segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A Cabeça Bem-feita


   

Uma conversa entre Daniel M. de Andrade Lima, Isabela Almeida, Marcela Lins, 
Marcela Pereira, Marina Didier, Moema França e Ursula Neumann.

Numa tentativa de seguir a reestruturação do pensar proposto por Morin em “A cabeça bem-feita”, discutimos os assuntos mais significantes (pelo menos em nossas visões pessoais) debatidos pelo autor no livro, de forma descontraída e sem roteiro. Deixando a conversa fluir naturalmente, utilizamos como meio de comunicação o mecanismo de fórum do site de relacionamentos FACEBOOK, abrindo mão da linguagem academicista e entrando num dispositivo de hipertexto. Dentre discordâncias, convergências, brainstorms e devaneios, seguem os nossos comentários sobre o livro, com todas suas características individuais e, ao mesmo tempo, companheirismo entre amigos:

— Morin diz que seu livro é como um Emílio contemporâneo, “manual” para alunos e professores. Pode até ser encarado pelo leitor como uma espécie de manifesto. Fala sobre a necessidade de uma reforma do pensamento e, portanto, do ensino. O autor o escreveu tendo em mente um ensino educativo, que não quer transmitir só o mero saber, mas um modo de pensar aberto e livre que nos ajude a viver.”
— Essa parte aqui e aquela citação de Pascal que ele repete mil vezes, pra mim resume muito a idéia geral do livro: “Efetivamente, a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência para tratar nossos problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos”.
— Acho que dá pra adicionar que ele valoriza o encorajamento da criatividade, encarando-a como uma faculdade importante nos jovens. De forma que o ensino educativo deve estimular o espírito livre e, assim, um didatismo que estimule a importância do auto-didatismo.
— E que ele defende que a qualidade de contextualizar e integrar ideias que a mente humana possui deve ser desenvolvida e não atrofiada.
            — "Em vez de corrigir esses desenvolvimentos, nosso sistema de ensino obedece a eles".



— "A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino".
— “Reformar o pensamento não é uma mudança programática, mas sim paradigmática e altamente necessária para a democracia cognitiva. É um desafio sociológico, cívico e cultural.”
            — Estamos fragmentando ideias de um todo, que é o livro.
—Vou jogar um super brainstorm:
“1-O termo formação, com suas conotações de moldagem e conformação, tem o defeito de ignorar que a missão do didatismo é encorajar o autodidatismo. Os desenvolvimentos disciplinares das ciências não só trouxeram as vantagens da divisão do trabalho, mas também os inconvenientes da superespecialização, do confinamento e despedaçamento do saber. Crítica à escola primária, uma vez que esta isola os objetos, separa as disciplinas e dissocia os problemas. O conhecimento progride não por abstração ou sofisticação, mas pela capacidade de contextualizar e englobar. O conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionando com as informações e inserido no contexto destas. As informações constituem parcelas dispersas do saber.
2- Crítica à ruptura das ciências naturais e humanas, agravada no século XX. Ao passo que as ciências humanas se orientam sob uma ótica mais questionadora, que estimula as reflexões sobre o saber e às próprias questões humanas, é o saber científico "exato" que conquista descobertas e teorias, mas sem que haja um questionamento em torno desse "fazer ciência" e do destino da humanidade.
3- Crítica de Morin ao pensamento de Habermas, quando este atribui às ciências naturais a função de corroborar com uma razão automizada... Talvez aqui que entre a questão da necessidade da união destas duas esferas de saber. O enfraquecimento de uma percepção global leva ao enfraquecimento do senso de responsabilidade, afinal, cada um tende a ser responsável apenas pela sua tarefa especializada, bem como ao enfraquecimento da solidariedade (ninguém mais preserva seu elo orgânico com a cidade e seus concidadãos).
4- Importância da cognição para a própria democracia, porcamente compensada pela vulgarização do aparelho midiático. Um ensino primário que não instiga a curiosidade com a mera instrução. Uma vez um amigo disse "a escola matou minha paixão pelo saber, agora que estou começando a retomar esse sentimento" achei lindo e triste. Revolução nas ciências naturais com as novas teorias – incerteza na física e na biologia – subverter a ordem do mundo, perfeição para dar espaço a um modo de entender a ordem e a desordem. Todo nosso ensino tende para o programa, ao passo que a vida exige estratégia (achei isso massa). Precisamos estar munidos da ideia das incertezas e de racionalidade autocrítica para nos atentarmos aos erros Literatura, Poesia e Cinema devem ser considerados não apenas objetos de análises gramaticais ou semióticas, mas também escolas de vida, em seus múltiplos sentidos. É a escola da descoberta de si (achei isso muito lindo também).”
— Eu tava falando com Cela e achei engraçado ele dividir os desafios em sociológico, cívico e cultural, afinal, pra mim, seria mais metalingüístico e coerente se ele falasse apenas de desafios, unindo os três, e não segregando. Ficou parecendo que ele caiu no didatismo que critica.
— Numa crítica à hiperespecialização, Morin diz que quanto mais desenvolvida a inteligência geral, maior é a capacidade de tratar problemas especiais. Os problemas, mesmo que particulares, só podem ser pensados corretamente se posicionados em seus contextos. Além disso, seus contextos precisam também ser posicionados no contexto planetário.
— Um lance que eu achei muito bom de Morin é que eu senti uma crítica a essa instrumentalização do saber, sabe? Ele deixa de lado essa concepção muito banal do conhecimento que é em situações como "vou estudar pra fazer prova/trabalho" pra jogar na cara da gente que conhecimento não é isso. Achei tão lindo.



