Por Débora Mírian
Graduanda do curso de Jornalismo da UFPE
Carlos Eduardo Lins da Silva apresenta em seu livro
Muito Além do Jardim Botânico, algumas hipóteses a fim de explorar a relação do
trabalhador e a influência exercida sobre ele pela televisão. Seu “carro chefe”
como já foi dito é o Jornal Nacional e sua primeira hipótese, senso crítico
oriundo de outras fontes, foi apresentada anteriormente.
A
sua segunda hipótese é a de que o trabalhador mostra um senso crítico mais
elaborado quando possui conhecimento pessoal a respeito dos assuntos tratados
na TV. Ele resalta que problemas reais do cotidiano dos trabalhadores
brasileiros não são comumente, nem prioritariamente tratados nos telejornais.
Esta “realidade” é muito mais presente, mesmo que de forma estereotipada, nas
telenovelas onde de maneira contraditória, a ficção encontra-se muito mais
perto do realismo. Apesar disso, por vezes os telejornais precisam exibir os
fatos aos quais as pessoas tem real interesse. Nesse momento o telespectador
manifesta-se, por se tratar de assuntos aos quais ele conhece muito bem sendo
assim impossível iludi-lo.
A
falta de notícias sobre trabalhadores no JN, especialmente de Lagoa Seca, não
deu ao autor muitas oportunidades para comprovar sua hipótese, mas as poucas vezes
em que as regiões onde Silva elegeu para sua pesquisa esteve na TV, ou quando
houve situações em que o trabalhador podia se identificar, ele pôde verificá-la.
Em Lagoa Seca, por exemplo, o presidente Figueiredo, em 14 de novembro de 1980,
visitou a cidade e fez uma declaração de que não tinha dinheiro para acabar com
a seca no nordeste e com lágrimas de emoção disse frente às câmeras que era
preciso conviver com ela. Ninguém que convivia com aquela realidade e fazia
parte do grupo de pesquisa “engoliu” suas desculpas. Eles questionavam tanto a
possível falta de dinheiro como a falta de soluções para seca, já que até em
Israel conseguiu-se plantar. Mesmo que nesse caso a revolta fosse maior em
relação à fonte do que ao veículo propriamente dito, em outras situações onde o
conhecimento pessoal também era dominante, voltou-se contra o jornal. Quando
Lula, em 1980, foi indiciado por um discurso proferido no Acre pela Lei de
Segurança Nacional, os moradores de Lagoa Seca, que o conheciam e viam o outro
lado da história, argumentaram que não houve chance para que Lula se defendesse
e perceberam que o JN já tinha feito um julgamento prévio e o condenado.
Em
Paicará, a outra região onde a pesquisa procede, o governo propôs à lei de
usucapião. Os moradores não acreditaram em seu beneficiamento, especialmente
por já terem se decepcionado meses antes, quando o governador Maluf teria
entregado títulos de propriedades, que na verdade não passavam de atos de relações-públicas
do governador. O JN que deu cobertura ao evento tronou-se muito desacreditado
entre eles. Outro exemplo eram as greves na Polônia, tratadas como atos de
heroísmo, completamente diferente das brasileiras. Diante das discrepâncias
entre as duas coberturas, um dos questionamentos levantados pelos moradores do
Paicará foi: “Por que o Walesa é herói e o Lula é bandido para o pessoal da
Globo?” (SILVA, 1985, p.118-119).
Segundo
Silva, o conhecimento pessoal também ataca a publicidade. Uma vez que se
conhece a ineficiência de um produto, não adianta o alarde das propagandas. Mesmo
orientada por elas é necessário à comprovação da qualidade pelo consumidor. Na
ficção, o conhecimento pessoal também está presente. As telenovelas trazem ao
telespectador problemas e situações do cotidiano, fazendo com que ele se veja
representado, ou aumente o senso critico quanto aos estereótipos criados para
tentar fazê-lo. Há ainda uma reflexão em torno das questões levantadas pelas
novelas e vivenciados por quem as assiste.
Outra
hipótese que Carlos Eduardo nos apresenta para o desenvolvimento do senso
crítico, é através do conhecimento dos meios. Nesta etapa ele já constatou que
os trabalhadores não aceitam de maneira passiva as informações, ideias e
valores que são lhe passados através da TV. Porém, ele verificou que há uma
confusão entre fonte e veículo. A população ofende-se, muito mais com o governo,
quando uma notícia desse segmento lhe desagrada, do que com o veículo que a
noticiou, sem, muitas vezes, se perguntar dos porquês daquela notícia ser
veiculada e os porquês daquelas fontes escolhidas em sua maioria, abordando
apenas um lado. Em suas palavras: “O nível do conhecimento específico dos meios
de comunicação de massa é, em geral, bastante baixo” (SILVA, 1985, p.125).
Apesar
disso, houve momentos em que os participantes desconfiavam da relação entre o
Estado e a TV, vindo em forma de Governo e Globo respectivamente. Uma das
situações que fez com que os moradores de Paicará percebessem essa correlação foi
no episódio citado anteriormente do governador Maluf. Nesse caso, dois dos
moradores deram entrevista à rede Globo e elas nem sequer foram ao ar. Na
reportagem exibida pela emissora, só apareceu uma entrevista do próprio
governador e de funcionários da prefeitura, que elogiavam o seu trabalho. Em
outra ocasião, quando em 1981 as grandes chuvas causaram desmoronamentos e 44
pessoas morreram no estado do Rio de Janeiro, o JN fez grandes elogios ao
governo e afirmou que todas as providências estavam sendo tomadas. Somente um
repórter se deslocou até Magé e conversou com populares descobrindo que a
situação era bem diferente. Essa foi uma grande oportunidade para discussão das
contradições internas da TV. Assuntos como edição e cromaqui, também foram
discutidos. Ao final de muitas análises os participantes verificaram o governo
como grande beneficiário de matérias tendenciosas e o trabalhador sempre como o
prejudicado. Essas análises ante o conhecimento do funcionamento dos meios
elevou a consciência crítica dos participantes frente à TV. O autor nos conta
que os participantes concluíram que não interessavam ao JN, reportagens sobre
os trabalhadores. Estes, quase nunca tinham sua presença no vídeo e quando as
tinham, vinham quase sempre em situações de desprestígio social ou com pequena
importância e com baixo status.
