Muito Além do Jardim Botânico –
Texto 5
Debatedora: Kácia Guedes
Graduanda em Comunicação Social/ Jornalismo da UFPE
Como dizem, antes de falarmos sobre
qualquer assunto, temos que o conhecer bem para que nossos comentários tenham
fundamento. Nos textos anteriores, vocês
puderam tem uma boa noção do que é exposto no livro “Muito Além do Jardim
Botânico”, de Carlos Eduardo Lins da Silva.
A obra lançada em 1987 foi um marco nos estudos de recepção até então
feitos na área comunicacional. O autor
se destaca por sua inovação teórica, pela singularidade do objeto de pesquisa e
pela ousadia do referencial metodológico.
As referências teóricas utilizadas
por Silva (1987) basicamente se apoiam na afirmação de que o público não é tão
passivo como se pensava antes. Algumas pesquisas feitas até 1985, afirmavam que
a audiência era totalmente manipulada pelos meios de comunicação. Em outras, geralmente
feitas pelos próprios produtores de notícia, os meios de comunicação não
exerciam nenhuma influência sobre as pessoas. A partir da análise de dois
grupos de trabalhadores de diferentes regiões do país – Nordeste e Sudeste -, o
autor pôde demonstrar que os cidadãos possuíam sim senso crítico, mas com
intensidades diferentes, devido à maior ou menor interação com outras fontes de
notícia e sindicatos.
Um ponto importante de ressaltar é
que o próprio autor afirma não “utilizar” a neutralidade científica em sua
pesquisa. Dessa forma, ele confessa que o seu posicionamento político não é
afastado do trabalho, mas explica ser algo que não deturpa a realidade dos
fatos observados.
Outra obra sobre estudos de recepção
bastante interessante é o livro “Juventude e Televisão”, de Isabel Travancas,
lançado em 2007. Ao invés de trabalhadores, a pesquisadora analisa estudantes
universitários do Rio de Janeiro. Apesar do grande intervalo de tempo entre as
publicações, podemos observar tanto semelhanças quanto diferenças entre as
pesquisas.
Dentre as diferenças, podemos citar
que o grupo analisado por Travancas (2007) possui um maior senso crítico do que
o de Silva (1987), devido ao maior acesso à informação. Durante o período de observação dos
trabalhadores, a televisão era quase seu único meio de informação.
Dentre as semelhanças, o Jornal
Nacional foi o objeto principal de pesquisa em ambos os trabalhos e houve a
afirmação mútua de que quanto menor os recursos financeiros e o nível de
alfabetização, maior o peso da televisão na vida das pessoas.
Isabel Travancas é mais otimista em
relação ao telejornal pesquisado do que Carlos Eduardo. Isso pode ser explicado pelos diferentes
contextos históricos das pesquisas. Em 2007, o JN já estava bem consolidado e
sem grandes erros nem manipulações tão escrachadas como os que ocorriam em meados
de 1985, ano de pesquisa do autor. Naquela época, o telejornal ainda era muito
associado à imagem de regime militar e omitia algumas informações. Não que
atualmente não o façam, mas antes, acreditamos que foi mais perceptível.
O assunto “indústria cultura” é
amplamente abordado em “Muito Além do Jardim Botânico" e existem alguns
pontos que precisam ser observados. Segundo o autor, os bens culturais
também são fabricados em série como os demais produtos, mas existem
contradições nas relações de trabalho e no produto final, ao contrário das indústrias
apenas de bens materiais. As contradições existem tanto no momento da produção
como no da recepção. Assim, esse nem representa uma manifestação monopolítica
da ideologia burguesa, nem é consumido pela audiência de forma uniforme e
passiva.
Outra explicação muito interessante
é quando o autor releva que é através da indústria cultural que a hegemonia de
uma classe sobre as outras se mantém e para que seja realmente efetiva é
necessário que haja espaço para a expressão de pensamentos conflitantes. Por
esse motivo, as contradições entre a indústria cultural e o Estado são apenas
aparentes, pois no final das contas são liderados pela mesma classe social.
“O Estado converte-se
em instituição-chave de defesa das classes possuidoras e de controle das
classes subalternas” (SILVA, 1987, p. 24).
Tal afirmação recorda de maneira bem
sutil a obra de Louis Althusser - Ideologia e Aparelhos
Ideológicos de Estado (notas para uma investigação) - em
que ele trata dos instrumentos de dominação do Estado: instrumentos ideológicos
e repressores.
A
diferença entre os dois autores é observada quando Silva (1987) afirma que a
influência da indústria cultural supera a da Igreja, a da Escola e começa a superar
a da Família, ao contrário de Althusser, que afirma ser a da Escola a influência
preponderante. Essa divergência pode ser facilmente explicada analisando o
contexto histórico dos autores.
A partir da obra utilizada como
referência para esse trabalho, também fizemos alguns questionamentos em relação
à mídia televisiva atual. Silva comenta que a audiência de um telejornal se dá
pela abrangência geográfica e pelo fluxo de audiência e não pela qualidade do
conteúdo, fazendo supor que não existiam muitos programas de alta qualidade em
conteúdo durante o período de análise. Mas e hoje? Podemos dizer que o antigo
quadro mudou? Deixo a pergunta para a reflexão de todos.
O livro “Muito Além do Jardim
Botânico” é uma importante obra para analisarmos os avanços, as estagnações e
os retrocessos da mídia brasileira, assim como as reações da população do
período estudado e da atualidade. Será mesmo que estamos sendo telespectadores
mais atentos à programação? Ou continuamos alienados pela “agenda setting”
criada pela televisão brasileira?
Quem
está com a razão? Existe resposta para esse questionamento?
Nenhum comentário:
Postar um comentário