— Eu gosto quando ele cita T.S.Eliot pra perguntar: "onde está todo o conhecimento que perdemos na informação?".
— “E onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?”.
— Quando eu leio esse livro eu me lembro do meu vestibular e de alguns professores que tentavam aplicar algumas coisas de Morin na minha vida daí eu fico me reconhecendo em muitas frases e em muitas páginas.
— Fiquei muito assim quando li o trecho que falava dos desafios e que dizia que "o mundo técnico vê na cultura das humanidades apenas um ornamento ou luxo estético" e é engraçado como na prática o científico vê isso dessa forma mesmo... Como uma coisa extra, mas como cultura "inútil"...
— Isso é bem verdade!
— E ao mesmo tempo o "mundo das humanidades vê na ciência apenas um amontoado de saberes abstratos e ameaçadores".
— Tem uma discussão que não lembro se ele aprofunda depois, mas é quando ele diz assim: "Quanto mais técnica torna-se a política, mais regride a competência democrática".
— É, pois é, eu fico vendo isso daí bem na prática quando as áreas do conhecimento se xingam (risos) tipo na faculdade, quem tem conhecimentos gerais geralmente é o pessoal de humanas.
— Mas depois ele explica como a literatura e a filosofia são muito mais importantes do que se imagina.
— E quem deveria suprir essa função, se não for a escola, são os meios de comunicação, mas os meios de comunicação não dão conta disso, aí fica tudo fragmentado.
— Acho massa isso dele enaltecer a filosofia.
— Um óbvio genial: as artes devem se legítimas enquanto formas de entender o mundo e de se entender.
— Importância da literatura e do cinema.
— Gente, eu me lembrei do livro que a professora Nina (Velasco) mandou a gente ler, "O Tempo Passado" que a gente vive através dessas obras, porque nós temos um potencial e é através da arte que a gente se enxerga e enxerga as possibilidades
— Ele fala que a filosofia é, hoje, retraída, quase fechada em si mesma e que deve voltar à "missão" de antes. Diz que os professores de filosofia devem estender esse poder de reflexão dela pros conhecimentos científicos, pra literatura, pra poesia, etc.
— O objetivo da educação não é o de transmitir conhecimentos sempre mais numerosos ao aluno (e parece que é, né?!) mas o "de criar nele um estado interior profundo, uma espécie de polaridade de espírito que o oriente em um sentido definido, não apenas durante a infância, mas por toda vida".
— Eu mudei de opinião sobre Morin se contradizer quando divide os três desafios, e não acho que ele tá usando um didatismo que ele mesmo critica. Porque ele precisa usar algum didatismo pra explicar as ideias dele, mas em nenhum momento ele tá diluindo o universal e o global pra facilitar o entendimento. Ele facilita o entendimento com o jeito que ele explica o livro, mas ele não isola os conhecimentos, ele consegue ligar bem as ideias O que ele faz no livro é organizar como uma "cabeça bem-feita", pra dar sentido, ao invés de acumular o saber de qualquer jeito.
