Marcela Lins
Marcela Pereira
Ursula Neumann
Edgar Morin |
“Uma vez que todas as coisas são causadas e
causadoras, ajudadas e ajudantes, meditas e imediatas, e todas estão presas por
um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as mais
diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto
quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes”.
Este imperativo cognitivo formulado há três
séculos por Blaise Pascal sintetiza o argumento de Edgar Morin em sua obra “A cabeça
bem feita”. Morin diz que seu livro é como um Emílio contemporâneo, “manual”
para alunos e professores. Pode até ser encarado pelo leitor como uma espécie
de manifesto. Fala sobre a necessidade de uma reforma do pensamento e,
portanto, do ensino.
O autor o escreveu tendo em mente um ensino
educativo, que não quer transmitir só o mero saber, mas um modo de pensar
aberto e livre que nos ajude a viver. Com essa linha de raciocínio, ele critica
a perspectiva mais positivista do conhecimento — que isola e fragmenta o saber
— e defende um ensino multidisciplinar.
A realidade e os problemas são multidimensionais,
polidisciplinares: só podem ser pensados corretamente quando posicionados num
contexto; e esse contexto próprio deve ainda ser posicionado no contexto
planetário. Morin fomenta, então, que a inteligência que fragmenta o complexo
não permite esse modo de raciocínio. Afirma que “sua insuficiência em tratar os
problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos”.
Segundo o autor, em vez de corrigir essa falha,
nosso sistema de ensino obedece a ela e a fortalece com o retalhamento das
disciplinas, levando as mentes jovens a perder sua aptidão natural de
contextualizar os saberes. Declara então que o “desafio dos desafios” da nossa época
consiste na reforma do pensamento, permitindo o pleno emprego da inteligência.
Após a reforma, seríamos capazes de responder a cada um dos três desafios
essenciais: o cívico, o sociológico e o cultural.
Essa transformação do pensamento seria possível
por meio do espírito problematizador, com a contribuição da filosofia.
Exercendo a curiosidade (geralmente aniquilada durante o processo educativo), a
vertente interrogativa da filosofia se estenderia para os âmbitos científicos e
humanos, num ato de reflexão mais globalizante e contextualizante.
Morin expõe, então, três “ciências sistêmicas”
que já atendem ao seu imperativo educacional: a Ecologia, a Cosmologia e as
Ciências da Terra. Todas elas recorrem a disciplinas extremamente distintas no
seu desenvolvimento, orquestrando e associando perspectivas variadas, pois
tratam de sistemas complexos e contextualizados.
Morin
exalta a “cultura das humanidades” como uma preparação para a vida. Ele comenta
como o cinema, a literatura e a poesia, através de seus múltiplos sentidos
funcionam como uma escola de compreensão humana, levando-nos a descobrir as
nossas próprias verdades através de outras verdades. Esse trabalho de
compreensão seria feito através de uma pedagogia que unisse filósofo,
psicólogo, sociólogo, historiador e escritor.
O
aprendizado da lucidez
O autor ainda comenta que o aprendizado da lucidez, como auto-observação em busca da aptidão reflexiva, deve ser sempre regenerado, nunca concluído. Morin fala da noosfera e a importância dos alunos aprenderem a se movimentar nela. Eles também devem saber que as ideias gozam de uma certa autonomia, “não são apenas meios de comunicação com o real; elas podem tornar-se meios de ocultação”.
“é para o aprendizado da vida que o ensino da filosofia deve ser revitalizado”. Morin comenta que através desse aprendizado é que desenvolvemos a racionalidade crítica e a autocrítica, tão fundamental para a auto-observação e a lucidez.
As incertezas
Ele discute a incerteza física e biológica, ele diz que “aprendemos que tudo aquilo que é só pode ter nascido do caos e da turbulência, e precisa resistir a enormes forças de destruição. O cosmo se organizou ao se desintegrar”. O autor acredita que, assim como tudo que importante na terra é raro, frágil e destinado ao futuro incerto, a nossa consciência também o é. Além disso, é por meio da desgraça que nos regeneramos: o sol, a cultura, a sociedade.
