetivamente os significados das mensagens não apenas decodificando as significações atribuídas à mídia, descaracterizando qualquer privilégio dado aos pólos comunicacionais, seja ao emissor ou ao receptor.
As origens dessa Teoria Interpretativa (termo cunhado por Robert White) estão associadas à tradição dos Estudos Culturais críticos anglo-americanos, ao Interacionismo Simbólico eclipsado na década de 20 pela Teoria Matemática, aos Estudos de Consenso Cultural e a um crescente interesse pela cultura popular. 
Os Estudos Culturais britânicos influíram decisivamente nos estudos de recepção e um de seus estudiosos, Williams, questionou a comunicação como transporte de informações e trouxe como método de análise a interpretação textual hermenêutica. Esta se refere à compreensão dos significados produzidos tanto pelo leitor como pelo escritor do texto, a reconstrução textual pelo leitor de acordo com o seu contexto histórico e a resistência popular à hegemonia ideológica das classes dominantes. 
Outros estudiosos como Thompson e Hoggart estudaram as classes trabalhadoras, não vistas a partir do exterior como uma classe passivamente explorada, mas em seu próprio seio como construtora de sua cultura analogamente ao que foi mostrado no livro Muito Além do Jardim Botânico.
As contribuições do Interacionismo Simbólico são a base construtora dos estudos de recepção percebendo a comunicação como um processo de negociação de sentidos que envolvem vários atores sociais os quais buscam através dos significados das ações sociais construírem suas identidades. Já os Estudos de Consenso Cultural influenciado pela antropologia social fixa-se na constituição e manutenção de uma cultura compartilhada a fim de compreender o papel da mídia nessa integração de valores.
Além das origens é relevante tratar o impulso ao desenvolvimento dos estudos de recepção pela corrente latino-americana, que troca o conceito de dominação do marxismo determinista pelo de hegemonia de Gramsci, utiliza-se do referencial metodológico da pesquisa-ação e trata da comunicação em uma perspectiva culturalista.
O popular deixa de ser sinônimo de inculto e de passividade como acreditava a tradição crítica da Escola de Frankfurt e passa a ser pensada em sua diversidade e resistência à cultura hegemônica. Esta não seria estática nem impositiva, mas um processo em contínua transformação, uma negociação em que há o consenso de valores por uma classe social e a aceitação ou a resistência e o conflito das outras classes, em uma disputa pelo poder.
As principais correntes dos Estudos de Recepção da América Latina são:
·         Consumo Cultural: O principal investigador dessa corrente é Néstor García Cancline que ultrapassa a ideia de que o consumo é uma relação entre a manipulação do dominador e a audiência passiva, mas sim que é algo mais complexo que envolve a colaboração do público.
·         Frentes Culturais: Adapta a noção de hegemonia de Gramsci e a noção de campo de Bourdieu na cultura, pois este é o lugar onde há a confrontação das diversas frentes culturais que buscam o reconhecimento das demais classes sociais.
·         Recepção Ativa: O principal objetivo dessa corrente é a educação das audiências dos meios de comunicação, para que elas possam construir uma reflexão crítica perante a mídia.
·         Uso Social dos Meios: Representada por um dos mais célebres estudiosos da área, Jesus Martín-Barbero, o qual fala da comunicação em uma perspectiva cultural e não de meios, em que há uma hibridação na cultura favorecendo diversas mediações que moldam as visões cognitivas ou percepções dos indivíduos.
·         Modelo das Multimediações: Trata das várias mediações (a cultura e as instituições sociais que o indivíduo participa) que vão remodelar e ressignificar as mensagens midiáticas.
É possível perceber que essas correntes estão imiscuídas no livro Muito Além do Jardim Botânico principalmente a questão da mediação, necessária à interpretação feita pelos trabalhadores das notícias divulgadas pelo Jornal Nacional. Essas mediações seriam as práticas sociais em que os trabalhadores estão inseridos desde a participação em sindicatos e movimentos sociais, o conhecimento de outros telejornais até as próprias experiências de vida que influem na percepção que o trabalhador tem de seu entorno reforçando ainda mais a concepção do receptor como sujeito ativo.



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