— Eu acho válido porque ele tem que se expressar e no mundo que a gente vive a forma de passar o saber é essa. Mas pra mim ele dividir os desafios foi uma compartimentalização desnecessária.
— Eu sei, eu só achei ato falho. Mostra que por mais que ele tente criar essa ideia de cabeça bem-feita, ele não se desliga completamente, nem tão parcialmente, de como as coisas são hoje.
— Outra coisa que eu anotei: a curiosidade é extinta pela instrução. Eu acho tão lindo o pensamento das crianças, elas conseguem fazer o que é natural muito mais do que a gente.
— Essa coisa de dividir os 3 desafios, concordo com Moema. Ele dividiu, mas não parou nunca de integrá-los e ainda no final ele fala do "desafio dos desafios", meio que sintetizando os 3.
— A frase que sintetiza mais o desafio cívico, por exemplo, é "a necessidade de uma democracia cognitiva" e isso ele fala também nos outros 2.
— E acho ainda que ele não reclama das coisas do jeito que estão hoje nesse sentido de que é pra parar com o didatismo. O didatismo precisa existir pra ensinar as coisas, ele só é ruim quando fragmenta coisas e desconecta ideias e pensamentos e quando não incita o auto-didatismo.
— Ó, sobre a ecologia, a ciência da Terra e a Cosmologia: essas ciências organizam um saber anteriormente disperso e compartimentado. Ressuscitam o mundo, a Terra, a natureza e, de uma nova maneira, despertam questões fundamentais: o que é o mundo, o que é a nossa Terra, de onde viemos? Elas nos permitem inserir e situar a condição humana no cosmo, na Terra, na vida.
— Então o estudo da condição humana não depende só das ciências humanas. A pesquisa sobre o cosmo e a natureza responde um pouco isso também... (cap. 3). Depois ele começa a falar sobre as partes e o todo (que eu achei o tema mais legal do livro inteiro): estamos em um planeta minúsculo, satélite de um Sol de subúrbio, astro pigmeu. Assim como a vida terrestre é extremamente marginal no cosmo, somos marginais na vida. O homem surgiu marginalmente no mundo animal e o seu desenvolvimento marginalizou-o ainda mais.
— Trazemos dentro de nós o mundo físico, o mundo químico, o mundo vivo e, ao mesmo tempo, deles estamos separados por nosso pensamento, nossa consciência, nossa cultura. Assim, Cosmologia, ciências da Terra, Biologia e Ecologia permitem situar a dupla condição humana: natural e meta-natural.
— Ah, isso é massa demais.
— Muito massa isso: nós somos uma ramificação da ramificação de uma evolução dos vertebrados, dos mamíferos, dos primatas, portadores em nós das herdeiras, filhas, irmãs das primeiras células vivas. Pelo nascimento, participamos da aventura biológica; pela morte, participamos da tragédia cósmica. O ser mais corriqueiro, o destino mais banal participa dessa tragédia e dessa aventura.
— É LINDO!!!!!.
— Quando eu li essa parte mandei fazer uma camiseta e tatuei nas minhas costas já
— Sério,esse livro é fodástico demais... Me fez ficar pensando por um tempão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário