segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Reforma do pensamento para uma cabeça bem feita

 Marcela Lins
Marcela Pereira
Ursula Neumann


Edgar Morin
                                                                                                                                                        
“Uma vez que todas as coisas são causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, meditas e imediatas, e todas estão presas por um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes”.

Este imperativo cognitivo formulado há três séculos por Blaise Pascal sintetiza o argumento de Edgar Morin em sua obra “A cabeça bem feita”. Morin diz que seu livro é como um Emílio contemporâneo, “manual” para alunos e professores. Pode até ser encarado pelo leitor como uma espécie de manifesto. Fala sobre a necessidade de uma reforma do pensamento e, portanto, do ensino.

O autor o escreveu tendo em mente um ensino educativo, que não quer transmitir só o mero saber, mas um modo de pensar aberto e livre que nos ajude a viver. Com essa linha de raciocínio, ele critica a perspectiva mais positivista do conhecimento — que isola e fragmenta o saber — e defende um ensino multidisciplinar.

A realidade e os problemas são multidimensionais, polidisciplinares: só podem ser pensados corretamente quando posicionados num contexto; e esse contexto próprio deve ainda ser posicionado no contexto planetário. Morin fomenta, então, que a inteligência que fragmenta o complexo não permite esse modo de raciocínio. Afirma que “sua insuficiência em tratar os problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos”.

Segundo o autor, em vez de corrigir essa falha, nosso sistema de ensino obedece a ela e a fortalece com o retalhamento das disciplinas, levando as mentes jovens a perder sua aptidão natural de contextualizar os saberes. Declara então que o “desafio dos desafios” da nossa época consiste na reforma do pensamento, permitindo o pleno emprego da inteligência. Após a reforma, seríamos capazes de responder a cada um dos três desafios essenciais: o cívico, o sociológico e o cultural.

Essa transformação do pensamento seria possível por meio do espírito problematizador, com a contribuição da filosofia. Exercendo a curiosidade (geralmente aniquilada durante o processo educativo), a vertente interrogativa da filosofia se estenderia para os âmbitos científicos e humanos, num ato de reflexão mais globalizante e contextualizante.

Morin expõe, então, três “ciências sistêmicas” que já atendem ao seu imperativo educacional: a Ecologia, a Cosmologia e as Ciências da Terra. Todas elas recorrem a disciplinas extremamente distintas no seu desenvolvimento, orquestrando e associando perspectivas variadas, pois tratam de sistemas complexos e contextualizados.

A cultura das humanidades

Morin exalta a “cultura das humanidades” como uma preparação para a vida. Ele comenta como o cinema, a literatura e a poesia, através de seus múltiplos sentidos funcionam como uma escola de compreensão humana, levando-nos a descobrir as nossas próprias verdades através de outras verdades. Esse trabalho de compreensão seria feito através de uma pedagogia que unisse filósofo, psicólogo, sociólogo, historiador e escritor.

O aprendizado da lucidez

O autor ainda comenta que o aprendizado da lucidez, como auto-observação em busca da aptidão reflexiva, deve ser sempre regenerado, nunca concluído. Morin fala da noosfera e a importância dos alunos aprenderem a se movimentar nela. Eles também devem saber que as ideias gozam de uma certa autonomia, “não são apenas meios de comunicação com o real; elas podem tornar-se meios de ocultação”. 
“é para o aprendizado da vida que o ensino da filosofia deve ser revitalizado”. Morin comenta que através desse aprendizado é que desenvolvemos a racionalidade crítica e a autocrítica, tão fundamental para a auto-observação e a lucidez. 

As incertezas

Ele discute a incerteza física e biológica, ele diz que “aprendemos que tudo aquilo que é só pode ter nascido do caos e da turbulência, e precisa resistir a enormes forças de destruição. O cosmo se organizou ao se desintegrar”. O autor acredita que, assim como tudo que importante na terra é raro, frágil e destinado ao futuro incerto, a nossa consciência também o é. Além disso, é por meio da desgraça que nos regeneramos: o sol, a cultura, a sociedade. 