Em
suas conclusões, o autor coloca que esse trabalho não tem a intenção de uma conclusão
generalizada. O que ela buscou comprovar é que não é necessariamente verdade
que todos os trabalhadores absorvam todas as mensagens da televisão
passivamente e sem visão crítica e que qualquer trabalhador que tenha elementos
mínimos para complementar sua representação do real, é totalmente capaz de ser
crítico ao jornalismo televisivo.
A
pesquisa se deu com trabalhadores de Lagoa Seca – RN e Paicará – SP. Os
participantes já tinham algum interesse nos problemas da comunidade e possuíam
diversos posicionamentos ideológicos e políticos que não foram significativamente
alterados pela pesquisa. Também já possuíam censo crítico em relação ao
conteúdo televisivo desde antes do início da pesquisa embora esse não fosse tão
alto. Não possuíam consciência de classe e nenhum deles era líder sindical. Ao
final das reuniões o senso crítico havia se elevado, mas nada muito dramático, como
coloca o autor.
Eram operários e
operárias comuns, encontráveis em qualquer bairro de qualquer cidade grande do
Brasil contemporâneo. (...) Não poderiam ser classificadas como alienadas ao início do trabalho. Ao seu
final, não poderiam também ser chamadas de revolucionárias.
(SILVA, 1985, p.136- 137)
O
senso crítico que inicialmente limitava-se as discordâncias das reportagens
apresentadas pelo Jornal Nacional, ao final abrangia a percepção das operações ideológicas
por trás do conteúdo. Os participantes perceberam também que a responsabilidade
não poderia ser aplicada apenas as fontes de informação ou aos jornalistas, mas
a toda a estrutura capitalista e de interesses por trás da difusão desses
conteúdos. Contudo, ao final não tinham se tornado “supercríticos” e nem era o
objetivo da pesquisa fazê-lo. A pesquisa-ação não é um curso rápido de “como
adquirir consciência crítica”. (SILVA, 1985, p.137). O objetivo, segundo ele,
era apenas promover a interação social, a troca de ideias e o crescimento dos
agentes pessoais e pessoas.
A
pesquisa também não fez com que seus participantes adotassem posturas radicais,
nem que passassem a assistir mais ou menos a TV. Nas palavras do autor:
“Entender o meio não significa desprezá-lo ou deixar de levá-lo em
consideração.” (SILVA, 1985, p. 138). Pode-se gostar da programação sem
concordar com suas ideologias, assistir o Jornal Nacional sem deixar-se levar
pelos seus interesses.
Em
relação às hipóteses levantadas, praticamente todas foram confirmadas, tendo uma,
a recomendação de Silva para um estudo mais aprofundado. A primeira hipótese de
que as outras fontes além da televisão interferem na representação da realidade
dando ao indivíduo maiores facilidades para criticar, rejeitar ou duvidar do
que lhe é passado através da TV foi confirmada pela pesquisa.
A segunda hipótese visava comprovar que quanto
maior o conhecimento pessoal em relação a determinado assunto, menos o
indivíduo iria se deixar enganar por inverdades que lhe fossem passadas. A
pesquisa também comprovou essa hipótese como sendo verdadeira.
A
terceira hipótese que julgava que quanto maior o conhecimento dos meios de
comunicação, maior o senso critico em relação à produção de seu conteúdo também
foi confirmada.
A
quarta hipótese não pode ser totalmente confirmada por falta de elementos. Ela
propunha que, a participação em movimentos sindicais ou partidos políticos,
estaria relacionada com as demais variáveis apresentadas e afirmava que quanto
maior o grau de sofisticação dessas organizações ao qual o indivíduo está
inserido, maior o seu senso crítico. Houve uma tentativa de suplementar os
grupos com indivíduos ligados a militância sindical ou a partidos políticos e o
autor verificou que estes, tinham críticas elaboradas a TV, além de grande
consistência ideológica. Mas como muitos já possuíam curso superior ou estavam
na universidade e como não houve uma sistematização na coleta desses dados, o
autor foi impedido de concluir esta hipótese.
A última hipótese também se evidenciou e pôde
ser comprovada. Segue-a abaixo:
A hipótese final é a de
que os efeitos do Jornal Nacional
sobre a representação do real que os trabalhadores fazem não é tão decisiva a
ponto de moldar opiniões, em especial no que se refere aos que militam em algum
tipo de movimento social ou político. (SILVA, 1985, p.140)
O Jornal Nacional tem sim enorme influência sobre os
trabalhadores, sendo muitas vezes única fonte de informação entre eles. O seu
poder é enorme, mas não impede que as pessoas que se informem por ele, tenham
posições políticas ou opiniões contrárias às simpatizadas pelo JN. O seu poder
de persuasão, inclusive na classe operária é grande, mas não significa dizer
que é sempre convincente e alienante como sugere a charge a seguir:
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