Edgard Morin fala que a condição humana está
marcada pela incerteza cognitiva e a incerteza histórica. Sendo a primeira
dividida em três princípios: o cerebral, o físico e o epistemológico. “Conhecer
e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a
incerteza.” Já a segunda se refere ao fracasso dos homens em tentar submeter a
história a leis e a predições. Ele ainda comenta sobre os três viáticos : o
príncipio da ecologia da ação, que diz que as consequências últimas da ação são
imprevisíveis; a estratégia e o desafio.
A
Formação Cidadã
Afim de explicar a formação cidadã do ser humano através da sua relação com a pátria e a identidade nacional, Morin aborda os conceitos de Estado-nação, comunidade, sociedade e comunidade de destino. Ele ainda faz a analogia do patriotismo como uma espécie de religião e dá exemplos como a identidade europeia.
A Educação e a
Democracia
Em sua crítica ferrenha
às ciências disciplinares e à busca pela autonomização teórica, Edgar Morin
afirma, em sua obra, que quando o objeto disciplinar aparece percebido como
autossuficiente, as ligações desse objeto com objetos de outras disciplinas se
reduz, tornando-o intangível. E os problemas com que lidamos no mundo se
comunicam com as mais diversas áreas do saber.
Os especialistas, para
o filósofo francês, vivem de ideias gerais e globais arbitrárias, nunca
refletidas, sendo “o reino dos especialistas [...] o reino das mais ocas ideias
gerais, sendo que a mais oca de todas é a de que não há necessidade de ideia
geral.” (MORIN, Egdar, pg. 75, 200x).
Na busca pela ideia
geral, a preparação deve se dar desde o ensino fundamental, quando a dúvida
deve ser incitada, em vez de haver a mera exposição de conhecimentos
disciplinares que não correspondem aos anseios do mundo enquanto espaço a ser
vivido. A educação exerce um papel preponderante que vem se perdendo em
detrimento de um conhecimento disciplinante e voltado a fins extremamente
específicos. De maneira geral, são seis as principais missões da educação:
1 – fornecer uma
cultura que permita distinguir, contextualizar, globalizar os problemas
multidimensionais, globais e
fundamentais, e dedicar-se a eles;
2 – preparar as mentes
para responder aos desafios que a crescente complexidade dos problemas impõe ao
conhecimento humano;
3 – preparar as mentes
para enfrentar as incertezas que não param de aumentar, levando-as não somente
a descobrirem a história incerta e aleatória do Universo, da vida, da
humanidade, mas também promovendo nelas a inteligência estratégica e a aposta
em um mundo melhor.
4 – educar para a
compreensão humana entre os próximos e os distantes;
5 – no caso dos
franceses, ensinar a filiação à França, à sua história, à sua cultura, à
cidadania republicana, e introduzir a filiação à Europa;
6 – ensinar a cidadania
terrena, ensinando a humanidade em sua unidade antropológica e suas
diversidades individuais e culturais, bem como em sua comunidade de destino,
própria à era planetária, em que todos os animais enfrentam os mesmos problemas
vitais e mortais. (MORIN, Edgar, pg. 102)
Para tal, a comunicação
entre as ciências e o investimento na união multidisciplinar dentro do espaço
universitário é imprescindível. A ecologia, a cosmologia e as ciências da Terra
surgem como sistemas complexos importantes para a reestruturação da forma de
lidar com o saber.
A reforma de pensamento
é imprescindível mesmo para a democracia: é necessário formar cidadãos que
compreendam os problemas de sua época, hoje relegados a poucos especialistas,
que, como dito anteriormente, carecem, muitas vezes, de uma compreensão global
dos problemas tão complexos que nos assolam, por investirem em um conhecimento
extremamente fracionário e abstrato. Uma democracia cognitiva só é possível com
a reforma do pensamento, que nos permita reorganizar o saber, sem isolá-lo.
Algo muito interessante
é que estamos, de fato, tão contagiados por essa perspectiva fraccionada do
conhecimento, que nos soa até mesmo utópica a reforma proposta pelo pensador
francês.
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