Edgard Morin fala que a condição humana está marcada pela incerteza cognitiva e a incerteza histórica. Sendo a primeira dividida em três princípios: o cerebral, o físico e o epistemológico. “Conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza.” Já a segunda se refere ao fracasso dos homens em tentar submeter a história a leis e a predições. Ele ainda comenta sobre os três viáticos : o príncipio da ecologia da ação, que diz que as consequências últimas da ação são imprevisíveis; a estratégia e o desafio.

A Formação Cidadã
 
Afim de explicar a formação cidadã do ser humano através da sua relação com a pátria e a identidade nacional, Morin aborda os conceitos de Estado-nação, comunidade, sociedade e comunidade de destino. Ele ainda faz a analogia do patriotismo como uma espécie de religião e dá exemplos como a identidade europeia.


A Educação e a Democracia

Em sua crítica ferrenha às ciências disciplinares e à busca pela autonomização teórica, Edgar Morin afirma, em sua obra, que quando o objeto disciplinar aparece percebido como autossuficiente, as ligações desse objeto com objetos de outras disciplinas se reduz, tornando-o intangível. E os problemas com que lidamos no mundo se comunicam com as mais diversas áreas do saber.

Os especialistas, para o filósofo francês, vivem de ideias gerais e globais arbitrárias, nunca refletidas, sendo “o reino dos especialistas [...] o reino das mais ocas ideias gerais, sendo que a mais oca de todas é a de que não há necessidade de ideia geral.” (MORIN, Egdar, pg. 75, 200x).

Na busca pela ideia geral, a preparação deve se dar desde o ensino fundamental, quando a dúvida deve ser incitada, em vez de haver a mera exposição de conhecimentos disciplinares que não correspondem aos anseios do mundo enquanto espaço a ser vivido. A educação exerce um papel preponderante que vem se perdendo em detrimento de um conhecimento disciplinante e voltado a fins extremamente específicos. De maneira geral, são seis as principais missões da educação:

1 – fornecer uma cultura que permita distinguir, contextualizar, globalizar os problemas multidimensionais, globais  e fundamentais, e dedicar-se a eles;

2 – preparar as mentes para responder aos desafios que a crescente complexidade dos problemas impõe ao conhecimento humano;

3 – preparar as mentes para enfrentar as incertezas que não param de aumentar, levando-as não somente a descobrirem a história incerta e aleatória do Universo, da vida, da humanidade, mas também promovendo nelas a inteligência estratégica e a aposta em um mundo melhor.

4 – educar para a compreensão humana entre os próximos e os distantes;

5 – no caso dos franceses, ensinar a filiação à França, à sua história, à sua cultura, à cidadania republicana, e introduzir a filiação à Europa;

6 – ensinar a cidadania terrena, ensinando a humanidade em sua unidade antropológica e suas diversidades individuais e culturais, bem como em sua comunidade de destino, própria à era planetária, em que todos os animais enfrentam os mesmos problemas vitais e mortais. (MORIN, Edgar, pg. 102)

Para tal, a comunicação entre as ciências e o investimento na união multidisciplinar dentro do espaço universitário é imprescindível. A ecologia, a cosmologia e as ciências da Terra surgem como sistemas complexos importantes para a reestruturação da forma de lidar com o saber.

A reforma de pensamento é imprescindível mesmo para a democracia: é necessário formar cidadãos que compreendam os problemas de sua época, hoje relegados a poucos especialistas, que, como dito anteriormente, carecem, muitas vezes, de uma compreensão global dos problemas tão complexos que nos assolam, por investirem em um conhecimento extremamente fracionário e abstrato. Uma democracia cognitiva só é possível com a reforma do pensamento, que nos permita reorganizar o saber, sem isolá-lo.

Algo muito interessante é que estamos, de fato, tão contagiados por essa perspectiva fraccionada do conhecimento, que nos soa até mesmo utópica a reforma proposta pelo pensador francês.

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